Da família Malvaceae, nome científico Ceiba pentandra, a sumaúma é nativa das florestas úmidas. Gigantesca, pode atingir 70 metros de altura. Projetada sobre outras árvores, sua copa serve de proteção para outras espécies da flora e de abrigo para insetos e aves.
Suas enormes raízes absorvem a água do solo, alimentando não apenas a si própria como as plantas a seu redor — inclusive nas temporadas mais secas. Como as chamadas sapopemas chegam a ficar até dez metros acima do chão, golpeadas com pedaços de madeira, ecoam o som por longas distâncias. Assim, foi feita meio de comunicação pelos povos amazônicos, com mensagens trocadas de um lado a outro da floresta, em uma espécie de código Morse.
Por todas essas características, a sumaúma é conhecida como a Árvore da Vida. Pela ideia de acolhimento ensejada por ela, a planta batiza, em Boa Vista, Roraima, o Sumaúma: Nutrindo Vidas.
Projeto da Cáritas Brasileira, organização da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de apoio a comunidades afetadas por desastres socioambientais e/ou em situação de vulnerabilidade, o Sumaúma é uma iniciativa de segurança alimentar focada nos imigrantes e refugiados venezuelanos.
Lançado em agosto de 2022, menos de dois anos depois, em 21 de junho passado, o movimento serviu sua milionésima refeição. Até agora, foram alimentadas mais de 30 mil pessoas.
São mulheres e homens, com crianças, bebês e idosos, que cruzam a fronteira, fugindo da miséria e da fome, impostas pelo regime de Nicolás Maduro.
A maioria vem a pé de Pacaraima, ponto de entrada oficial entre o Brasil e a Venezuela, a 215 quilômetros de Boa Vista. Chegam exaustos e famintos, muitos desnutridos.
Dos atendidos até hoje pelo Sumaúma, 35% tinham menos de 15 anos — dos quais, 16% não haviam completado cinco anos. E as pessoas acima dos 60 anos, eram 8%. Do total, 43% estão fora da faixa etária típica de trabalho.
“Esses números ressaltam a dependência significativa das famílias que apoiamos”, diz Giovanna Kanas, assessora nacional da Cáritas Brasileira, em conversa com o NeoFeed.
Graduada em relações internacionais e mestre em mudança social e participação política, a executiva completa: “Para a maioria, Boa Vista é apenas passagem, até que eles partam para o Sudeste e o Sul, onde estão as maiores oportunidades. Como eles não têm estrutura de cozinha tampouco local adequado para armazenar comida, nós temos de oferecer refeições prontas.”
O refeitório do Sumaúma está instalado no Posto de Recepção e Apoio, local de pernoite gerido pelo governo federal por meio da Operação Acolhida. São oferecidas duas refeições por dia, café da manhã e almoço — o jantar fica a cargo da iniciativa pública.
Arepa, sopa e mingau
Como em todo projeto de segurança alimentar para pessoas em situação de vulnerabilidade, os agentes da Cáritas Brasileira são pautados pela urgência de dar de comer a quem tem fome. Mas eles vão além.
Ao cuidado com o valor nutricional das refeições (a nutricionista do Sumaúma sempre contempla, no mínimo, cinco grupos alimentares), soma-se a preocupação com as tradições culinárias e necessidades específicas da população atendida.
Frequentemente, por exemplo, são servidas arepas, os bolinhos feitos de farinha de milho, típicos da Venezuela e também da Bolívia, Colômbia e Panamá. Da mesma forma, conta Giovanna, o feijão do modo como o conhecemos deixou de ser oferecido todos os dias. “Os venezuelanos costumam comer feijão com açúcar”, conta Giovanna.
O menu do Sumaúma está em constante adaptação. Por causa dos idosos, a oferta de sopas foi ampliada. E, das crianças em fase de introdução alimentar, o cardápio ganhou algumas opções de mingau.
Muitas vezes, a refeição é ajustada para atender às demandas de uma única família. Aconteceu com um menino de 8 anos, portador de paralisia cerebral, que só conseguia se alimentar se a comida estivesse sob a forma de um creme.
Graças à intensa participação comunitária, é feito o monitoramento sistemático dos beneficiários, por meio de cartões de identificação — um terço da equipe do Sumaúma é composto por venezuelanos. Sem o controle minucioso de quem recebe a comida, as adequações do pratos seriam impossíveis.
Os registros servem também para ajustar os números de porções diariamente, de modo a evitar que falte ou sobre comida. E esse é outro diferencial da iniciativa da Cáritas Brasileira em Roraima.
Além do fornecimento da comida, o projeto promove rodas de conversa sobre a importância da alimentação saudável e do aleitamento materno. Aliás, a Cáritas Brasileira criou uma sala de amamentação, por onde passam, todo os dias, em média, dez mulheres com seus bebês.
O Sumaúma é fruto da parceria com o Mexendo a Panela, que, diferente do projeto atual, era mantido por doações — com a pandemia de covid-19, seus organizadores se viram obrigados a interromper o fornecimento de comida.
"Felpinhas" de algodão
Com capacidade para servir 3 mil refeições por dia, mas oferecendo hoje 2,1 mil, o programa da Cáritas Brasileiras é financiado pelo Escritório de Assistência Humanitária, da Agência dos Estados Unidos pelo Desenvolvimento Internacional (USAID).
Giovanna prefere não revelar o valor do investimento do governo americano argumentando: o tema da imigração é muito sensível e a revelação do dinheiro aportado por despertar reações xenofóbicas.
No fim de 2023, o caixa do Sumaúma recebeu um reforço de R$ 100 mil. O valor veio do prêmio do Pacto Contra a Fome, que, entre três centenas de candidatos, elegeu a projeto a iniciativa vencedora da categoria Promoção da Segurança Alimentar.
Assim, a iniciativa de Roraima faz história e serve de exemplo para outras ações de combate à fome — além dos venezuelanos, são atendidos também, mas em menores quantidades, brasileiros em situação de rua e alguns guianenses que buscam uma vida melhor do lado de cá da fronteira.
O Sumaúma é como a sumaúma, árvore cujas sementes, uma espécie de “felpinhas” de algodão, o vento leva para frutificar em outros lugares.
E, como diz, em vídeo, Áurea Cruz, coordenadora local do projeto: “O Pacto [Contra a Fome] está sendo a nossa ventania”.