Príncipe das trevas, um dos pioneiros do heavy metal ou, como ele mesmo afirmou em uma oportunidade sobre o que estaria escrito em sua lápide, “aqui jaz o vocalista do Black Sabbath que arrancou a cabeça de um morcego com uma só dentada”.

O fato é que a trajetória de Ozzy Osbourne, cuja morte, aos 76 anos, foi anunciada em um comunicado divulgado por sua família na tarde desta terça-feira, 22 de julho, foi muito além dessas alcunhas e dos diversos casos e “causos” que pontuaram a sua vida.

Essas e outras passagens são apenas alguns dos capítulos que compuseram a história de alguém que tinha tudo para dar errado. Mas que extrapolou os limites da música pesada – e as adversidades – para se tornar um dos maiores nomes do rock de todos os tempos.

Quarto dos seis filhos de uma família da classe trabalhadora de Birmingham, segunda maior cidade Inglaterra e do Reino Unido, Ozzy – ou John Michael Osbourne, seu nome de batismo -, nasceu em 3 de dezembro de 1948.

Desde cedo, ele se acostumou a correr das surras de cinto do pai, John Thomas, que trabalhava à noite em uma fábrica de aço, e não gostava de ser acordado durante o dia pelo filho, que o cutucava apenas para "saber se ele estava vivo”.

Com uma dislexia não diagnosticada, que o impedia de ir bem nos estudos, e pouco talento para os esportes, o humor, a personalidade carismática e as piadas foram também a sua válvula de escape para driblar as dificuldades – e também as surras dos meninos mais velhos – nos tempos do colégio.

Não foram poucos os atalhos que marcaram sua vida após deixar a escola. Sem nenhuma habilidade aparente e perspectivas, ele chegou a roubar postos de gasolina e arrombar lojas. Numa dessas ocasiões, foi pego e sentenciado a 90 dias de prisão.

Libertado seis semanas depois, por bom comportamento, Ozzy passou a se virar com bicos na construção civil e como testador de buzinas de carros, além de conseguir, posteriormente, um emprego em um matadouro.

Sua sorte começou a mudar, porém, quando encontrou um velho conhecido da escola, que estava procurando um vocalista para sua banda. Apesar da paixão pelos Beatles, ele nunca tinha cantado, mas viu ali uma oportunidade. E “comprou” seu passe ao adquirir um PA (sistema de som) e dois microfones.

A banda não deu certo, mas os equipamentos foram a deixa para que Ozzy colocasse um anúncio em uma loja à procura de outros músicos. Na mensagem – ele se dizia um “extraordinário vocalista” e destacava o fato de ter um “PA próprio”.

O último dado foi o que fisgou o então guitarrista Geezer Butler, com quem formou o The Rare Breed, que durou apenas um show. O mesmo anúncio, porém, também chamou a atenção do guitarrista Tony Iommi e do baterista Bill Ward, que haviam deixado o Mithology e estavam formando uma nova banda.

Curiosamente, Ozzy era uma das vítimas preferidas de Iommi, apenas dez meses mais velho que ele, nos tempos de escola. A antipatia mútua da dupla – assim como a suposta falta de talento do vocalista - foi uma barreira inicial para a Polka Tulk Blues Band e, posteriormente, a The Earth Blues Band.

Além de Ozzy, Iommi, Butler e Ward, as duas bandas contavam ainda com um baixista e um saxofonista. E tocavam covers de blues e de bandas da época, como Cream, Beatles e Jimi Hendrix Experience nos bares de Birmingham.

Após uma série de brigas, das quais, Ozzy saiu ileso da fúria de Iommi, a banda ficou restrita ao quarteto - com Butler assumindo o baixo -, e foi rebatizada como Black Sabbath, em uma referência ao filme homônimo, estrelado por Boris Karloff.

A combinação de acordes pesados com letras que falavam de ocultismo deu o tom a partir dali. A mescla desses elementos contrastava com o "flower power" cantado poucos anos antes pelos hippies. E, literalmente, assombrou o mundo, com a estreia do disco homônimo, em 1970, que trazia clássicos como a faixa-título e “N.I.B.”

Nos anos seguintes, o Black Sabbath empilhou outros clássicos, como “Paranoid”, “War Pigs”, “Iron Man”, “Children of the Grave” e “Sabbath Bloody Sabbath”. E aprimorou uma química que envolvia os riffs matadores de Iommi, o baixo com a pegada de guitarra de Butler e a bateria monstruosa de Ward.

Muitas vezes subestimado, por sua postura vista como “atrapalhada” e a suposta falta de técnica, Ozzy era o complemento perfeito para essa receita. Pergunte aos fãs da banda. A maioria responderá: o Black Sabbath só é, de fato, o Black Sabbath, com o vocalista.

Isso ficou claro quando Ozzy deixou a banda, após oito discos – o último deles, Never Say Die, de 1978. Ele foi substituído por Ronnie James Dio, que também gravou clássicos com o trio remanescente. Mas o Black Sabbath, que, posteriormente, mudou diversas vezes de formação, nunca mais foi o mesmo.

Ozzy, por sua vez, seguiu firme e forte. Mesmo com alguns desvios em sua trajetória – boa parte deles, por conta das drogas e, principalmente, do alcoolismo. Essas questões ajudam a explicar, por exemplo, o famoso episódio das “dentadas” num morcego – que ele pensava ser de brinquedo – em um show.

Após engatar uma carreira solo com o álbum, Blizzard of Ozz, em 1980, ele também colecionou discos clássicos e hits. A lista inclui músicas como “Mr. Crowley”, “Crazy Train” e “No More Tears”. E mais de 100 milhões de discos vendidos, somando seus lançamentos solo e os do Sabbath.

O “Madman” ainda revelou músicos como Randy Rhoads e Zakk Wylde. E também se mostrou um personagem e tanto em “The Osbournes”, reality show que trazia a rotina nada comum do vocalista e de sua família.

Veiculada pela MTV no início dos anos 2000, a série ajudou Ozzy a furar definitivamente a bolha do heavy metal, ao reforçar, além da sua personalidade naturalmente carismática, seu bom humor e também seus defeitos – boa parte deles, também engraçados – a um público muito mais amplo.

Após ser alçado a esse novo patamar, Ozzy se afastou, porém, dos estúdios e dos palcos. Com a saúde cada vez mais debilitada, seu último CD, intitulado Patient Number 9, foi lançado em 2022 e levou o Grammy de álbum de rock naquele mesmo ano.

A despedida veio há três semanas e da melhor forma possível, com uma volta às origens. Ozzy retornou aos palcos no show Back to the Beginning, realizado no último dia 5 de julho no estádio do Aston Villa, em Birmingham, sua terra natal e também do Black Sabbath.

O evento, que arrecadou mais de US$ 190 milhões para instituições de caridade, teve a participação de bandas como Metallica, Guns N’ Roses, Slayer e Alice in Chains. Além de apresentações do próprio Ozzy – em uma cadeira de rodas – e, para fechar com chave de ouro, da formação original do Black Sabbath.