Há ventos e ventos. Por interagir com a superfície terrestre, os de baixa altitude tendem a ser mais fracos e inconstantes. Já os de alta altitude são velozes e previsíveis – o que faz das grandes alturas um manancial para a produção de energia eólica.

Instaladas no solo ou no mar, porém, as turbinas tradicionais não chegam tão longe. As mais potentes delas, no parque offshore Zhangpu Liuao, da companhia chinesa Three Gorges Corporation, inaugurado em julho, no estreito de Taiwan, vão até 152 metros.

Frente à demanda crescente por fontes alternativas de energia, o engenheiro norueguês Thomas Hårklau fundou, em 2008, na cidade de Voss, a startup Kitemill. Desde então, ele vem trabalhando em uma tecnologia inédita para captar ventos de alta altitude.

Batizado KM2, o sistema funciona como uma pipa. De estrutura rígida e material resistente às intempéries mais violentas, uma espécie de planador é lançado no ar. A aeronave da Kitemill fica presa ao solo por um cabo, confeccionado com fibras de polietileno. Em terra, uma estação converte a força de tensão da corda em eletricidade.

“Nosso protótipo de 20 quilowatts (kW) já está operando com boa eficiência a 250 metros de altitude média, chegando a mais de 350 metros”, diz Hårklau, em conversa com o NeoFeed. “Estamos desenvolvendo outros exemplares que operem acima do modelo próximos modelos operem acima do modelo atual.”

Como são fixas, as turbinas eólicas tradicionais funcionam conforme as condições climáticas dos locais nos quais estão assentadas. Ou seja, em momentos de vento fraco, produzem menos energia. A pipa norueguesa, não. Operado de forma autônoma, o planador está programado para mudar de direção e altitude, em busca das melhores correntes de ar.

Isso só é possível graças a sensores LiDAR, acoplados à aeronave. Usados pelas câmeras mais modernas de telefone celular, esses dispositivos medem o intervalo de tempo que um pulso de luz leva para fazer o trajeto de ida e volta até um determinado objeto.

energia eólica kitemill
A equipe da Kitemill desenvolveu um sistema inédito de captação de energia eólica

Outra vantagem do KM2: a pipa usa apenas 10% do material utilizado em uma turbina convencional. O planador tem uma envergadura de 16 metros e quatro hélices, ligadas apenas na decolagem e no pouso verticais. A título de comparação, só o motor das turbinas da Three Gorges Corporation, no parque eólico de Taiwan, possui 260 metros de diâmetro. Cada uma das três pás tem 123 metros e pesa 54 toneladas.

Mais barata, leve e fácil de transportar

A redução na quantidade de material, conta Hårklau, baixa o custo de investimento (capex) em 50%. “A Kitemill visa um ‘custo nivelado de energia’ correspondente à metade da energia eólica convencional”, explica o empresário. “Custo nivelado de energia” representa o gasto por megawatt-hora, descontadas as despesas com construção e operação de uma usina, ao longo de todo seu ciclo de vida útil econômica.

No jargão dos especialistas do setor, o sistema da empresa Voss é definido como “energia eólica aerotransportada” (AWE, na sigla em inglês). A ideia não é nova. Começou a ser estudada nos anos 1980, pelo americano Miles Loyd, pesquisador da Universidade da Califórnia,

Thomas Harklau Kitemill
Thomas Harklau, da Kitemill

O ineditismo da Kitemill está justamente no uso de um planador rígido, com um gerador baseado no solo. Em geral, os modelos de AWE usam ou uma pipa flexível, como de tecido, combinada a uma estação terrestre; ou uma aeronave, equipada com uma unidade de produção de energia. Conforme análises de mercado, a tecnologia norueguesa, ao que tudo indica, é mais competitiva e escalável. Além de fácil de transportar.

Desde sua fundação, a startup de Hårklau já levantou cerca de 16 milhões de euros. Entre os apoiadores estão o hub de inovação do grupo norueguês Kongsberg, da empresa Einar Øgrey Farsund e da Voss Energi, a companhia estatal de energia da Noruega. O programa europeu SME Instrument, para pequenas e médias, e o EU Innovation Fund também ajudam a financiar a inovação da Kitemill.

Em ascensão

O fundo de inovação da União Europeia, aliás, destinou 7,5 milhões de euros para o desenvolvimento de pesquisas em torno dos sistemas de AWE, por meio do “Nawep: Norse Airbone Wind Energy Project”. Na apresentação da iniciativa, os consultores europeus descrevem: “Como a tecnologia de energia eólica aerotransportada é mais barata e mais fácil de transportar, tem o potencial de criar uma frota de aluguel/arrendamento de dispositivos, criando um mercado totalmente novo na área de energia eólica”.

Em volume de dinheiro movimentado, o setor de AWE ainda está distante do mercado global de energia eólica tradicional, mas em ritmo de crescimento ambos evoluem de forma muito semelhante, cerca de 10% por ano. A consultoria inglesa BVG Associates estima que, até 2035-2040, as “pipas” devem bater os US$ 100 bilhões.