Uma exposição sempre diz mais do que mostram imagens e objetos. A instalação Utopia brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos, em cartaz no Sesc 24 de Maio até o final de junho do próximo ano, faz isso e um pouco mais, ao recorrer a um aparato multimidia como forma de interagir ao máximo com o público.

E cumpre seu papel de revelar as facetas de um dos mais importantes personagens da história do país no século passado, que deixou contribuições em diversas áreas do conhecimento, em especial a educação, como um visionário e dentro do seu projeto de avançar o Brasil como nação. O evento vem se juntar à reedição de sua obra completa, iniciada pela Global há oito anos e que já publicou 35 volumes.

O mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997) foi principalmente educador e indigenista – com formação em antropologia. Nas décadas de 1940 e 1950, por exemplo, ele viveu por dez anos entre as diversos povos do Xingu. Reconhecido como homem de pensamento e ação, além da defesa dos nativos do Brasil, desenvolveu projetos a favor da educação pública e de qualidade até o fim da vida.

Nesse sentido, criou universidades inovadoras, como a Universidade de Brasília (UNB), a pedido do Presidente Juscelino Kubistchek – que o credenciou a ser ministro da educação de João Goulart. Em paralelo a uma vida dedicada aos índios e à escola, escreveu dezenas de livros, entre romances hoje consagrados e ensaios de antropologia e sociologia, entre os quais se destacam, respectivamente, Maíra (1976) e O povo brasileiro (1995).

A curadoria da exposição não poderia estar em melhores mãos. Isa Grinspum Ferraz foi colaboradora de Darcy Ribeiro por mais de 10 anos em várias frentes. “Desenvolvemos uma infinidade de vídeos para formação de professores”, contou ela ao NeoFeed, que é membro do conselho da Fundação Darcy Ribeiro. “Ele andou por muitos mundos e o espaço de 1 mil metros quadrados do Sesc foi bem generoso para dimensionarmos isso”, acrescenta.

Darcy Ribeiro entre indígenas Urubu-Ka’apor ( sem data)

Além da curadoria principal, Utopia brasileira contou com a contribuição do curador assistente Marcelo Macca, do cineasta Eryk Rocha – filho de Gláuber Rocha e premiado documentarista – e dos consultores José Miguel Wisnik e Mércio Gomes. O projeto expográfico foi concebido por Marcelo Ferraz.

A identidade visual, trabalhada a partir do conceito de constelação, explora imagens de intelectuais e artistas que influenciaram a trajetória de Darcy Ribeiro – como Marechal Rondon, com quem ele trabalhou – e é assinada pelo designer Gustavo Piqueira.

Isa explica que a mostra propõe um diálogo entre uma coleção de objetos e documentos originais da coleção do homenageado –, como projetos que jamais saíram do papel –, obras de arte contemporânea, fotos e aparatos multimídia, com vídeos diversos e uma grande instalação audiovisual.

“Mais do que uma homenagem aos 100 anos do Darcy, mais do que algo memorialístico, eu quis trazer a potência e a atualidade de muitas das coisas que ele falou, sobretudo se pensarmos no que estamos vivendo hoje no Brasil. Para mim, ele não está morto. Não é a celebração de um pensador do século XX. Darcy Ribeiro é extremamente atual, e essa é uma exposição sobre o Brasil”.

A mostra integra a ação em rede “Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões”, desenvolvida pelo Sesc São Paulo no contexto do centenário da Semana de Arte Moderna e do bicentenário da independência do país, ocorridos em 2022.

No vão central do prédio do Sesc, área com pé direito mais alto, os visitantes podem ter uma experiência audiovisual imersiva, projetada em 360 graus, que apresenta o kuarup realizado em homenagem a Darcy Ribeiro em 2012, na reserva indígena do Xingu.

Arte plumária Urubu-Ka’apor (1957)

Na área expositiva, a potência da sua reflexão e de sua obra é apresentada a partir de quatro facetas que traduzem o seu legado: o antropólogo, o educador, o político e o ensaísta e pensador do Brasil.

Esses núcleos são compostos de vídeos, plumárias indígenas coletadas por Darcy, fotografias, objetos, documentos, obras literárias, cartas originais inéditas e linha do tempo. O prazo da exposição se estende até o meio do ano que vem para que escolas possam trazer seus alunos no período de aulas.

Recuperação da obra completa

Em 26 de outubro passado, Darcy Ribeiro faria 100 anos. A edição de O povo brasileiro - A formação e o sentido do Brasil , lançada pela Global, marcou a passagem, como parte do resgate de toda a sua obra pela editora paulistana, que iniciou em 2014.

Gustavo Henrique Tuna, gerente Editorial, antecipa que para 2023 estão programados mais dois títulos, que se destacam entre os mais importantes do autor: o memorialista Confissões e o antropologista O processo civilizatório.

Edição comemorativa dos 100 anos de Darcy de "O povo brasileiro", relançado pela editora Global

Até o momento, foram reeditados 34 títulos. Todos estão em catálogo e disponíveis em ebook. “Darcy concebeu um trabalho como intelectual que tem fina sintonia com outros autores publicados pela Global, como Gilberto Freyre, Câmara Cascudo e Florestan Fernandes”, observa Tuna. Por conta dessa sinergia, acrescenta ele, era natural que a editora se esmerasse para trazer sua obra para integrar seu catálogo, acrescenta.

Para o editor, a obra de Darcy abarca várias áreas do conhecimento, como Antropologia, História e Educação. “É um autor que pode integrar um debate multidisciplinar, algo que é sempre muito valorizado pelos pesquisadores acadêmicos. A meu ver, outro elemento diferencial foi a sua capacidade para colocar em prática o que estudava e escrevia”.

O editor lembra que ele se empenhou com vigor na valorização da cultura indígena, trabalhou ativamente pela melhoria da educação básica e do sistema universitário. “Tal característica de homem de ação acabaria por conferir enorme densidade à sua produção escrita”.