Mais de 30 anos depois do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, no final de 1992, um documentário revisita a personalidade-chave no episódio que levou o então presidente à renúncia. Trata-se da vida do empresário alagoano Paulo César Farias (1945-1996), conhecido na época como “o inimigo público número 1”.
Uma das atrações da 28ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, de 13 a 23 deste mês, “Morcego Negro” integra a mostra competitiva de longas e médias-metragens brasileiros ao repassar a história de ascensão, a queda e o controverso assassinato de PC Farias.
O título é uma referência ao avião do empresário, um Learjet modelo 35, pintado de preto (daí o apelido). O jatinho particular virou quase sinônimo de corrupção, por ter sido muito usado durante a campanha presidencial de Collor, que teve PC como tesoureiro.
Com primeira exibição no É Tudo Verdade nesta quarta, dia 19, no Cine Marquise, às 20h30, em São Paulo, o documentário é baseado no livro “Morcegos Negros”. Publicada em 2000, por Lucas Figueiredo, a obra foi o resultado de longa investigação sobre o Esquema PC, uma rede de tráfico de influência liderada pelo empresário no governo Collor.
Esse escândalo de corrupção envolveu irregularidades na captação de dinheiro para a campanha presidencial, lavagem de dinheiro, extorsão, superfaturamento de contratos, uso de contas fantasmas e formação de quadrilha (com ligação com o narcotráfico internacional).
Enquanto o livro se aproxima mais de uma novela policial, explorando até as movimentações financeiras entre PC e traficantes italianos, o filme busca uma abordagem mais pessoal, mostrando as múltiplas facetas do empresário.
“Admiramos o trabalho do jornalista Lucas Figueiredo, que conhecemos há muitos anos. O seu ‘Morcegos Negros’ serviu como o marco inicial para a nossa pesquisa aqui”, contou ao NeoFeed o diretor Chaim Litewski, parceiro de Cleisson Vidal no documentário.
“Como o livro indicava muitos caminhos, pudemos nos aprofundar em certas áreas ainda não tão conhecidas da vida e da época de PC Farias. Aqui a narrativa mais pessoal é centrada nas ligações institucionais, profissionais e pessoais de PC”, afirmou Vidal.
Inicialmente, o documentário traça um perfil familiar do empresário, mostrando as suas origens na classe média alagoana. Pelo que os amigos contam, ele era vaidoso, adorava se exibir falando francês e viajava com frequência para Buenos Aires, por ser fascinado por tango. O casamento com a professora Elma Farias também é resgatado.
“Tivemos acesso a vários documentos inéditos que abrem uma nova perspectiva sobre quem era ele. E demos voz à muitas pessoas que conheceram e conviveram com PC, mas nunca tinham tido a oportunidade de falar sobre ele em público”, disse Litewski.
A filha de PC e Elma, Ingrid Farias, é uma das surpresas da produção, por dar depoimento inédito à dupla de cineastas, gravado em Maceió. Ela tinha 16 anos quando o pai foi encontrado morto, ao lado da namorada Suzana Marcolino, em casa de praia em Guaxuma, em Alagoas, em 1996.
“Abordamos Ingrid exatamente como fizemos com os outros entrevistados, deixando claro que estávamos fazendo um documentário histórico e biográfico sobre PC. Ter membros da família conversando conosco era muito importante para nós”, afirmou Vidal.
Ingrid relembra a infância, contando que o pai sempre foi festeiro. Também comenta a morte da mãe, em 1994, quando houve suspeita de envenenamento. O assassinato do pai, um dos mais controversos da história recente do Brasil, é o assunto abordado com mais detalhes.
Ingrid acredita ter se tratado mesmo de um crime passional. Pela versão oficial, o seu pai foi assassinado pela namorada, uma garota de programa que ele conheceu na prisão, em 1995, durante pena por sonegação de impostos e falsidade ideológica. Quando foi morto, o empresário respondia a vários processos e estava em liberdade condicional.
A tese mais aceita é a de que, após matar o namorado, Suzana teria cometido suicídio. Também houve suspeita de duplo homicídio, de autoria dos seguranças do empresário, mas os acusados acabaram absolvidos em julgamento.
O documentário levanta a hipótese de queima de arquivo para o assassinato de PC. Até porque ele foi morto quatro dias antes de prestar depoimento na CPI das empreiteiras, que apurava irregularidades em acordos firmados no governo Collor com construtoras. As teorias aqui incluem morte encomendada por alguém ligado às empreiteiras, pelo próprio irmão de PC, Augusto Farias, ou por algum mafioso italiano.
“Com o filme, nós quisemos mostrar como funcionam as relações de poder em países como o Brasil. O debate sobre as instituições, a impunidade e os desvios de dinheiro são consequências dessas relações de poder”, disse Litewski.
“Esperamos que o filme abra uma pequena janela para ajudar a entender por que esses episódios acontecem com tanta frequência no país. E também porque são tão rapidamente esquecidos”, completou Vidal.