O ano era 1979 e o fotógrafo e empresário Thomaz Farkas (1924-2011) buscava alguém para ajudá-lo a comandar a Galeria Fotoptica, um espaço criado para destacar a produção contemporânea da fotografia. Indicaram Rosely Nakagawa, recém-formada em arquitetura. “Não vai dar certo, nunca fiz isso”, recusou ela, hesitante. “A gente faz junto. Eu também nunca abri uma galeria. Vamos aprender juntos”, insistiu Farkas.

Ela aceitou. Foi o início de uma parceria que a aproximou do universo de Farkas, da fotografia e a formou na curadoria. Décadas depois, Rosely, ao lado de Sérgio Burgi e Juliano Gomes, assina a organização da mostra “Thomaz Farkas – Todomundo”. A exposição, que celebra o centenário do fotógrafo, ocupa dois andares do Instituto Moreira Salles, em São Paulo, com cerca de 500 itens – fotografias, filmes, documentos e equipamentos.

“No início, a galeria não tinha qualquer objetivo comercial. O Thomaz, aliás, era muito criticado por isso”, comenta Rosely Nakagawa em entrevista ao NeoFeed. “Ele fazia porque acreditava ser uma forma de incentivar o mercado no futuro”. Foi só nos anos 1980, com o surgimento da fotografia-ensaio como uma nova vertente, que a possibilidade de comercialização começou a se delinear.

Nesse espírito, criaram o Clube de Colecionadores, uma iniciativa para fomentar o colecionismo de fotos, ainda incipiente no Brasil. “Ele tinha essa maneira de apostar em projetos que poderiam não dar em nada, sem esperar um ganho imediato ou resultado concreto”, reflete Rosely. “O processo era o mais importante. Foi algo que aprendi com ele. Durante o processo, você forma pessoas, incentiva avanços tecnológicos e amplia o mercado.”

O espírito agregador de Farkas aparece logo na entrada da retrospectiva com a exibição dos filmes Todomundo (1978-1980), curta-metragem dirigido por Farkas que dá nome à mostra, e Subterrâneos do Futebol (1965), de Maurice Capovilla, produzido por Farkas.

Ambos exploram aspectos culturais e sociais, com Todomundo reunindo imagens vibrantes das torcidas de futebol brasileiras, e Subterrâneos abordando o universo do futebol de forma poética e crítica. A exposição segue com fotografias da juventude de Farkas, oferecendo um vislumbre de seus primeiros passos como fotógrafo e seu olhar singular, que mais tarde o tornaria uma referência nacional.

O húngaro mais brasileiro

Farkas nasceu na Hungria, em 1924, por acaso. No documentário Thomaz Farkas, Brasileiro, de Walter Lima Jr., ele revela que deveria ter nascido no Brasil. No entanto, como os pais não tinham condições de arcar com um parto no hospital local, o avô, em vez de enviar dinheiro, mandou apenas uma passagem para que a mãe retornasse à Hungria e desse à luz lá.

Os pais de Farkas, Desidério Farkas e Tereza Hatschek, emigraram para o Brasil em 1920, preocupados com a possibilidade de uma nova guerra e atentos à ascensão do nazismo. Aqui, fundaram a Fotoptica, uma das primeiras lojas a vender equipamentos fotográficos no país.

Farkas chegou ao Brasil em 1930, com apenas 5 anos, e logo foi imerso no mundo da fotografia. Aos seis anos, seu pai lhe deu sua primeira câmera, estabelecendo uma relação que duraria toda sua vida.

Filho único, ele foi preparado para assumir os negócios da família. A Fotoptica não era apenas uma loja de equipamentos fotográficos, mas também comercializava instrumentos óticos, microscópios e uma pequena, mas variada, linha de câmeras.

Salto ornamental em piscina do estádio do Pacaembu, São Paulo (Foto: Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles)

Thomaz Farkas filmando cenas do filme Subterrâneos do futebol, de Maurice Capovilla, da série Brasil verdade, 1965. Autoria não identificada (Arquivo Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles)

Avenida São João, esquina com Líbero Badaró na altura do Condomínio do Edifício Martinelli, em direção ao Vale do Anhangabaú, São Paulo, 1947 (Foto: Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles)

Expedição no Rio Negro, Amazonas, 1975 (Foto: Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles)

Em 1939, Farkas começou a frequentar o Foto Clube Bandeirante, considerado o berço da fotografia moderna brasileira. Ali, teve contato com figuras como German Lorca e Geraldo de Barros. Nos anos 1940, sua carreira como fotógrafo começava a ganhar reconhecimento com menções honrosas em exposições, e Farkas já demonstrava seu espírito empreendedor, comercializando suas fotos como cartões postais de São Paulo, na loja da família.

Paralelamente à fotografia, ingressou na Escola Politécnica da USP em 1943, onde estudou engenharia mecânica e elétrica. Durante esse período, entendeu a fotografia como uma ferramenta de documentação, especialmente para a topografia e a aerofotografia.

Com os novos conhecimentos de óptica adquiridos na universidade, Farkas implantou o primeiro laboratório da Fotoptica. Ele indicava também aos colegas de fotoclube o espaço para que revelassem as suas fotos, conseguindo assim nova clientela.

Para divulgar os novos produtos e atrair mais clientes, Farkas criou a revista Fotoptica. Entre artigos sobre as novidades do mercado fotográfico, ele destacava as fotos de membros do Foto Clube Bandeirante, clientes do laboratório da loja. A revista não só funcionava como um meio de divulgação, mas também estreitava os laços com a comunidade fotográfica.

Imagem em movimento

Na exposição, uma série de 11 fotos captura Juscelino Kubitschek na inauguração de Brasília, em 1960. As imagens documentam o presidente cercado pela multidão, saindo do carro, interagindo com o povo e retornando ao veículo, criando uma narrativa visual. Essa sequência de imagens demonstra o interesse de Farkas pelo cinema, algo que se consolidaria nas décadas seguintes.

Nos anos 1960, Farkas se aproximou do cinema, motivado por seu desejo de retratar o Brasil profundo, a classe trabalhadora e a cultura popular. Em sua tese de doutorado, afirmou que o documentário era a melhor forma de apreender a realidade brasileira, pois, “como uma interpretação, e não apenas uma descrição do real, pode desempenhar um papel importante no processo cultural”.

Ao longo de sua carreira, Farkas produziu 37 filmes, colaborando com diretores como Geraldo Sarno e Eduardo Escorel. Para viabilizar a distribuição de suas produções, criou o Departamento de Audiovisual da Fotoptica, voltado para filmes educativos, embora, na época, a produção não tivesse um grande alcance.

“Ele tinha esse ideal de mostrar o Brasil para os brasileiros, em um projeto muito alinhado à proposta de Paulo Freire, que buscava criar uma cultura para revelar o potencial do país ao seu próprio povo”, explica a curadora Rosely Nakagawa. No entanto, sua trajetória foi marcada por resistências, especialmente do governo.

Em 1969, Farkas foi preso por uma semana pelo regime militar, acusado de promover uma aliança entre Brasil e Cuba. A acusação envolvia a venda de binóculos militares a Cuba, embora esses produtos só pudessem ser comercializados diretamente aos exércitos.

Na década de 1980, com Solange Farkas, Farkas lançou o Videobrasil, festival que celebra a produção audiovisual independente. Quarenta anos depois, o evento segue como uma das principais plataformas de arte em vídeo do país, reafirmando o legado visionário de Farkas: enxergar além do presente e apostar no futuro da cultura.