Aos 86 anos, a jornalista Gloria Steinem revê a sua trajetória como ativista política pelos direitos das mulheres em filme e em série de TV. A americana, que ainda atua como palestrante, é reconhecida como uma das principais vozes do movimento feminista nos anos 60 e 70.
Tanto a cinebiografia “The Glorias”, ainda sem data para estrear no Brasil, quanto a série “Mrs. America”, atualmente uma das atrações do canal Fox, resgatam o papel fundamental de Gloria na luta por direitos iguais.
Seu trabalho como colunista da revista New York e cofundadora da revista Ms. já dava ênfase, há mais de cinco décadas, a questões discutidas até hoje. Como legalização do aborto, assédio sexual, violência doméstica e igualdade de gênero, de raça e salarial.
Chamada de “mãe do feminismo”, Gloria tem a vida revisitada em quatro fases no filme dirigido por Julie Taymor (de “Frida”, de 2002). O roteiro aborda desde a sua infância até a sua participação na Conferência Nacional de Mulheres de 1977 para mostrar por que a ativista continua impactando as novas gerações.
A inspiração para a cinebiografia foi o próprio livro de memórias de Gloria, “Minha vida na estrada”, publicado em 2015. Na fase adulta, dos 20 aos 30 anos, a protagonista é encarnada por Alicia Vikander, que relembra as andanças da ativista pelo mundo e o seu disfarce como Coelhinha da Playboy para denunciar o comportamento machista e abusivo em artigo publicado em 1963.
A partir dos 40 anos, quem assume é a atriz Julianne Moore. Nessa fase, a trama destaca a fundação da Ms. Magazine, que foi primeira revista feminista dos EUA. Também acompanhamos Gloria moldando o movimento, conhecido como “segunda onda do feminismo” (depois da primeira onda, entre 1800 e 1900), ao lado de mulheres negras como Dorothy Pitman Hughes (Janelle Monae) e indígenas, como Wilma Mankiller (Kimberly Guerrero).
“Esse é um dos poucos filmes que não retrata uma mulher se apaixonando, se casando, sofrendo em um casamento ruim ou saindo de uma relação”, contou Gloria, por videochamada. De sua casa, em Nova York, a ativista promoveu a sua cinebiografia durante evento online, que teve cobertura do NeoFeed.
O “timing” para o filme não poderia ser mais oportuno na visão de Gloria, para quem a casa é sempre “o lugar mais perigoso para a mulher”. “O tema ganha mais importância agora quando estamos todas confinadas, o que faz o perigo da violência doméstica aumentar estatisticamente”, disse a jornalista, referindo-se ao isolamento provocado pela crise mundial sanitária.
“A violência doméstica está em alta. E infelizmente é ela que faz muita gente ver a violência como parte da natureza humana, como algo que não pode ser mudado, o que não é verdade”, comenta Gloria, uma das primeiras a criar abrigos para mulheres vítimas de abusos, nos anos 70, nos EUA. “Nunca teremos uma democracia, se ela não começar em casa. Sem paz na casa, não há paz fora dela.”
Gloria não é o centro das atenções na série “Mrs. America”, ambientada na década de 1970. Mas, ainda assim, é homenageada pela produção. Um dos nove episódios é dedicado à ativista, levando o seu nome.
Vemos aqui como ela mudou a percepção que se tinha das feministas na época, provando que a mulher em busca de seus direitos não precisava ser “feia” e muito menos “odiar os homens”. Na pele da atriz Rose Byrne, Gloria é vista trabalhando como jornalista – o que, algumas vezes, significa ser alvo de piadinhas machistas dos colegas homens.
A personagem passa boa parte do episódio defendendo a legalização do aborto. O tema é o mais discutido nas cenas de reuniões do National Women’s Political Caucus, organização que Gloria cofundou, em 1971, para recrutar e treinar mulheres interessadas na carreira política.
Diferentemente do filme, que teve o apoio de Gloria, a ativista não prestou consultoria à série. Em um artigo publicado no jornal Los Angeles Times, a feminista até criticou o programa. Não necessariamente pelo retrato que pintam dela, mas sim por retratarem o feminismo “como uma briga de gatos”.
“Mrs. America” relembra a aprovação pelo senado americano da Equal Rights Amendment (Emenda de Direitos Iguais), em 1972. E o foco aqui cai na tumultuada oposição de Phyllis Schlafly (vivida por Cate Blanchett), uma militante de extrema-direita que é contra a emenda constitucional, criada para garantir igualdade de direitos entre homens e mulheres.
“Tenho muito respeito por Gloria Steinem, que é um ícone feminista. Mas tenho orgulho da série que criamos, onde exploramos o ativismo. E dos dois lados”, disse a criadora e roteirista da série, Dahvi Waller.
“A premissa aqui é mostrar como Phyllis Schlafly usou a batalha pela Emenda de Direitos Iguais e pela legalização do aborto como ferramenta para a plataforma da direita, no intuito de colocar Ronald Reagan na Casa Branca (eleito em 1980)”, completou Dahvi, em evento online.
Para a cineasta Julie Taymor, o mais importante nesse resgate da trajetória de Gloria (seja no filme ou na série) é o exemplo que a ativista dá às gerações mais jovens. “Gloria queria ser dançarina. Ela não tinha a ambição de se tornar a voz das feministas. Até porque tinha pavor de falar em público”, contou a diretora, por videochamada.
Como Julie mostra no filme, Gloria acabou abraçando a causa feminista de tanto ouvir os relatos de outras mulheres, reclamando de maus tratos, preconceitos e injustiças.
“Ouvir e sentir empatia é o que torna a mulher mais poderosa e não aquilo que vemos hoje nos filmes de ação”, disse Julie. “Desde quando empoderamento feminino significa ver mulher batendo em homem na tela?”, perguntou a cineasta.
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