Sem nenhum respaldo científico, por quase 70 anos, vigorou a tese dos 21 dias. O ser humano precisaria de apenas 21 dias para incorporar novos hábitos. Ora, quem já tentou se engajar em uma rotina diferente sabe: não é tão fácil assim, não. Abandonar velhos costumes tende a levar muito, mas muito mais tempo.

Mas era difícil determinar exatamente quanto... até agora. Pela primeira vez, graças aos avanços da inteligência artificial, em especial dos recursos de machine learning, a ciência conseguiu determinar o tempo médio para a formação de hábitos.

Precisamos de, em média, seis meses, por exemplo, para fazer da ginástica uma atividade tão rotineira quanto escovar os dentes, atestam pesquisadores sociais do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e das universidades de Chicago e da Pensilvânia.

Conforme o artigo “What can machine learning teach us about habit formation?”, publicado na última edição da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), eles analisaram as informações de mais de 30 mil voluntários, colhidas ao longo de quatro anos.

Os participantes foram divididos em dois grupos. O primeiro era composto por 30 mil alunos de uma rede californiana de academias, que se exercitaram 12 milhões de vezes. O segundo, por 3 mil funcionários de um hospital, que lavaram as mãos, em cerca de 40 milhões de ocasiões, em uma centena de turnos.

A frequência nas aulas de ginástica foi determinada por sistemas digitais de identificação, como os de reconhecimento facial. Já a de quantas vezes os voluntários do segundo grupo lavavam as mãos, por crachás RFID.

Hipóteses e variáveis

Com ferramentas de machine learning, os cientistas conseguiram determinar quando os comportamentos dos participantes se tornaram previsíveis e, portanto, rotineiros. Além disso, a tecnologia possibilitou a análise de um sem-número de parâmetros.

“Com o aprendizado de máquina, podemos observar centenas de variáveis de contexto que podem prever a execução comportamental”, diz Anastasia Buyalskaya, uma das autoras do artigo. “Não precisamos estabelecer uma hipótese sobre uma variável específica, pois a ferramenta faz o trabalho de encontrar os dados mais relevantes.”

De acordo com o trabalho, certos parâmetros não impactam a rotina de atividade física, como a hora do dia escolhida para o exercício. Os dias da semana, sim. Para a maioria dos participantes, segunda e terça foram determinantes. Também pudera. Se tem um hábito profundamente arraigado entre nós é a promessa de todo domingo à noite: amanhã é dia começar a levar a ginástica e a dieta a sério. Quem nunca?

Outro fator importante para a construção de uma rotina é o comportamento anterior. No caso da atividade física, o tempo desde a última visita à academia foi importante para quase oito em cada dez participantes. Quanto maior o intervalo, menor a probabilidade de a pessoa voltar e, consequentemente, da ginástica entrar definitivamente para a rotina.

Se para o exercício físico virar hábito foram precisos, em média seis meses, para que os profissionais da saúde tornassem a lavagem das mãos um costume foi apenas uma questão de semanas. Fácil entender o porquê.

Adotar uma nova rotina depende da pessoa, mas também do comportamento em si, do tempo e do esforço exigidos. E mais. Com a motivação certa, tempo e repetição, explicam os autores do artigo na PNAS, os hábitos vão se formando lentamente.

Uma pesquisa dessa magnitude, realizada no ambiente natural dos voluntários, seria impensável sem as novas tecnologias. “Estamos vendo que o aprendizado de máquina é uma ferramenta poderosa para estudar os hábitos humanos fora do laboratório”, elogia Anastasia.