Natural de Uttar Pradesh, no norte da Índia, Ram Charan é um dos consultores de gestão e liderança mais respeitados do mundo. Sua família era dona de uma sapataria e, desde muito cedo, ele ajudava os pais e os irmãos nos negócios.

Charan abria a loja às 7 horas de manhã, antes de ir para a escola. E, às 4 da tarde, já estava de volta. Entre um cliente e outro, fazia a lição de casa. A família ainda guarda as caixas de papelão onde Charan rascunhava as lições de aritmética.

Hoje, aos 83 anos, ele conta que a experiência na sapataria despertou seu gosto pelos negócios e aprendeu sobre disciplina e ética. Os ensinamentos foram decisivos para torná-lo um dos consultores de gestão e liderança corporativa mais respeitados do mundo. Entre seus clientes estão General Electric (GE), KLM, Bank of America, DuPont, e Novartis.

Na década de 1980, Charan assessorou o então CEO da GE, Jack Welch (1935-2020), a enfrentar um dos períodos mais duros da multinacional de tecnologia e inovação. Sob o comando de Welch, a GE se transformou na maior empresa mais valiosa do mundo. Hoje, no entanto, enfrenta uma dura crise.

Em 1998, Charan começou a escrever e não parou mais. Traduzido para uma dúzia de idiomas, seu livros venderam mais de 4 milhões de cópias, ao redor do mundo. Execution: Discipline of Things Done, de 2002, ultrapassou a marca das 150 semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Sua obra mais recente é Leading Through Inflation, lançado no ano passado.

Depois de se formar em engenharia, na Índia, foi trabalhar na Austrália. Saiu de lá para fazer o mestrado e doutorado na Harvard Business School, nos Estados Unidos. Foi professor em Harvard e Northwestern University, até passar a se dedicar em tempo integral à Charan Associates, sua empresa de consultoria, com sede em Dallas, no Texas.

Em sua passagem pelo Brasil, onde participou do encontro de líderes que a Arezzo&Co, companhia de Alexandre Birman, promove a cada seis meses, Charan falou ao NeoFeed.

“O mundo, os negócios e as tecnologias estão mudando muito rápido e, se você não estiver aprendendo todos os dias, vai ficar para trás”, foi uma das lições deixadas por ele. Veja a seguir, os principais trechos da conversa.

O que define um bom líder?
Um líder de sucesso é aquele capaz de montar uma equipe com pessoas muito competentes. O foco deve ser sempre o futuro, na entrega de resultados e na descoberta de novas oportunidades. Ninguém faz nada sozinho.

Em um cenário de incertezas e transformação constante, como o atual, o que fazer então para que um CEO esteja sempre alinhado às necessidade de seu tempo?
O mundo, os negócios e as tecnologias estão mudando muito rápido e, se você não estiver aprendendo todos os dias, vai ficar para trás. Você aprende na escola, nas empresas, nos livros, nos jornais... Isso é educação. Venho dizendo há anos que todos, seja um funcionário ou um CEO, devem investir em seu crescimento pessoal. Ultimamente, vejo muitos sendo demitidos por causa da recessão que se aproxima. Eu digo a essas pessoas: mude sua mentalidade. Você não está sendo demitido, você está tirando um ano sabático. Use-o a seu favor. Aprenda uma nova habilidade. Encontre um mentor. Trabalhar 100 horas por semana para provar seu compromisso com o trabalho e cumprir todas as metas do chefe é puro martírio, se você estiver sacrificando o crescimento pessoal. Nossa capacidade de aprendizado é ilimitada.

Quais são os grandes desafios para as lideranças hoje em dia?
O mundo, em sua maioria, vai entrar em recessão. Temos a inflação, os custos vão aumentar e a demanda vai cair. Temos pela frente um ou dois anos de recessão e estagflação, em grande parte dos países. O Brasil já passou isso tantas vezes... Reduza seu breakeven point, gerencie seu caixa e esteja preparado para estar à frente da curva. E não perca a noção de futuro. O segundo grande desafio é a digitalização da economia. Todo cidadão no Brasil, na Índia, nos Estados Unidos ou na China, hoje em dia, usa celular. A transformação digital é um fenômeno, mas muitas empresas ainda não se digitalizaram. A digitalização dos negócios acelera o crescimento, com flexibilidade e agilidade.

"Reduza seu breakeven point, gerencie seu caixa e esteja preparado para estar à frente da curva"

A agenda ESG é também um desafio?
Todo o mundo, nos governos, na mídia, nas empresas, sabe que o meio ambiente é uma questão. Veja os colapsos na Califórnia, a falta de acesso à água potável na Índia. A transição para a economia verde deve levar, no mínimo, 30 anos. O problema é que até lá ainda dependeremos dos combustíveis fósseis, caso contrário, a economia não funcionará. E se a economia não funcionar, não poderemos financiar as novas fontes de equilíbrio. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio.

O dono da Tesla, SpaceX e Twitter, Elon Musk, é frequentemente criticado por seu modo de gestão. Ele não é um bom líder?
Ele não é um mau líder, não. Ao contrário. Você pode não gostar do comportamento dele, mas ele está ajustado às suas empresas. Muitos anos atrás diziam que Steve Jobs [fundador da Apple] era um delirante, mas atualmente ninguém mais diz isso. Ninguém. Ele mudou sua vida. Ao contrário do que acontece na definição de um líder, os critérios para definir o mau líder são muito subjetivos. Se eu classificar a liderança de uma pessoa como ruim, estaria impondo meus próprios critérios.

Como a pandemia do novo coronavírus mudou o modo como se lidera uma empresa?
Pela primeira vez, em muitas, muitas décadas, os líderes foram obrigados a focar no bem-estar de seus funcionários e ficaram mais sensíveis às questões pessoais deles.

E essa mudança veio para ficar?
Não sei dizer. Nos próximos cinco a sete anos, uma nova geração assumirá o comando das empresas. Quando isso acontecer, veremos.