Eles se consideram os mosqueteiros do patrimônio histórico. Não é à toa que escolheram o nome de Dartagnans para a startup francesa especializada na compra e restauro de castelos praticamente em ruínas na França, que correm o risco de desaparecer da paisagem.
Inicialmente uma empresa como tantas outras de financiamento coletivo, a plataforma deu uma guinada em suas atividades no fim de 2017 com a ideia de que qualquer um pode se tornar “proprietário de castelo” investindo apenas 59 euros (cerca de R$ 300).
Atualmente, graças a esse sistema de “compra coletiva”, que já atraiu milhares de pessoas em mais de 120 países, incluindo 200 brasileiros, a Dartagnans finaliza a aquisição de seu quarto castelo, o château de Boulogne, situado a uma hora de Paris, um projeto de 800 mil euros que inclui, além da propriedade principal, um parque e prédios externos.
Todos os monumentos adquiridos têm como plano de negócios três pilares: visitação pública, realização de eventos (festas e reuniões privadas ou atividades culturais) e a criação de hospedagem para turistas. As receitas são reinvestidas para continuar financiando a preservação e o restauro desse patrimônio.
Ao adquirir cotas nos castelos, os investidores ganham o direito de voto nas assembleias gerais anuais da empresa que detém a propriedade. Eles também podem visitar os monumentos gratuitamente para sempre e participar dos primeiros eventos organizados no local.
Com uma comunidade de cerca de 200 mil internautas, a startup recebe várias sugestões de castelos franceses que precisam ser “salvos” do risco de destruição decorrente do abandono ao longo dos anos.
“Nosso objetivo não é apenas tentar salvar o monumento, mas também criar um projeto econômico e turístico viável. A ideia é começar uma nova história para o castelo”, disse ao NeoFeed Romain Delaume, presidente e cofundador da Dartagnans.
A decisão de lançar o processo de aquisição de um monumento desse tipo ocorre após um estudo detalhado sobre as possibilidades de desenvolvimento de atividades no local.
Os novos “donos de castelos” que participam da compra coletiva são, na realidade, acionistas de uma empresa que é criada a cada operação de aquisição e que detém 100% do monumento em questão. O valor da cota é baixo para permitir que o projeto seja acessível a um grande número de pessoas, diz Delaume.
O principal intuito dos investidores - muitos deles interessados em História e adeptos de construções antigas - é contribuir para a salvaguarda do patrimônio. Isso também acaba permitindo, na visão deles, que os castelos ganhem uma nova vida e sejam descobertos pelo público.
“O objetivo é tentar ajudar os monumentos. Hoje não é mais possível para o Estado ou para um particular de realizar sozinho a manutenção de um monumento de tal tamanho e esplendor”, afirma Delaume.
A fatia de cada um na companhia é proporcional ao montante investido. A primeira etapa é a compra do monumento. Depois há uma segunda fase, não obrigatória, como as subsequentes, onde novas cotas são oferecidas para financiar obras de restauro e de segurança no local, o que já permite abrir a visitação ao público e organizar eventos, iniciando a entrada de receitas.
Em seguida, há novas etapas que podem se referir à aquisição de outros prédios que poderão ampliar a área de visitação ou de hospedagem ou a realização de novas obras. Nessas fases posteriores, o valor da cota aumenta um pouco, mas continua inferior a 100 euros (cerca de R$ 500), já que algumas melhorias foram feitas e a empresa se valorizou. “Estimamos o prazo de dez anos para começar a distribuir dividendos”, afirma Delaume.
O castelo da Mothe Chandeniers, nos confins do Vale do Loire, provavelmente o mais espetacular comprado pela Dartagnans, já deve se tornar rentável neste ano, segundo o presidente da startup.
Destruído por um incêndio em 1932 e esquecido desde então, ele foi adquirido em 2018 em uma operação que reuniu 27 mil investidores de 125 países, diz Delaumé. Um milhão de euros foi gasto na aquisição e mais um milhão de euros em obras até o momento.
O castelo abriu a visitação ao público apenas três meses após a compra e já recebeu, apesar de dois anos de pandemia de Covid-19 que reduziu drasticamente o turismo, mais de 50 mil visitantes. Um salão de festas com vista para a propriedade foi construído e permite gerar receita.
A vegetação invadiu o Mothe Chandeniers e o objetivo da Dartagnans é manter o visual de “ruínas românticas”, afirma Delaume. O castelo é definido pela startup como “uma loucura arquitetônica que se tornou uma obra-prima da natureza.”
Hoje, há uma nova etapa para levantar fundos - com cotas no valor de 79 euros, cerca de R$ 400 - com o objetivo de ampliar a área da propriedade com a compra do prédio histórico de um pombal do século 13 e de uma casa no local, além de terrenos de um parque. A aquisição do imóvel residencial deve ampliar a capacidade de hospedagem com cinco novas suítes já a partir de 2023.
O castelo medieval de Ebaupinay, do século 14, o segundo monumento “salvo” (e comprado) pela Dartagnans, aberto à visitação há três anos, deverá inaugurar neste verão, a partir de julho, cinco quartos para hóspedes. Tombado pelo patrimônio histórico francês, o monumento de arquitetura militar atraiu quase 12 mil compradores de 96 países.
O castelo havia queimado no final do século 18 durante as guerras da Vendée e diversas obras ainda são necessárias. Para combinar com o local, são organizados eventos como ateliês de “lançamento de machado”, prática esportiva da época.
Em breve, a partir do final de junho, a visitação do castelo de Vibrac, perto de Angoulême, no sudoeste da França, deverá ser aberta pela primeira vez. No local foi criado um pomar e a hospedagem deverá ser inaugurada no próximo ano. A compra do quarto castelo, perto de Paris, está sendo finalizada.
Os 500 mil euros necessários para a aquisição da propriedade principal já foram obtidos, mas a Dartagnans decidiu ampliar a área com a compra do parque em torno do castelo e de outros prédios, o que totaliza 800 mil euros. A operação, segundo Delaume, deverá ser concluída em breve.
A startup também criou produtos derivados para os castelos, como camisetas, bonés e até vinho orgânico (produzido nas proximidades), que são vendidos na loja do monumento onde já há visitas.
Em cerca de quatro anos, desde que mudou sua estratégia para o sistema de “compras coletivas”, a Dartagnans já levantou mais de 6,5 milhões de euros.
Hoje, a empresa se define como um “novo operador turístico”, gestor de castelos.
“Os turistas querem cada vez mais descobrir lugares pouco conhecidos, escondidos”, ressalta Delaume. Castelos abandonados que caíram no esquecimento e agora ganham uma nova vida é o filão descoberto pelos “mosqueteiros do patrimônio.”