Muitos fatores afetam a capacidade das empresas na implementação de soluções baseadas em IA. E o fator humano, não apenas do pessoal técnico, mas dos executivos e a cultura da empresa, é um dos mais críticos.

Não são apenas tecnologia, dados e capacidade computacional que fazem os projetos de IA avançarem. A liderança, atitudes, cultura organizacional e skills são os atributos humanos que afetam muito mais que a disponibilidade de tecnologia. Sem tecnologia, não se avança, mas sem o lado humano da moeda, também não.

Em torno de 2012 começamos a ver uma onda de otimismo no uso de IA nas empresas. O sucesso do Watson da IBM ao vencer o programa Jeopardy e as várias soluções de reconhecimento de imagens, principalmente no setor de saúde alavancaram esse entusiasmo.

A Apple lançou o Siri em seu iPhone em 2011, seguido pelo Alexa em 2014. Por volta de 2017, o Google anunciou sua estratégia “AI First” e em 2015 a IBM lançou o Watson Health com ambições de transformar a saúde. Projetos de IA começaram a pipocar nas empresas e começamos a ver surgirem iniciativas de “AI labs” em muitas organizações. Startups com “.ai” no nome, mas sem usar IA, proliferaram.

Mas, muitos desses projetos fracassaram. O caso do Watson Health tornou-se emblemático e o artigo “How IBM’s Watson Went From the Future of Health Care to Sold Off for Parts” ilustra bem o contexto. Projetos ambiciosos demais e muitas vezes o descompasso entre técnicos como cientistas de dados e a perspectivas e visões dos executivos foram as principais causas.

A falta de compreensão do potencial e das limitações das tecnologias de IA por parte dos executivos e linguagens diferentes destes com os técnicos fizeram com que a liderança das empresas não se engajasse de forma significativa nessas iniciativas de IA.

Muitas foram criadas mais por pressão dos acionistas e reação ao FOMO, de sua empresa ficar para trás, mas sem visão clara do que queriam realmente resolver com projetos de IA. Em muitos casos o discurso era “estamos fazendo projetos de IA” e não “estamos resolvendo um problema de negócios com aplicação de técnicas de IA”. IA passou a ser o motivo e não a solução para os problemas. Não deu certo. E com isso arrefeceu-se o entusiasmo.

E eis que surge o chatGPT e o otimismo desenfreado começou de novo. Novamente vejo um descompasso entre o pessoal técnico entusiasmadíssimo, e os executivos, embora novamente com o sinal do FOMO ligado, receosos de ir em frente. As técnicas por trás do chatGPT são bem avançadas, mas existem muito mais técnicas e aplicações de IA além dos chatbots.

Indiscutivelmente que o uso do chatGPT de forma pessoal é totalmente diferente do uso corporativo, onde a empresa está atrelada às regras de compliance, processos de auditoria, olhar atento dos acionistas quanto a eventuais danos à imagem e claro, em setores altamente regulados, as barras de privacidade e segurança são muito mais altas.

Estamos ainda na fase das experimentações e temos muito que aprender. Esta fase é impulsionada basicamente pela emoção, como vemos no Hype Cycle do Gartner, na figura abaixo.

Com o tempo vamos identificando onde e como usar esses modelos LLM e quais os limites e cuidados que devemos ter com eles. Mas, sem experimentações, a empresa não conseguirá validar sua aplicabilidade ao seu negócio. Algumas experimentações mostram potencial, como os do paper “A Review of ChatGPT Applications in Education, Marketing, Software Engineering, and Healthcare: Benefits, Drawbacks, and Research Directions”.

O estudo coloca nas suas conclusões que o ChatGPT e outros modelos de linguagem/chatbots avançados são ferramentas poderosas que têm o potencial de revolucionar diversas áreas como educação, engenharia de software, saúde e marketing. Tarefas robotizáveis, como anotações e geração de textos simples, podem ser feitas pelos sistemas LLM. O estudo “ChatGPT Outperforms Crowd-Workers for Text-Annotation Tasks” comprova que os resultados parecem promissores.

Para manter sua relevância, os criadores de conteúdo e freelancers terão que se esforçar muito para obter alta qualidade na sua redação e imagens criativas e originais, tanto para serem notados pelos clientes quanto para otimização dos mecanismos de busca, que já começam a se preparar para detectar conteúdo gerado automaticamente e baixar sua prioridade no resultado da busca: “I’ve Never Hired A Writer Better Than ChatGPT’: How AI Is Upending The Freelance World”.

Creio que os freelancers que irão se manter serão apenas os especializados que criam textos inovadores e criativos. Uma minoria. E as plataformas que intermediam freelances e contratantes vão perder grande parte de sua receita.

Também na área de saúde, algumas iniciativas já estão acontecendo como integração de sistemas de prontuário eletrônico com o chatGPT e um estudo interessante, publicado pela JAMA, “Comparing Physician and Artificial Intelligence Chatbot Responses to Patient Questions Posted to a Public Social Media Forum”, que mostra que chatbots podem ajudar o médico a diminuir muito de sua carga de trabalho, gastas com tarefas mais simples.

