“Empresários têm uma inteligência focada. São bons de dinheiro, mas pobres em inteligência emocional e afetiva”, escreveu o empresário e consultor Ricardo Semler em artigo recente, citando os exemplos dos executivos de big techs como Elon Musk e Mark Zuckerberg.

Poderia ter incluído no grupo um bom contingente de executivos bem-sucedidos do mercado financeiro. Mas teria dificuldade em encaixar nesse quadro as mensagens do recém-lançado “O Filho Rico – 11 lições para a riqueza e o sucesso” (Ed. Intrínseca), livro de um conhecido personagem do meio das finanças, o cofundador, CEO e estrategista-chefe da Empiricus, Felipe Miranda.

Polêmico, às vezes bem agressivo nos debates em que se mete, Miranda escreveu uma ode à empatia, ao amor ao próximo (e ao distante) e ao anti-consumismo (você leu certo, não é anticomunismo do que trata o executivo, no livro).

Idiosincrasias à parte, o executivo traz bons conselhos, muitos deles exatamente no campo da inteligência emocional e afetiva, para quem quer fazer sucesso e busca maneiras de lidar com os altos e baixos na carreira e na vida, cada vez mais acidentados nesses tempos belicosos.

Claro, como indica o título, o livro se pretende um guia para o sucesso nas finanças – mas ele aconselha cautela: “mesmo que tudo dê certo na sua vida financeira, talvez você se depare com o que Freud chamou de fracasso dos que triunfam”, diz Miranda, e explica: gente com mentalidade arrogante e “extrativista” com a comunidade não raramente sente um “vazio” existencial; e tem dificuldades em se relacionar até com os próprios filhos. Pode chegar lá, mas não vai aproveitar muito, sozinho.

O livro traz, com frequência, lições aparentemente óbvias, mas nem sempre levadas a sério na luta diária pela sobrevivência num mercado competitivo, e, por isso, merecedoras de atenção. Ser muito inteligente e talentoso ajuda, mas está longe de ser o caminho seguro para o sucesso financeiro, lembra ele.

“Seguir o seu sonho” também pode ser um atalho para o fracasso, se a pessoa não se engajar no que Miranda chama de “paixão pragmática”. Deve-se ter paixão pelo que se faz, mas nem tudo pode ser feito, alerta o conselheiro, que, aliás, escreveu o livro declaradamente como um esforço de deixar lições para os próprios filhos, de quem se mostra um pai carinhoso.

E o que seria essa “paixão pragmática”? Ela exige, segundo o autor, um esforço de autoanálise e de racionalidade: deve-se avaliar quais os pontos fortes e fracos de cada um, ter o realismo de saber “o que dá e o que não dá”; e explorar as qualidades, fugindo de situações que evidenciem suas deficiências.

Miranda, com exemplos bem escolhidos, expande seus conselhos para a área das relações interpessoais, da importância de se acostumar a fazer elogios sinceros à necessidade de se cercar de pessoas inteligentes capazes de fazer críticas pertinentes. Conhecedor da perversidade de que é capaz o mundo dos negócios, Miranda investe contra egolatria e a falta de consideração com as pessoas próximas. Faz uma empolgante defesa do hábito de ler (e não está falando de planilhas, nesse caso) e distribui sensatas recomendações sobre escolha de carreiras.  

 “Tente escolher uma grande área e explorar dentro dela”, sugere, como forma de explorar competências sem fechar espaço a oportunidades. “Um matemático pode ser professor de ensino básico e também funcionário da Nasa (ou trabalhar no mercado financeiro)”. São elementos importantes, desse pragmatismo, ter curiosidade e buscar o prazer ao executar tarefas; manter uma disciplina, mas também uma certa dose de inconformismo, diz ele. 

Sobretudo, defende o executivo, é essencial o que os latinos chamavam de “mens sana in corpore sano”: dormir bem e bastante, preferir comida saudável, fazer exercícios são mais que um estilo de vida, são um investimento de longo prazo com dividendos recompensadores na velhice, compara ele, em uma das felizes metáforas do livro.

Aí o leitor mais cético pode se perguntar, pensando na miríade de livros de autoajuda que iludem – e frustram – seus leitores levando-os ao equívoco de pensar que tudo dependeria só de força de vontade e obstinação individuais: mas e quando as circunstâncias não ajudam? E quando se faz tudo certo, mas algum obstáculo além de seu alcance impede que se reconheça seu esforço?

Miranda traz argumentos, em mais de um capítulo, para encorajar o leitor, não a minimizar o fracasso, mas a aprender com ele. E, eventualmente, aceitar que não há gente bem-sucedida que não tenha passado por derrotas. O exemplo do tenista Roger Federer fala por si: de todos os pontos que disputou, venceu uma média de apenas 54%, pouco acima da média de até 52% de outros tenistas internacionais competitivos. Gostar do que faz, confiar na intuição adquirida com a experiência, julgar o sucesso pela qualidade do processo, não necessariamente pelos resultados fazem parte da receita.

Ou, citando o físico Richard Feymann: “quando existe um problema de difícil resolução, é necessário trabalhar por longos períodos e ser persistente. Para ser persistente, é preciso estar convencido de que vale a pena trabalhar tão duro, de que você vai chegar a algum lugar. E isso requer, em certa medida, enganar um pouco a si mesmo.”

Pelas pouco mais de 200 páginas do livro, o leitor vai encontrar aqui e ali uma certa bronca do autor com a educação formal, que ele acusa de exigir uma competência absurda nos testes e preparar pouco para a vida real – mas que, reconhece, é um local e tanto para estabelecer contatos valiosos e adquirir competências úteis, como o aprendizado de matemática.

Também, já no finalzinho, o CEO da Empiricus não resiste à tentação de fazer uma propaganda de sua empresa, que resolveu uma atribulada disputa com a CVM em 2020, quando se credenciou como analista de investimentos e, desde 2021, faz parte do BTG.

Miranda traz, ainda teses discutíveis, como as de que filhos de pessoas ricas costumam ter sucesso por receber em casa conselhos e exemplos de gestão financeira que os treinam para os desafios do mercado. No cômputo geral, porém, o recado do livro é o de um modesto e pragmático tratado humanista, buscando equilibrar ambição com sensibilidade para os que estão à volta.

A abrangência dos conselhos de Miranda vai tão além do feijão com arroz sobre como ficar rico que ele se sente na obrigação de explicar que não está desprezando o fator dinheiro, em seu guia. Afinal, argumenta, "quase todo mundo que fala que dinheiro não é importante está mentindo ou já é rico”.

O humor discreto, complementado pelas charges cáusticas de André Dahmer dá o tom do texto, que teve a colaboração do jornalista Ricardo Mioto, ex-Folha de S. Paulo. Uma leitura divertida e, em muitos trechos, inspiradora. 

Serviço:

O FILHO RICO
Autores: Felipe Miranda com Ricardo Mioto
Páginas: 208
Editora: Intrínseca
Livro impresso: R$ 49,90
E-Book: 24,90