LONDRES - As instalações imersivas espelhadas de Yayoi Kusama são um fenômeno, a ponto de o museu Tate Modern de Londres não conseguir encerrar a exposição da artista japonesa. Concebida originalmente para o período de 14 de junho de 2021 até 12 de junho de 2022, “Yayoi Kusama: Infinity Mirror Rooms” foi esticada até 28 de agosto, para atender a demanda.

E a reserva com pelo menos 45 dias de antecedência é necessária para garantir a visita – antes desse prazo, os ingressos estão sempre esgotados. O mesmo acontece em outros museus do mundo, que também expõem outras instalações de Kusama com o conceito de repetição infinita, nas quais essa ilusão é criada com espelhos. Como no Museum of Islamic Art (MIA), de Doha, ou no M+ Museum, de Hong Kong.

Aos 93 anos, Kusama é uma das artistas do Japão mais reconhecidas internacionalmente. Sobretudo pelas peças no formato de abóboras e por pinturas e outras esculturas realizadas com o seu característico padrão de bolinhas. Daí o apelido de “A princesa das bolinhas”.

O fato de Kusama colaborar com a Coca-Cola, por exemplo, e gigantes da moda, como na atual parceira criativa com a Louis Vuitton, ainda deixa a artista mais pop aos olhos do público. Até porque as peças de roupa e os acessórios, com as bolinhas coloridas e esferas metálicas, fazem sempre muito barulho nas redes sociais.

Em Londres, por conta da campanha publicitária da parceria com grife francesa, os milhares de pontinhos de Kusama estão espalhados por toda a parte – incluindo um outdoor na praça Piccadilly Circus, um dos cartões postais da cidade.

A sala Chandelier da Dor:luzes se multiplicam pela sala, dando uma estranha sensação de melancolia

Foi feita até uma versão animatrônica, do tamanho real da artista, para decorar a vitrine da loja da Louis Vuitton, na New Bond Street. Do lado de fora, há sempre grupos de pessoas admirando o robô de peruca vermelha, à espera que ele pisque, pinte ou acene.

A exposição “Yayoi Kusama: Infinity Mirror Rooms” consiste em duas grandes instalações imersivas. São elas: Chandelier of Grief (Chandelier da Dor) e Infinity Mirrored Room - Filled with the Brilliance of Life (Quarto Infinito Espelhado - Preenchido com o Brilho da Vida).

Na primeira das instalações, o visitante percebe que há uma única fonte de luz, ao entrar em uma sala com ambiente espelhado. Preso ao teto, há um lustre majestoso dentro de uma estrutura de vidro no formato de um hexágono.

Graças ao mecanismo giratório do lustre e às paredes espelhadas, as luzes se multiplicam pela sala, dando uma estranha sensação de melancolia – talvez por se tratar de uma peça solitária. Por vezes, o espectador pode até ficar zonzo. “Se passar mal, é só fechar os olhos”, avisa o funcionário do Tate Modern, logo na entrada.

A segunda instalação tem o mesmo efeito hipnotizante. As paredes também são espelhadas, onde pequenas luzes suspensas criam uma espécie de constelação infinita. O que muda aqui é um efeito extra, obtido pela movimentação da água no chão. A estrutura envolve uma passarela transparente montada sobre uma piscina rasa.

A sala Infinity Mirrored Room: uma espécie de constelação infinita

“Evite dar um passo para trás”, aconselha o funcionário do museu, para que os visitantes não saiam com os pés molhados. Há, sim, uma leve sensação desestabilizante, conforme o visitante olha para o chão – onde a passarela transparente e a água da piscina parecem se confundir. É como se o espectador andasse sobre luzes, com os reflexos.

“Ambas as obras são capazes de incitar respostas emocionais poderosas e intensamente pessoais, o que podem parecer sobrenaturais ou transcendentais”, escreveu Frances Morris, a curadora da exposição e diretora da Tate Modern, na revista do museu, “Tate Etc”.

“A habilidade em transportar o espectador para o epicentro de sua imaginação obsessiva e misteriosa é o que torna a arte de Kusama tão infinitamente cativante”, acrescentou a curadora.

A característica hipnotizante da obra da artista, com motivos repetitivos, principalmente bolinhas, é explicada por seu diagnóstico psicológico. Desde criança, ela diz sofrer de visões distorcidas, vendo “pontos” por todos os lados.

Devido a essas alucinações, a artista vive desde 1977, por iniciativa própria, em hospital psiquiátrico de Tóquio. Na arte, ela diz buscar uma espécie de “antídoto” para o seu tormento mental, incluindo pensamentos suicidas. É por isso que ela mantém o hábito de pintar, dia após dia.

Uma visita feita ao ateliê de Kusama, no Japão, deixou a curadora da exposição na Tate Modern impressionada com o seu processo de trabalho. “Ela se sentou diante de uma tela vazia preparada por sua equipe, com frascos de corante líquido ao lado. Pegou o pincel e, após uma pausa, começou a pintar”, contou Morris.

Foi como se a curadora estivesse assistindo a uma performance. “Ela trabalhou rápido e com atenção absoluta no que parecia ser um processo quase automático. Ao observá-la, percebemos a a natureza obsessiva de sua arte”, completou a curadora.