A discussão de tarifas com os EUA, embora seja um tema recorrente ao longo das últimas décadas, e em especial nos últimos 30 anos, faz parte de uma história de relação frágil entre os dois gigantes das Américas.
Desta vez, porém, houve uma escalada que colocou o tema na boca do povo, gerando uma criticidade que rivaliza, em impacto simbólico, com os ataques nazistas a navios em nossas costas na década de 1940.
Acredito, porém, que o desconforto causado pelo episódio não deveria eclipsar a oportunidade que ele representa para o Brasil.
Vou citar algumas lições:
1 – Reposicionar o Brasil no mundo
Minha experiência de viver e buscar negócios fora do Brasil me mostrou que, nos países desenvolvidos, o Brasil é um “não assunto”. Somos vistos como simpáticos e exóticos, mas não relevantes. Isso sempre me incomodou. Nunca percebi um esforço real e institucional do Estado de mudar essa percepção.
Apesar da habilidade inquestionável do nosso corpo diplomático em geopolítica, não acredito que tenhamos, como parte de nossa diplomacia, um sistema de metas comerciais e de desenvolvimento econômico articulado como o do Reino Unido, dos EUA ou da China.
Conquistar mercados é um processo ad hoc no Brasil, dependente das iniciativas individuais/preferências pessoais de determinados diplomatas. O presidente Lula até demonstra vocação para essa agenda, mas de forma personalista e sem o suporte de um sistema estruturado. Não acredito que Dilma e Bolsonaro, por exemplo, compreenderam sequer do que estamos falando.
Sempre afirmei que o dia em que o Brasil compreendesse sua insignificância econômica global, apesar de seus talentos e riquezas naturais incomparáveis, seria o dia em que terá chance real de evoluir.
Precisamos de um sistema que impulsione o país a negociar com o mundo, a atrair e gerar tecnologia. O episódio atual tem a virtude de mostrar ao cidadão comum que fomos escolhidos como “boi de piranha”, pois nosso impacto na economia americana é tão pequeno que um jornalista e um deputado brasileiro foram capazes de fazer tamanho estrago.
Não entendo como circularam livremente pelos EUA sem que nosso governo percebesse. Isso é uma prova gritante de como negligenciamos nossa relação com o país mais influente do planeta, e nosso segundo maior parceiro comercial.
Que essa lição seja duradoura.
2 – Patriotada
Lembro bem de meu pai e dos padres do colégio no Leblon dizendo: “Patriotismo não é patriotada”. Há 50 anos, já denunciavam o patriotismo vazio de quem se cobre com a bandeira, veste as cores da nação, jura amor à pátria, mas sem propósito concreto.
Patriotismo verdadeiro é trabalhar pelo país, com disposição e um projeto para melhorar de forma sustentável a vida das pessoas no dia a dia. A extrema-direita brasileira alimentou uma “patriotada” inédita, que foi desmascarada quando um de seus líderes declarou que, se o Brasil fosse destruído nessa guerra de tarifas, ele se sentiria vingado. “O que é isso, cara-pálida?”
Se Plínio Salgado teve algum mérito, foi o de criar as disciplinas de Moral e Cívica e Organização Social Política Brasileira, que ensinavam, desde o primário, como o país funcionava — o que era Lei, Congresso, etc.
Essas matérias foram extintas no processo de redemocratização, com razões compreensíveis. Erramos, na minha opinião. Jovens com menos de 45 anos não foram educados para compreender o funcionamento do país, e nem mesmo as escolas da elite ensinam isso aos futuros eleitores.
Não é a única causa do avanço da “patriotada”, mas certamente é parte do problema. Governança nacional deveria ser direito e responsabilidade de todos, não apenas o exercício do voto.
Espero que esse episódio também ensine que patriotismo não pode, não deve e não será patriotada. Patriotas devemos ser todos, apesar de nossa imensa diversidade
3 – Dependência Externa
O Brasil nasceu colônia. Certa vez, num casamento no Porto, ouvi: “Este ouro todo foi roubado do Brasil”. Respondi: “Não foi roubado — era o direito deles explorarem, pois é assim que o mundo funciona. Desde sempre.”
O mundo não cuidará do Brasil, apenas seus cidadãos o farão. A globalização foi empurrada pelo interesse comercial dos EUA, e está agora sendo revertida pelo mesmo motivo.
Não se trata de condenar os EUA, mas de reconhecer que a globalização foi um ciclo curto, que acontece de tempos em tempos na História. Devemos revisar conceitos para garantirmos acesso a bens essenciais e refletirmos sobre a dependência digital: nuvens, sistemas de segurança, data centers estrangeiros, entre outros.
Não proponho reeditar o protecionismo militar na informática dos anos 70, que atrasou o país. Mas sim construirmos um ecossistema de excelência e competência. O Brasil é grande e espelha muitos mercados do planeta; temos, portanto, capacidade de criar soluções inclusivas e escaláveis, como o Pix, fruto da colaboração entre setor público e privado, liderado pelo Bacen.
Devemos reconhecer que as “big techs” são parte do arsenal geopolítico das potências, e que têm um poder sociopolítico em outros países sem precedentes na História.
Espero que tudo que estamos vendo nos abra os olhos a tempo.
Essa lista de lições não se esgota nos três pontos acima, mas deixo aqui minha contribuição inicial para um debate coletivo. Que o Brasil, com seus 210 milhões de cidadãos e recursos abundantes, levante-se do berço esplêndido, com altivez e humildade, e estabeleça metas claras - como dobrar sua participação na economia global nos próximos 20 anos.
Nesse reality show de “realpolitik”, precisamos que nossas lideranças, em particular as dos três poderes da Republica, ajam com a grandeza que o momento exige, pois o país tem um futuro para correr atrás, e uma oportunidade histórica de achar seu caminho de união e progresso.
* Fersen Lambranho é chairman de GP investments e G2D investments