Frida Kahlo é um fenômeno. Desde o lançamento, em 2002, da cinebiografia dirigida por Julie Taymor e estrelada por Salma Hayek, a pintora mexicana, morta em 1954, aos 47 anos, se transformou em ícone da cultura pop. Símbolo de força e vulnerabilidade, autenticidade e resistência, ela influencia até hoje a moda, as arte, os movimentos feministas e a comunidade LGBTQIA+.

Sua imagem estampa de camisetas a cencas, de cadernos escolares a imãs de geladeira. Seus diários ganharam edições luxuosas e, só no Brasil, neste momento, estão à venda 20 livros sobre sua vida e sua obra. Quando se imaginava não haver mais nada a ser revelado sobre Frida Kahlo, chega às livrarias brasileiras Viva Frida.

Assinada pelo francês Gérard de Cortanze, a nova biografia vai onde nenhuma outra jamais chegou. Um dos maiores especialistas em Frida Kahlo da atualidade, o autor traça um retrato íntimo, profundamente sensível e vívido, da pintora - é dele também Frida e Trótski, de 2018, em que detalha a relação da artista com o revolucionário marxista.

Finalista do Prêmio Goncourt de Biografia em 2023, Cortanze propõe um novo formato de narrativa, com "quadros vivos", que permite uma imersão sensorial e profunda na vida de Frida. Em vez de narrar sua trajetória de forma linear ou tradicional, ele reconstrói cenas da vida cotidiana da artista.

O leitor acompanha seus passeios, os encontros com o marido Diego Rivera e o amante Leon Trótski e suas passagens por Paris e Nova York. Os momentos de criação artística em que Frida pintava sobre si mesma, as reflexões sobre o México, religião e morte. As críticas a André Breton e aos surrealistas franceses.

A proposta, explica o autor, foi criar uma biografia que se sente mais como uma experiência tátil e emocional do que uma simples cronologia. Para isso, recorreu a fontes inéditas, como trechos dos diários e outros registros pessoais de Frida, alguns pouco utilizados antes — para revelar a intimidade emocional, os conflitos e os desejos da artista.

Cortanze também se empenhou em ir além da figura pública. Recria episódios em que Frida “é criança, aluna da Escola Preparatória, apaixonada por Trótski, militante próxima da fotógrafa Tina Modotti, amiga de artistas e intelectuais”. Como ele escreve na introdução: “Sofremos e rimos ao seu lado”.

Tudo foi cuidadosamente reconstruído para trazer à narrativa o máximo da precisão histórica, explica o autor. A voz direta da pintora, segundo ele, ajuda a compreendê-la tanto quanto a suas pinturas, ao mesmo tempo em que revela uma mulher enamorada pela liberdade, mas também marcada pela intimidade exposta.

Com 464 páginas, o livro custa R$ 96,90 (Foto: Editora Planeta)

Cortanze quis criar uma biografia que se sente como uma experiência tátil e emocional (Foto: Editora Planeta)

O acidente de bonde deixou sequelas graves e submeteu a pintora a longos períodos de imobilização (Foto: Editora Planeta)

Com a biografia, o leitor acompanha os encontros da pintora com Leon Trótski (Foto: Editora Planeta)

Para o biógrafo, o livro é um mosaico existencial. Cada quadro corresponde a um momento de sua vida e, ao reuni-los, surge um retrato íntimo e inesgotável de uma das maiores figuras da arte do século 20. “Viva Frida se constrói desse modo: ao reunir todas as peças, vemos que o ‘paciente labirinto’ não é outra coisa senão o retrato da própria Frida.”

“O que seria de mim sem o absurdo e o efêmero?”, escreveu Frida em seu diário. Por causa da poliomielite, aos 6 anos, que a deixou com a perna direita mais fina e atrofiada, os colegas a chamavam de “pata de pau”.

Na adolescência, em um acidente de bonde, uma barra de ferro atravessou seu corpo. Frida sofreu múltiplas fraturas e graves lesões internas. A partir dali, ela passaria a conviver com cirurgias, longos períodos de imobilização e dores crônicas lancinantes.

“Naquela tarde de 17 de setembro de 1925, o corpo de Frida Kahlo se quebrou. A alma encontrou refúgio no rosto e uma nova maneira de se expressar: na pintura”, relata Cortanze. A tragédia permitiu seu renascimento, no entanto.

Outra parte da obra mostra seu engajamento político e a filiação ao Partido Comunista Mexicano. O casamento com Rivera, 25 anos mais velho, revelou tensões entre dissimulação e maternidade frustrada, narradas por cartas da pintora. Sua relação com Trótski, a quem chamava de “El Viejo” ou “Piochitas”, terminou em amizade rompida.

Já a ida a Paris, a convite de André Breton, transformou-se em fiasco e selou seu afastamento do surrealismo. Isso aconteceu porque Frida detestou a cidade — a comida a deixava doente, a exposição sobre o México a irritou e considerava os intelectuais parisienses “podres” ou “prostitutas”.

O livro detalha sua preferência pelos autorretratos, a presença constante da morte e do espírito em suas telas, o corpo transfigurado pela dor, os retratos de família, a homossexualidade feminina, a automutilação.

No fim da vida, Frida ainda teve de enfrentar a amputação da perna direita, a depressão suicida e uma pneumonia que terminaria por levá-la à morte, uma semana depois de seu 47º aniversário.

Certa vez, ela afirmou: “Meu único talento é a pintura, nada mais”. Modéstia sua, pois ser Frida Kahlo nunca foi fácil — como mostra Cortanze, uma artista à frente de seu tempo, intensa em suas paixões, que desafiou  as normas sociais e fez do sofrimento arte.