Identificar um divisor de águas quando ele se forma, causa impacto. No SXSW, um dos maiores eventos de inovação do mundo, onde estive recentemente, Inteligência Artificial, ChatGPT e modelos de linguagem generativos seguramente estiveram entre os top 3 assuntos da vez.
Saí de lá em profunda reflexão e com a cabeça fervilhando de ideias. Há uma magnitude no que está por vir — igual ou maior que a internet. Acredito que tão potente quanto a invenção da roda há 6.500 anos.
Essa sensação de que o futuro é hoje me faz lembrar de quando eu tinha apenas 11 anos de idade. Tempo em que ir à banca de jornal era um programa incrível para os curiosos, como eu, e cheio de novidades.
Naquele dia 12 de abril de 1993, a capa da revista Time era “The info highway”. Fiquei impressionado! Estávamos aprendendo a "surfar" por estas grandes estradas digitais e a Time anteviu a revolução da internet comercial.
Lá se vão exatos 30 anos, o que representa pouco na linha do tempo da nossa existência, mas, como a noção de tempo evoluiu, hoje, é quase impossível prever o que acontecerá em cinco anos. Nós aceleramos muito nessas últimas três décadas.
Conectamos à rede e em tempo real nossas identidades, nossas conversas, nossas redes sociais. Subimos tanto conteúdo que precisamos ir para à "nuvem" e pisar no freio nas questões de privacidade. Segundo a ONU, 66% do mundo já navega nesta super-estrada.
Entramos em 2023 com um novo paradigma tecnológico: a IA Generativa. Introduzida pelo Google Brain, em 2017, mas executada à frente pela OpenAI, esse conceito inaugura uma nova Era da Inteligência Artificial. Uma nova corrida espacial, pelo no espaço digital.
Se lá em 1993, a revolução foi a estrada. Agora, a grande virada é o meio de transporte. E não qualquer meio. Como Lex Friedman bem colocou entrevistando Sam Altman, "esta nova tecnologia está comprimindo toda a internet em uma caixa do conhecimento humano".
Como Lex Friedman bem colocou entrevistando Sam Altman, "esta nova tecnologia está comprimindo toda a internet em uma caixa do conhecimento humano"
Como um fã assumido dos filmes da Marvel, a melhor comparação de veículo que me vem à mente é a armadura do Homem de Ferro. Uma ferramenta que pilotamos em alta velocidade e altitude para "voar pelo mundo digital". E armada de um "copiloto" estilo Jarvis que você pode treinar e apelidar de seu.
A nova Era que se inicia com a chegada da I.A. Generativa exige um piloto treinado no comando. Quando na nossa empresa começamos a desenvolver produtos nativos em IA, lá em 2014, já brincávamos com a metáfora do Homem de Ferro.
Conforme evoluíamos com nossos labs e produtos, enxergávamos cada vez mais claro um futuro de E e não de OU. Fiquei feliz em ver figuras como Satya Nadela, CEO da Microsoft, falarem agora em “Human computer simbiosys”; Greg Brockman, presidente da Open AI, em "Amplification of what humans can do".
Talvez tenhamos todos nos inspirados no insight do grão-mestre de xadrez Gary Kasparov. Ao perder uma partida para o Deep Blue, ele percebeu que não havia perdido para uma máquina — como foi tão alardeado na época — e sim, de uma soma 'homem-e-máquina', ou seja, perdeu para um time de dezenas de cientistas que treinaram um código para vencer no xadrez.
Kasparov é embaixador da escola de "IA" como abreviação de Inteligência Aumentada. Um termo muito mais adequado e amigável que "Inteligência Artificial". Para ele, o caminho também aponta para a amplificação do ser humano, e não a sua substituição.
É interessante, inclusive, apontar que o salto de qualidade entre o GPT-3 (versão disruptiva) e versões anteriores da tecnologia, veio do "RLHF" (reinforcement learning from human feedback).
Em termos simples quer dizer que os cientistas da OpenAI acrescentaram ao processo de criação do modelo de IA uma etapa onde um número enorme de profissionais avaliam as respostas do modelo de inteligência artificial, ranqueiam a qualidade dos resultados e retro-alimentam o modelo para evoluir com estes feedbacks. Isto é: é um modelo que nasce de inteligência artificial + inteligência natural, e não somente o primeiro.
Ganhamos uma poderosa ferramenta para voar nas nuvens. Fantástico. Mas o que acontecerá daqui para frente? E qual o impacto agora ou no futuro para meu negócio e meu emprego? Não existe resposta genérica aqui, mas penso em boas perguntas e reflexões em casos específicos. Por exemplo, você terceirizaria o que você faz hoje para alguém que cobra um valor menor?
