Da família Malvaceae, nome científico Ceiba pentandra, a sumaúma é nativa das florestas úmidas. Gigantesca, pode atingir 70 metros de altura. Projetada sobre outras árvores, sua copa serve de proteção para outras espécies da flora e de abrigo para insetos e aves.

Suas enormes raízes absorvem a água do solo, alimentando não apenas a si própria como as plantas a seu redor — inclusive nas temporadas mais secas. Como as chamadas sapopemas chegam a ficar até dez metros acima do chão, golpeadas com pedaços de madeira, ecoam o som por longas distâncias. Assim, foi feita meio de comunicação pelos povos amazônicos, com mensagens trocadas de um lado a outro da floresta, em uma espécie de código Morse.

Por todas essas características, a sumaúma é conhecida como a Árvore da Vida. Pela ideia de acolhimento ensejada por ela, a planta batiza, em Boa Vista, Roraima, o Sumaúma: Nutrindo Vidas.

Projeto da Cáritas Brasileira, organização da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de apoio a comunidades afetadas por desastres socioambientais e/ou em situação de vulnerabilidade, o Sumaúma é uma iniciativa de segurança alimentar focada nos imigrantes e refugiados venezuelanos.

Lançado em agosto de 2022, menos de dois anos depois, em 21 de junho passado, o movimento serviu sua milionésima refeição. Até agora, foram alimentadas mais de 30 mil pessoas.

Fique Por Dentro

Desde 2018, cerca de 600 mil venezuelanos chegaram ao Brasil
Dos atendidos pelo Sumaúma, 43% estão fora da faixa típica de trabalho
Atualmente, o projeto serve, em média, 2,1 mil refeições por dia

São mulheres e homens, com crianças, bebês e idosos, que cruzam a fronteira, fugindo da miséria e da fome, impostas pelo regime de Nicolás Maduro.

A maioria vem a pé de Pacaraima, ponto de entrada oficial entre o Brasil e a Venezuela, a 215 quilômetros de Boa Vista. Chegam exaustos e famintos, muitos desnutridos.

Dos atendidos até hoje pelo Sumaúma, 35% tinham menos de 15 anos — dos quais, 16% não haviam completado cinco anos. E as pessoas acima dos 60 anos, eram 8%. Do total, 43% estão fora da faixa etária típica de trabalho.

“Esses números ressaltam a dependência significativa das famílias que apoiamos”, diz Giovanna Kanas, assessora nacional da Cáritas Brasileira, em conversa com o NeoFeed.

Graduada em relações internacionais e mestre em mudança social e participação política, a executiva completa: “Para a maioria, Boa Vista é apenas passagem, até que eles partam para o Sudeste e o Sul, onde estão as maiores oportunidades. Como eles não têm estrutura de cozinha tampouco local adequado para armazenar comida, nós temos de oferecer refeições prontas.”

O refeitório do Sumaúma está instalado no Posto de Recepção e Apoio, local de pernoite gerido pelo governo federal por meio da Operação Acolhida. São oferecidas duas refeições por dia, café da manhã e almoço — o jantar fica a cargo da iniciativa pública.

Arepa, sopa e mingau

Como em todo projeto de segurança alimentar para pessoas em situação de vulnerabilidade, os agentes da Cáritas Brasileira são pautados pela urgência de dar de comer a quem tem fome. Mas eles vão além.

Ao cuidado com o valor nutricional das refeições (a nutricionista do Sumaúma sempre contempla, no mínimo, cinco grupos alimentares), soma-se a preocupação com as tradições culinárias e necessidades específicas da população atendida.

Graças ao projeto, já foram servidas mais de um milhão de refeições a mais de 30 mil pessoas (Foto: Cáritas Brasileira)

Frequentemente, por exemplo, são servidas arepas, os bolinhos feitos de farinha de milho, típicos da Venezuela e também da Bolívia, Colômbia e Panamá. Da mesma forma, conta Giovanna, o feijão do modo como o conhecemos deixou de ser oferecido todos os dias. “Os venezuelanos costumam comer feijão com açúcar”, conta Giovanna.

O menu do Sumaúma está em constante adaptação. Por causa dos idosos, a oferta de sopas foi ampliada. E, das crianças em fase de introdução alimentar, o cardápio ganhou algumas opções de mingau.

Muitas vezes, a refeição é ajustada para atender às demandas de uma única família. Aconteceu com um menino de 8 anos, portador de paralisia cerebral, que só conseguia se alimentar se a comida estivesse sob a forma de um creme.

Graças à intensa participação comunitária, é feito o monitoramento sistemático dos beneficiários, por meio de cartões de identificação — um terço da equipe do Sumaúma é composto por venezuelanos. Sem o controle minucioso de quem recebe a comida, as adequações do pratos seriam impossíveis.

Os registros servem também para ajustar os números de porções diariamente, de modo a evitar que falte ou sobre comida. E esse é outro diferencial da iniciativa da Cáritas Brasileira em Roraima.

Além do fornecimento da comida, o projeto promove rodas de conversa sobre a importância da alimentação saudável e do aleitamento materno. Aliás, a Cáritas Brasileira criou uma sala de amamentação, por onde passam, todo os dias, em média, dez mulheres com seus bebês.

O Sumaúma é fruto da parceria com o Mexendo a Panela, que, diferente do projeto atual, era mantido por doações — com a pandemia de covid-19, seus organizadores se viram obrigados a interromper o fornecimento de comida.

"Felpinhas" de algodão

Com capacidade para servir 3 mil refeições por dia, mas oferecendo hoje 2,1 mil, o programa da Cáritas Brasileiras é financiado pelo Escritório de Assistência Humanitária, da Agência dos Estados Unidos pelo Desenvolvimento Internacional (USAID).

Giovanna prefere não revelar o valor do investimento do governo americano argumentando: o tema da imigração é muito sensível e a revelação do dinheiro aportado por despertar reações xenofóbicas.

No fim de 2023, o caixa do Sumaúma recebeu um reforço de R$ 100 mil. O valor veio do prêmio do Pacto Contra a Fome, que, entre três centenas de candidatos, elegeu a projeto a iniciativa vencedora da categoria Promoção da Segurança Alimentar.

Assim, a iniciativa de Roraima faz história e serve de exemplo para outras ações de combate à fome — além dos venezuelanos, são atendidos também, mas em menores quantidades, brasileiros em situação de rua e alguns guianenses que buscam uma vida melhor do lado de cá da fronteira.

O Sumaúma é como a sumaúma,  árvore cujas sementes, uma espécie de “felpinhas” de algodão, o vento leva para frutificar em outros lugares.

E, como diz, em vídeo, Áurea Cruz, coordenadora local do projeto: “O Pacto [Contra a Fome] está sendo a nossa ventania”.