Com pouco mais de 7 mil moradores, Santo Antônio do Pinhal, no interior de São Paulo, é uma gigante no btcmap.org, aplicativo global que mostra onde é possível comprar bens e serviços usando bitcoins. Em menos de um ano, essa pequena cidade turística da Serra da Mantiqueira já se aproximou de Rolante, no Rio Grande do Sul, capital mundial da criptomoeda.

O município paulista conta hoje com 79 estabelecimentos que aceitam o dinheiro virtual — ou seja, um negócio para cada 90 habitantes. No gaúcho, com uma população em torno de 21 mil pessoas e 209 comércios "bitcoin friendly", essa relação é de um negócio para cada 100 habitantes.

A ideia de colocar os pinhalenses no BTC Map, espécie de guia turístico para bitcoiners de todo o mundo, não veio de um nerd que passa o dia diante da tela do computador, mas de Pedro Fadida, um terapeuta holístico, de 40 anos.

Estudioso da medicina indiana Ayurveda, sócio da pousada Munay com a mulher, a massoterapeuta Luana Mantegazza, ele já investigava o universo dos bitcoins desde 2019, como pequeno investidor curioso. Foi quando ouviu falar de Rolante.

Depois de contratar uma mentoria com a equipe que conduziu o projeto Bitcoin é Aqui!, da cidade gaúcha, Fadida pôs o bloco na rua. Começou batendo à porta de Jeferson Neves, presidente da Associação Comercial e Turística de Santo Antônio do Pinhal (Acasap).

“Achei que o aval da associação daria credibilidade ao projeto”, ele conta, em conversa com o NeoFeed. Não foi difícil ganhar a adesão de Neves. Proprietário de vários comércios e instrutor de voo livre, ele já conhecia o potencial da moeda virtual para o turismo.

“Quando visitei uma aldeia no arquipélago de Anavilhanas, no Amazonas, para comprar artesanato, uma indígena me perguntou se eu queria pagar em crédito, débito, pix ou bitcoins”, lembra ao NeoFeed. “Assim que voltei para casa, soube que o Pedro queria trazer o bitcoin para a nossa região.”

A primeira palestra para apresentação do projeto Bitcoin Amantikir foi agendada para novembro de 2024, mas o assunto novo e altamente estigmatizado gerou mesmo uma certa desconfiança entre os convidados. Apenas 15 comerciantes apareceram.

Alguns, no entanto, embarcaram de cara. Foi o caso de Dione Baleeiro, proprietário da imobiliária Baleeiro Schmidt, e de Rafael Castro, dono da sorveteria Senhora Sobremesa. Bastaram poucas semanas para que outros 66 também quisessem fazer parte — e, hoje, eles são 69. Mas, Fadida se empenha em cooptar mais comerciantes. Diz que já conversou com outros 150.

Convencê-los de que se trata de um processo sério e seguro é sempre o primeiro passo. "É preciso entender que o bitcoin é uma filosofia, com contextos éticos e sociais”, diz o terapeuta.

Os adeptos da tal filosofia a que Fadida se refere defendem que o bitcoin é um recurso capaz de descentralizar o poder econômico, já que a moeda digital pode trocar de mãos sem a participação de bancos e grandes corporações financeiras.

Mais  fácil do que cartão

Para os comerciantes, propagandeia o terapeuta, só há vantagens, já que a adesão não envolve qualquer investimento tecnológico: basta baixar um aplicativo gratuito. Em Santo Antônio do Pinhal, o único custo é a mensalidade de R$ 19,90, valor destinado à organização de reuniões e contratação de palestrantes externos.

Proprietário da Matinal Doceria, Fabiano Oliveira conta que não foi complicado treinar os seis funcionários com permissão para operar o caixa. “É mais fácil do que receber com cartão”, garante, ao NeoFeed.

Como um bitcoin está cotado a mais de R$ 467 mil, diz ele, os clientes da cafeteria pagam a conta usando satoshis, fração da moeda virtual equivalente ao centavos de real. “Tem gente que usa bitcoin para pagar só um café espresso, que custa R$ 7. O ticket médio não passa de R$ 30”, completa.

Um adesivo identifica os estabelecimentos que aceitam bitcoin, mas o principal instrumento de divulgação, segundo Oliveira, é o BTC Map: “Logo na primeira semana, um casal de americanos, acompanhado dos filhos, nos descobriu no mapa e veio passar o dia na cidade, só para gastar bitcoins”.

O terapeuta holístico Pedro Fadida foi o responsável por colocar Santo Antônio do Pinhal no mapa dos "bitcoiners" (Foto: Pousada Munay)

O adesivo na porta da sorveteria indica que a Senhora Sobremesa é um estabelecimento "bitcoin friendly" (Foto: Senhora Sobremesa)

Não é que Santo Antônio do Pinhal dependa da moeda digital para se lançar como destino turístico. Vizinha de Campos do Jordão, a cidade tem 1,4 mil leitos, 3,6 mil assentos em serviços de alimentação e recebe cerca de 10 mil turistas por fim de semana, segundo a Acasap.

Mas 80% deles são moradores do Vale do Paraíba, que só passam o dia e vão embora. A posição privilegiada no ranking do BTC Map, acreditam os entusiastas do projeto, teria potencial para atrair visitantes de mais longe.

O destino das moedas digitais recebidas, cada um decide como bem entender. É possível convertê-las automaticamente em reais e fazer um depósito bancário, ou deixá-las guardadas, para que valorizem. Mas a proposta de Fadida é a mesma da turma de Rolante: estimular a economia circular.

Com três lojas na cidade e arredores, Castro, da sorveteria Senhora Sobremesa, por exemplo, tem preferido gastar seu saldo na petshop Artti Pet, onde deixa ao menos R$ 100 mensais, em troca da ração dos vira-latas Nina, Vivi e Zaion e da gata Leka. “Só uso reais quando não tenho bitcoins na carteira digital”, diz.

A exemplo de Rolante

Em Rolante, onde até o hospital da cidade aderiu ao meio de pagamento virtual, já existe um calendário turístico bitcoiner. O primeiro evento, em 2023, foi o Pizza Day, que acontece globalmente em 22 de maio.  Aliás, foi nesse dia, em 2010, que o programador Laszlo Hanyecz, da Flórida, fez a primeira compra do mundo de um produto físico usando a criptomoeda. Por duas pizzas, ele pagou 10 mil bitcoins, o equivalente, na época, a US$ 41. Hoje, custariam quase US$ 841 milhões.

Os rolantenses ainda promoveram o Bitcoin Spring Festival e o Bier Rock. Mas, as enchentes que castigaram o Rio Grande do Sul deixaram a cidade embaixo d’água e os eventos foram cancelados. A solidariedade também veio em forma de moedas virtuais — a comunidade de bitcoiners arrecadou o equivalente a R$ 120 mil, usados em medidas emergenciais.

Agora, em 2025, a cidade gaúcha deve reativar o calendário bitcoiner, exemplo que os comerciantes de Santo Antônio do Pinhal também pretendem copiar.

Fadida já se dedica à organização do projeto educativo Café com Bitcoin e de um festival, em agosto, com música e palestrantes internacionais, envolvendo estabelecimentos de cidades da região, como Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Sapucaí Mirim. Tudo a ser pago em bitcoin.

Em tempo: Entre 21 de março de 2024 e sexta-feira passada, a principal criptomoeda do mundo foi de US$ 65.491,39 e para US$ 84.093,97.