John Maeda, VP Design & AI da Microsoft, trouxe essa provocação, ao pontuar que “a IA potencialmente substituirá todas aquelas tarefas que contrataríamos alguém para fazer por nós. E vai liberar mais tempo para as tarefas que nos dão alegria. As que despertam prazer, não vamos querer delegar a ninguém”.
O fundador da Wired Magazine, Kevin Kelly, concorda e resume: "produtividade é para robôs. Os humanos querem empregos em que a produtividade não é importante". Bill Gates seguiu em linha similar: "o surgimento da AI libertará pessoas para fazer coisas que software nunca fará - ensinar, cuidar de pacientes, apoiar idosos, por exemplo".
Veja que a IA deverá substituir tarefas ligadas à produtividade, mas não as ligadas à criatividade, cuidado humano, julgamento e tomada de decisão. O quanto seu emprego hoje depende de uma única tarefa versus múltiplas tarefas?
Veja que a IA deverá substituir tarefas ligadas à produtividade, mas não as ligadas à criatividade, cuidado humano, julgamento e tomada de decisão
Pergunte-se! Em termos práticos, o "mono" é o que define, para mim, em parte, o risco dos empregos. Empregos "Mono Tarefas". Em tarefas "monótonas". Você sabia que a tarefa de "prompt engineering" (profissional especializado em criar e otimizar as perguntas e comandos destes sistemas de modelos de linguagem generativos) tem vagas abertas com salários de até US$ 350 mil por ano?
Já temos mensurado alguns ganhos significativos ao adotar a IA como copilota. Tarefas complexas foram entregues mais rápidas e baratas do que se realizadas por nós, humanos, sozinhos, pois reduziu o tempo de aprendizado (e barreira de entrada) em diversas atividades. Ou também por permitir que times mais enxutos entreguem tarefas que antes eram feitas por times muito maiores.
Tem um caso em que um freelancer pediu duas semanas para fazer uma sequência de códigos por US$ 4 mil e com o GPT o contratante resolveu em poucas horas e poucos centavos de dólar. Como brincou Greg Brockman, presidente da Open AI em sua fala no SXSW, é como se nós contratássemos seis assistentes que não dormem e não comem para trabalhar para nós. E você será o diretor.
Há exemplos também de como a IA potencializa a criatividade e imaginação. Designers, criativos e estrategistas estão cocriando com inteligência artificial para esboçar objetos que não existem, imagens fantasiosas e cenários históricos que não aconteceram e contar com estes insights para inspirar o processo criativo. Mas a IA vai substituir a criatividade humana? Na essência e em níveis altos, não!
Temos casos da IA ler códigos de software e apontar possíveis erros ou ler um roteiro de filme e apontar falhas na trama. Isso tudo é só o começo! O futuro trará essa tecnologia cada vez mais integrada em nosso cotidiano, nossos processos empresariais, nossos negócios e amplificando nosso potencial humano. É um movimento de grande magnitude.
A calculadora não acabou com a matemática, mas a modificou. E disparou novos processos e possibilidades em lidarmos com os números. Analogamente, é uma questão de tempo para "modificar" nossos empregos, projetos e modelos de negócio, assim como a internet modificou também lá atrás e hoje nem imaginamos nossa vida sem ela.
Sair da zona de conforto pode ser desconfortável, mas traz evolução. E por isso fecho este artigo com o convite de recalcularmos a rota, assim como o Waze. Já que ganhamos um veículo muito mais possante para navegar na estrada do conhecimento chamada internet.
No seu tempo, vista a armadura. Trabalhe o medo de voar. Vamos todos sair de situações de conforto e entrar em alguma medida de inquietude para poder saltar para outro patamar. É momento de parar e revisitar seu negócio, sua profissão. Refletir como estas novas armaduras mudam no curto ou médio prazo seu modelo de negócio, seu cenário competitivo, seu sistema educacional.
É uma novidade que gera desconforto e pede inquietude. É sua oportunidade de se antecipar. Ficar inerte ou pensar que nada vai mudar é como negar nos anos 2000 que a internet mudaria algo. O ano de 2023 inaugura uma nova era da Inteligência Artificial e um novo patamar de produtividade e competitividade que estas novas ferramentas vão nos proporcionar.
*Rodrigo Helcer é CEO e cofundador da STILINGUE, empresa de inteligência artificial e plataforma de social intelligence, adquirida pela Take Blip em 2022. É também acionista e advisor em Take Blip e formado em Administração pela FEA-USP e professor, palestrante em instituições como FGV, ESPM, e eventos de inovação e empreendedorismo no país. Atua ainda como mentor e conselheiro de empresas nos temas Inteligência Artificial, Software as a Service (SaaS) e desenvolvimento de mercados B2B