Neste momento, dez em cada cem medicamentos em circulação no planeta são falsos, alerta a Organização Mundial de Saúde (OMS). Crime dos mais hediondos, não dá às vítimas a oportunidade de escolha. Ou elas tomam o que o médico receitou ou correm o risco de piorar e até morrer. E morrem.

Podem ir a óbito pela falta de tratamento decorrente de ingredientes inócuos. Ou em consequência do uso de substâncias perigosas para a saúde humana – mercúrio, arsênico, veneno de rato e cimento estão entre as mais comuns, informa a Interpol.

São 800 mil mortes por ano, no mundo, segundo algumas estimativas. Nas contas do Fórum Econômico Mundial, as cópias movimentam US$ 200 bilhões anuais.

Globalmente, a contrafação é classificada como problema de saúde pública - tanto maior quanto menor o índice de desenvolvimento do país. O que não significa que os ricos estejam livres da tragédia. A falsificação impõe desafios à economia, à indústria farmacêutica e às startups globais.

Quatro empreendedoras do ecossistema de inovação de Daca, em Bangladesh, encontraram uma forma relativamente simples de minimizar (e até interromper) a ação dos bandidos. Fundadoras da Arogga, Rosina Mazumder, Fahad Hossain, Shamim Hasan e Yawar Mehboob digitalizaram a cadeia de distribuição de remédios. Da saída das embalagens dos fabricantes à porta da casa dos clientes.

No país, a situação é crítica. Cerca de 30% dos medicamentos comercializados estão nas mãos dos falsários, em um mercado clandestino avaliado em US$ 2,5 bilhões, anuais, aproximadamente.

Com o uso de tecnologias de rastreamento, a Arogga consegue determinar com exatidão o percurso de cada produto, dificultando assim a entrada de remédios falsos ao longo da cadeia de fornecimento. O aplicativo da Arogga oferece atualmente cerca de 32 mil medicamentos, de 500 empresas farmacêuticas.

Negócio em expansão

Rosina Mazumder é cofundadora e CEO da Arogga
Rosina Mazumde, cofundadora e CEO da Arogga

Desde a sua fundação, em 2020, a healthtech fez mais de 100 mil entregas, com um total de 8 milhões de produtos distribuídos. No período, o valor anual da receita, gerada a partir das vendas online, cresceu 25 vezes, diz a CEO Rosina, em comunicado.

Agora, a startup acaba de levantar US$ 4 milhões, o que eleva o total financiado para quase US$ 6 milhões, conforme a plataforma Crunchbase. A inovação da Arogga tem atraído a atenção do venture capital.

O apoio vem de todos os cantos do mundo. Entre os investidores, há fundos dos Estados Unidos (The Venture Collective e The Blue Collective), de Singapura (Interative e Epic Angels), do México (Stella Maris Partners) e do Reino Unido (Ratios Ventures), além de financiadores locais (IDLC Finance Startup Bangladesh Limited).

A última rodada contou ainda com a participação do investidor-anjo e empreendedor alemão Alex Rittweger, fundador da Loyalty Partner GmbH, operadora de programas de fidelidade, vendida para a American Express, em 2011, por quase US$ 700 milhões.

O avanço do crime

O interesse pela proposta da Arogga reflete as oportunidades de negócios no enfrentamento de um problema urgente e carente de soluções. Entre 2021 e 2022, os chamados “crimes farmacêuticos” aumentaram 10%, somando quase 7 mil ocorrências, contabiliza a ONG internacional Instituto de Segurança Farmacêutica (PSI, na sigla em inglês).

Delas, 70% foram classificadas como comercial, quando envolvem mais de mil unidades de medicamentos. A América do Norte é a líder em número de apreensões, seguida pela Ásia-Pacífico e a América do Sul. “É importante notar que as regiões que estão mais frequentemente ligadas a incidentes não são necessariamente aquelas com programas de fiscalização e fiscalização fracos”, lê-se no relatório do PSI.

“Em vez disso, os países destas regiões estão identificando o crime farmacêutico mais eficazmente, através da aplicação da lei e de inspeções das agências reguladoras de medicamentos. Muitas dessas nações são bastante transparentes nas operações governamentais e suas atividades são amplamente divulgadas”, completam os analistas do instituto.

A importância das parcerias

Apesar de última colocada no ranking das apreensões, a África é a recordista em remédios falsos. Em alguns países, o índice varia entre 50% e 80%. Nos últimos anos, a Nigéria vem se destacando tanto pelas inovações contra o crime como pela parceria entre startups, indústria farmacêutica e governo.

Uma das colaborações mais bem sucedidas é com a Chekkit Technologies. Sediada em Lagos e lançada em 2018, a healthtech desenvolveu um sistema no qual adesivos, fixados nas embalagens ainda na fábrica, garantem a autenticidade do remédio. Basta ao consumidor escanear o código com a câmera do celular.

App da Checkkit monitora os remédios vendidos em Lagos

Na outra ponta, os fabricantes conseguem acompanhar quantas pessoas estão usando seus produtos e, assim, monitorar a quantidade de medicamento em circulação. Como acontece nesse ecossistema, sobretudo nos países mais pobres, a Chekkit nasceu de uma tragédia pessoal. O fundador Dare Odumade perdeu uma amiga em decorrência da adulteração de um xarope para tosse.

Na primeira rodada seed, em 2021, a Checkkit levantou meio milhão de dólares, junto aos fundos Launch Africa e Japan Strategic Capital. No início do ano, recebeu um novo aporte da Adavrese, mas o valor do negócio não foi revelado. Nas contas de Odumade, a empresa já ajudou a proteger cerca de 50 milhões de remédios.