Ultrapassar o nível de 350 mil mortos pela pandemia tira do prumo qualquer sociedade. Solidão, temor de morte, ameaça de desemprego são sentimentos que destroem a autoestima de uma coletividade e envolvem-na em um manto de pessimismo.
Felizmente, entre a vacinação de vulneráveis e a conscientização da sociedade sobre a necessidade de distanciamento, já está um curso um processo em que as internações vão cair, liberando leitos de UTI e reduzindo a mortalidade, renascendo a esperança
Até lá, o desalento vai continuar extravasando sobre a economia e sobre a política, apesar da conjuntura e suas perspectivas estarem longe do desastre que muitos projetam.
Veja o clima de terror inflacionário vigente, porque preços de commodities dispararam no final de 2020, afetando nossos preços no atacado. O mercado entrou em parafuso, apostando que a inflação estaria escapando de controle, porque o Banco Central mantinha os juros curtos em níveis incompatíveis com a pressão.
Trataram a elevação do índice de preço – um fenômeno estatístico passageiro, que resulta da alta de alguns preços derivados dos internacionais, sem contaminação dos demais domésticos – como se fosse um processo ameaçador de subida generalizada de preços. Haja vista a diferença entre os índices de preço no atacado, superando 40% nos últimos anos e a frouxidão dos preços no varejo: no mês passado, se removermos o efeito dos preços de energia e combustíveis, a alta ao consumidor foi de cerca de 0,20%.
Qualquer manual de introdução à Economia ensina que a política monetária deve olhar apenas indicadores escoimados de efeitos transitórios e sabendo que o efeito de uma subida de juros hoje vai gerar efeitos depois de quase um ano. A despeito de tudo isto, com a atividade econômica letárgica e a inflação já em queda na margem (ainda que em alta quando se medem os 12 meses anteriores), o Banco Central não só deu uma paulada de 0,75 ponto de porcentagem na Selic, em sua última reunião, como prometeu outra igual, na próxima.
Toda sua diretoria domina a Teoria Econômica, no mínimo, tão bem quanto qualquer um de nós, mas agiu à revelia dos ensinamentos, em nome de “ancorar” as expectativas inflacionárias; vale dizer, acocorar-se perante o “Mercado”, em vez de se alinhar à Lógica, como vêm fazendo os bancos centrais americanos e europeus. Em momento de atividade debilitada, introduziu-se uma impedância à retomada da atividade. É um exemplo do círculo vicioso pessimismo-irracionalidade-retrocesso, induzido pelo desalento imposto pela pandemia.
No lado fiscal, quadro semelhante. Louve-se o foco dos últimos anos na importância da austeridade fiscal, ilustrada pela sequência de déficits cadentes, desde o final do Governo Dilma. Claro, em 2020, as medidas contra a pandemia induziram uma alta emergencial no déficit, mas que já retrocede em 2021.
Lamentável mesmo é em abril ainda estamos negociando o orçamento deste ano, que foi aprovado com mais gastos do que seria permitido pelo limite do teto. Mas a batalha não está perdida e Paulo Guedes está buscando um meio do caminho que desagradará a todos, mas que evitará o estigma de descompromisso fiscal e provará o exagero das opiniões apocalípticas sobre as contas públicas atuais.
A saída do terror fiscal de cena vai levar o dólar mais para perto de R$ 5 do que de R$ 6/dólar, mas o pessimismo bloqueia a celebração pelo saldo comercial de mais de US$ 80 bilhões que colheremos este ano, o de melhor desempenho das nossas contas externas.
No front político, o sucesso espetacular do leilão de aeroportos na semana passada – o abre-alas de uma sequência de privatizações exemplares – perde espaço na mídia para questões como a CPI da pandemia, o impeachment do Presidente e a escolha já de um candidato de “centro”.
Ora, não precisa de inquérito algum para saber que Bolsonaro enfiou os pés pelas mãos no trato da pandemia. Mas certamente só futuros estudos quantitativos permitirão saber quanto do desastre da praga resultou deste seu comportamento irresponsável e quanto ocorreria mesmo se ele reverenciasse o bom senso.
Ademais, a tentativa de impeachment é uma violência à democracia: se o povo concluir que errou ao eleger Bolsonaro, que aprenda e aja diferentemente, na eleição daqui a um ano e meio. Mas, se o debate político é sempre salutar, a algaravia midiática gera desconfiança lá fora, completando um quadro em que somos os vilões mundiais da pandemia e do desrespeito ao meio ambiente.
Irônica a movimentação prematura na busca do candidato que vai derrotar Bolsonaro e Lula. Seis candidatos natos apresentaram um manifesto pela união neste sentido; soou como meia dúzia de canibais trancafiados numa sala escura, todos jurando que são vegetarianos.
Mas, se na última eleição, já havia um clima de insatisfação “com isto que está aí”, o mais provável é que, na próxima, o candidato que poderá galvanizar a sociedade contra Bolsonaro não será por estar à direita, centro ou esquerda, mas sim por ocupar uma terceira dimensão: que tenha currículo de servidor público incorruptível, assertivo, admirado pelo seu talento e sem laços políticos pregressos. Alguém como o ex-Ministro do Supremo Joaquim Barbosa, por exemplo.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do NeoFeed
Luis Paulo Rosenberg é economista e consultor, com carreira destacada nas áreas acadêmica, empresarial e na atividade pública. PHD em economia pela Vanderbilt University, atuou como assessor do Ministro Delfim Neto, responsável pelos setores de Ciência, Tecnologia e Investimentos em Energia.Foi membro da equipe de negociação com o FMI, membro do Conselho de Administração da Cia. Suzano, Nestlé e Banco BBVA. Atualmente é sócio-diretor da Rosenberg Partners.