Depois de oito meses fora dos limites da Terra, às 16:40, de 21 de fevereiro, a cápsula Winnebago-1 pousou no deserto de Utah, no oeste americano. Dentro dela, um punhado de cristais do medicamento ritonavir, usado no tratamento do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), causador da aids. A primeira missão experimental da Varda Space Industries fora concluída com sucesso.
Menos de 60 dias depois, o êxito da operação acaba de garantir US$ 90 milhões à empresa, fundada em 2021, na cidade de El Segundo, na Califórnia. Com os cheques de agora, a captação total da startup chega a US$ 141 milhões.
A rodada de série B foi liderada pela Caffeinated Capital, com participação da Lux Capital, General Catalyst, Founders Fund e Khosla Ventures.
Os fundadores da Varda, o engenheiro aeronáutico e CEO Will Bruey e o cientista da computação e presidente Delian Asparouhov, pretendem usar o espaço para a fabricação de remédios. A microgravidade pode melhorar a formação de cristais de proteínas —no caso do ritonavir, a L-histidina.
Em última instância, a cristalização no espaço acena com a possibilidade de tratamentos mais potentes e precisos.
Não é de hoje que a ciência investiga a produção de remédios fora da órbita terrestre. Mas ainda é uma estratégia explorada sobretudo pela academia e agências governamentais.
O presidente americano Joe Biden, por exemplo, comprometeu US$ 5 milhões do orçamento de 2024 para a realização de pesquisas relacionadas ao câncer na Estação Espacial Internacional (ISS).
Para as farmacêuticas, a relação custo-benefício dos remédios vindo do espaço nunca pareceu valer a pena. Até agora.
Da ficção científica à realidade
O sucesso da missão da Varda indica que o uso do espaço como plataforma para a síntese de medicamentos não está mais restrito ao imaginário da ficção científica. A viagem inicial da startup de El Segundo custou cerca de US$ 12 milhões. Esse valor, porém, deve cair pela metade na quarta ida ao espaço. E para US$ 2,5 milhões, na décima.
A redução de custos está diretamente associada aos avanços do ecossistema de inovação aeroespacial. Hoje, os lançamentos espaciais são regulares e é possível “pegar carona” nos foguetes de empresas como a Space X, de Elon Musk, e da Blue Origin, de Jeff Bezos. A cápsula da Varda viajou a acoplada ao ônibus de satélite da Rocket Lab, o Photon.
Ao longo da jornada, a nave não tripulada forneceu energia, controle de altitude e comunicação, entre outras operações essenciais. A vitória da Varda é também da empresa de construção de veículos espaciais, fundada em 2006, em Huntington Beach, na Califórnia.
Outro fator importante para o barateamento das operações é a possibilidade de reutilização da cápsula Winnebago-1. A Space X, por exemplo, faz isso com as espaçonaves da linha Dragon.
O entusiasmo em torno do sucesso da missão da Varda não significa que, de hoje para amanhã, os medicamentos serão produzidos fora do planeta. Até lá, a jornada é longa.
Com os US$ 90 milhões, a spacetech pretende realizar mais dois lançamentos até o final do ano. E, se tudo correr dentro do previsto, iniciar missões mensais, entre o final de 2027 e o início de 2028.
A euforia tampouco abrange todos os remédios. Ninguém está pensando em fabricar ácido acetilsalicílico, penicilina ou ibuprofeno no espaço.
A Varda criou uma plataforma de hipergravidade para a triagem dos compostos ativos que mais se beneficiarão da microgravidade. E esse é um campo de investigação científica completamente novo.
A princípio, a ideia é fazer a cristalização longe da Terra e terminar o medicamento em a espaço e terminar o medicamento aqui, em chão firme.
Além da baixa gravidade, o espaço oferece outras condições favoráveis à produção de uma série de produtos, como os altos níveis de radiação e a quase total ausência de vácuo.
Um setor que também pode se beneficiar de tais fatores é o dos chips semicondutores.
Conforme projeção da consultoria McKinsey, até 2030, as "fábricas espaciais" estão previstas movimentar cerca de US$ 10 bilhões em 2030.