O Banco Central está com a faca e o queijo na mão. Nos próximos dias terá a chance de reforçar sua autonomia, renovar a credibilidade de suas políticas e endereçar uma mensagem ao governo e ao Congresso: a falta de sintonia entre as políticas fiscal e monetária produzirá “mortos e feridos” na economia real. É questão de tempo.

Na última semana de junho, a instituição divulgará a Ata do Copom e o Relatório de Política Monetária (RPM). E a densidade técnica desses documentos, somada à decisão de esticar a Selic a 15%, autoriza o BC a reprisar alertas sobre as consequências da persistente política fiscal expansionista que turbina a demanda e compromete o seu trabalho que é manter a inflação na meta e num cenário global repleto de incertezas.

Nesse momento, a manifestação do BC tem relevância ampliada, inclusive, pela tensão escancarada no Congresso em torno de questões fiscais – o projeto que eleva o IOF deve ser derrubado e a MP que busca reforçar a arrecadação para que a meta fiscal deste e do próximo ano seja alcançada está na corda bamba.

A MP poderá ser devolvida pelo Congresso ao Executivo e perder sua validade impondo riscos – de arrecadação e reputação ao governo – a serem contidos pela equipe econômica, possivelmente em julho, quando o Parlamento retornar do “recesso junino” sem ter iniciado o recesso oficial que vai de 18 a 30 de julho.

O RPM mira a política monetária que tem sido atropelada pela política fiscal. E o resultado é a deterioração de expectativas que justificam, em boa medida, a restrição monetária que começa a minar a atividade às vésperas do eleitoral 2026.

Desde setembro, quando começou o ciclo de alta, a Selic avançou 5 pontos percentuais. O juro real ronda 10%. E projetado 12 meses à frente pelo economista Jason Vieira, em parceria da MoneYou com a Lev Intelligence, é de 9,64% - o segundo mais alto do mundo, atrás somente da Turquia com 14,44%.

O BC, que está bancando esse juro, não titubeou na Ata do Copom em maio. Afirmou que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e sobre o custo de desinflação em termos de atividade”.

E mais: esclareceu aos desavisados que segue utilizando a política fiscal como insumo em sua análise e, dada a política fiscal corrente e futura, adotará a condução de política monetária apropriada para a convergência da inflação à meta. Até aqui, jogo jogado. Mais claro, impossível.

BC alertou para o descumprimento da meta

Na próxima Ata, que sai na terça-feira, 24 de junho, o Copom pode até não reprisar as frases ipsis litteris, mas é improvável que dispense ou altere o sentido do alerta. O RPM será publicado na quinta, 26, e detalhado pelo presidente Gabriel Galípolo e pelo diretor de Política Econômica Diogo Guillen. Ambos terão a oportunidade de marcar posição.

A apresentação do RPM é de particular relevância neste momento porque o documento – de periodicidade trimestral – estará na segunda edição que coincide com o prazo de aferição de resultado da “meta contínua” de inflação que também completa seis meses e prevê um ritual se a inflação não estiver nos eixos. E não está há tempo.

Quando a inflação, que persegue meta central de 3%, estoura o teto de 4,50% mês a mês, durante seis meses, o presidente do BC deve divulgar as razões do descumprimento do regime em nota no RPM e em carta aberta ao Ministro da Fazenda.

Em janeiro, já na presidência do BC, Galípolo redigiu uma carta aberta a Fernando Haddad, mas referindo-se ao descumprimento da meta em 2024 quando, segundo o documento de 18 páginas, a meta estourou por deterioração da percepção fiscal, atividade forte, real depreciado e eventos climáticos extremos.

No final desde primeiro semestre de 2025, a nota e a carta seguem a mesma linha – detalhar as causas da pressão inflacionária, as medidas necessárias para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo para que tudo funcione.

“A falta de sintonia entre as políticas fiscal e monetária produzirá “mortos e feridos” na economia real. É questão de tempo”

Não é pouca coisa. Mas o descumprimento era bola cantada, pelo próprio BC, em janeiro, quando a “meta contínua” entrou em vigor. Naquele momento, o BC alertou que, neste mês de junho, a inflação estaria acima de 4,50%. O IPCA está em 5,3% até maio.

Galípolo reiterou essa informação em outras oportunidades. E, agora, deverá explicar as razões pelas quais a inflação brasileira é tão resistente. Há variáveis externas a considerar certamente, como as estripulias de Trump que pressionaram o dólar, mas a política fiscal e parafiscal executada pelo governo têm culpa no cartório.

E o BC, até por ter autonomia constitucional, não deve desperdiçar a chance de colocar as cartas na mesa, uma vez que é criticado pelo juro escorchante e, ainda assim, não conseguir domar a inflação. E, em breve, será responsabilizado pela desaceleração da economia que já está presente.

Na certa, contrariando o presidente Lula que, com sua popularidade claudicante como apontam as pesquisas de opinião, não economiza (e nem economizará) esforços para manter a atividade aquecida. Mas o vento já não sopra a favor. Dois indicadores – IBC-Br e o Monitor do PIB do Ibre/FGV – apontam desaquecimento da atividade no início do segundo trimestre com o fim da safra.

Com essa sinalização, somada à Selic de 15%, a questão que se coloca nesse pós-Copom é até quando o presidente Lula será passivo ante a determinação do BC de manter a política monetária no torniquete até o primeiro trimestre de 2026 – data em que o mercado prevê ter início o corte do juro. Está longe. A paciência de Lula, talvez não.