No entanto, em todos os estudos, suas desvantagens, como plágio, parcialidade e falta de transparência e “alucinações”, precisam ser abordadas com atenção. Como qualquer nova tecnologia, experimente antes de mergulhar fundo.

E não subestime questões de segurança, privacidade e riscos de violação de direitos autorais. O artigo “Despite OpenAI’s Promises, the Company’s New AI Tool Produces Misinformation More Frequently, and More Persuasively, than its Predecessor” mostra quão importante é não subestimar eventuais problemas de segurança.

 

Novamente, o fator humano é essencial. Sem compreensão da tecnologia, os executivos não se engajam e não abrem a carteira para suportar projetos. Existem vários passos que precisam ser trilhados, sendo que obviamente o primeiro é o aculturamento e evangelização dos executivos. Depois é essencial ter uma verdadeira governança de dados, com um data lake e não com um conjunto disperso de data warehouses.

Os dados precisam ser higienizados e aí descobre-se quanto de sujeira está embutida nos arquivos corporativos. A arquitetura de tecnologia precisa ser revista: nuvem híbrida ou pública? Os critérios de aprovação de projetos que usam muitos dados como os de IA, precisam ser avaliados por políticas de ética, privacidade e aderência às regulações. Talvez a criação de um comitê para “Responsible Data Use” possa se encaixar nesse cenário.

A disseminação de projetos de IA passa inevitavelmente pela aprovação dos executivos responsáveis pelas áreas de negócios envolvidas. Se eles não tiveram a clara compreensão do potencial e limitações da tecnologia e dos benefícios e eventuais riscos envolvidos, não se engajarão. A criação de “hackathons” para executivos, interagindo com técnicos, de modo que possam utilizar ferramentas de IA e entender de perto o que são e como funcionam, ajuda bastante a quebrar as barreiras.

Contar com parceiros externos é importante para acelerar a curva de aprendizado, mas a estratégia deve ser de atuação de forma colaborativa, para a empresa adquirir seu próprio capital intelectual. Se os projetos de IA forem críticos aos negócios, não podem ficar inteiramente nas mãos de terceiros. Montar e manter uma equipe capacitada é um desafio, em um mercado com escassez de bons talentos.

Budget é outro fator essencial. Não apenas para criar MVPs em “AI labs”, (nessa fase exigir ROI é matar a inovação) mas para desenvolver projetos reais e depois mantê-los em operação. Para isso é importante definir expectativas realistas e mensurar resultados através de métricas, como KPIs, não apenas no desenvolvimento, mas já em produção.

A escolha dos primeiros projetos é um ponto importante. Não podem ser insignificantes, que se derem certo ou errado, ninguém vai se importar, mas também não podem comprometer a saúde da empresa em caso de falha. Mas, tem que ser suficientemente impactantes para que a organização veja os resultados e isso amplie o interesse em disseminar projetos similares.

Os executivos devem estar antenados não apenas com os desafios do seu dia a dia, mas ter sempre atualizada sua visão de futuro. O que os seus clientes vão querer daqui a 5 anos? E agir para preparar a empresa para isso. Recentemente o CEO da IBM em entrevista para a Bloomberg, “IBM to Pause Hiring for Jobs That AI Could Do”, disse que muitas atividades de back-office irão aos poucos desaparecendo com o uso intenso dessa tecnologia.

Na sua estratégia, a contratação para funções administrativas, como recursos humanos, será suspensa ou retardada. Essas funções não voltadas para o cliente totalizam cerca de 26  mil hoje na empresa. “Eu poderia ver facilmente 30% sendo substituído por IA e automação em um período de cinco anos.”

Ele estava falando das atividades robotizáveis, que ainda existem dentro das empresas, e efetuadas por humanos. Por exemplo, tarefas mundanas, como mover funcionários entre departamentos, provavelmente serão totalmente automatizadas, disse. Mas, algumas funções de RH, como avaliar a composição e produtividade da força de trabalho, provavelmente não serão substituídas na próxima década, acrescentou.

A liderança dos executivos nas estratégias de IA pode assumir diversos aspectos, dependendo das características próprias dos negócios em si, mas um fator comum é indiscutivelmente é o fato deles compreenderem o que é a IA e suas implicações para as estratégias, modelos de negócio, processos, pessoas e aderência aos princípios e valores éticos das suas empresas. Sem essa compreensão, não conseguirão desenhar uma visão coerente e adequada para o futuro.

A evolução tecnológica é irreversível. Vimos surgirem tecnologias transformadoras como os motores a combustão, a luz elétrica, os automóveis, os aviões, os transístores, a internet e os smartphones. A IA tem muito potencial transformador, desde que aplicada aos problemas corretos, nos momentos adequados.

A inteligência híbrida (criatividade, inovação, bom senso e pensamento crítico humanos) potencializada pelas tarefas automatizadas e robotizadas deslocadas para as máquinas já é uma realidade. A sociedade e os executivos devem se preparar para essas mudanças e não podem se dar ao luxo de ficarem ignorantes de muitos dos detalhes tecnológicos que mudarão a nossa vida.

* Cezar Taurion é Chief Strategy Officer (CSO) da Redcore