A decisão do Banco Central, na semana passada, de baixar a taxa Selic para 2,25% levou a um debate interessante. Muitos se apressaram em decretar o fim da Renda Fixa e afirmar que os investidores seriam obrigados a direcionar seus recursos para a renda variável. Not so fast!

Antes de chegar a conclusões precipitadas, é importante que se comece a entender e levar em conta a questão do prazo dos investimentos, e isso possui implicações tanto para a renda fixa como renda variável.

A confusão entre Renda Fixa e CDI no Brasil é compreensível: foram décadas de elevadíssimos juros reais ex-ante capturados pelas altas taxas dos Depósitos Financeiros de 1 dia, o nosso velho e conhecido CDI, .

Investidores se formaram, enriqueceram, se aposentaram sem nunca precisar ir muito longe ou correr muitos riscos para receber juros reais estratosféricos no Brasil. E a renda desses juros era realmente fixa!

Os valores nos extratos subiam diariamente, com a precisão de um relógio! (curiosidade: você sabia que o depósito financeiro não tem emissão de certificado e, portanto, não deveria ter esse “C” na frente?!?).

Aquele investimento que no mundo inteiro rende pouco, com pouco ou nenhum risco, bastante indicado àquilo que os CFPs, os planejadores financeiros, gostam de chamar de “Reserva de Emergência”, se prestava a muito mais que isso: era reserva de emergência, reserva de valor, investimento de curto prazo, de longo prazo e até aposentadoria.

Mas o CDI morreu. A 2.25% ao ano, perdeu sua atratividade como investimento. Vai finalmente paro o seu lugar de “sobra de caixa”. E, com isso, viabilizar um monte de outras coisas que estavam disponíveis, mas muito pouco apreciadas por aqui: já estamos vendo o aumento do interesse por bolsa – como nunca visto antes. Mas não é só a bolsa que vai atrair recursos...

A Renda Fixa continua viva e, mais do que nunca, vai mostrar suas armas: operadores de renda fixa têm um arsenal de instrumentos para extrair valor de seus mercados.

São estratégias que envolvem prazos diferentes, podem ganhar com juros que sobem, podem ganhar com juros que caem. Podem operar a inclinação e o formato das curvas. Podem capturar spreads de crédito. Podem “surfar” os prazos dos papéis, que se valorizam à medida que os vencimentos se aproximam. Enfim, não faltarão produtos para os variados perfis de risco e liquidez.

Não parece muito razoável assumir que todos poupadores vão migrar a totalidade de seus recursos de um produto de volatilidade próxima a zero diretamente para a Bolsa

Não parece muito razoável assumir que todos poupadores vão migrar a totalidade de seus recursos de um produto de volatilidade próxima a zero diretamente para a Bolsa e tolerar com naturalidade uma volatilidade de 60%.

A mudança se dará através do ajuste na grade de produtos - principalmente das gestoras independentes - e chegará aos investidores rapidamente através das populares plataformas de negociação. Podemos inclusive dizer que, por questão de prazo, a bolsa terá como competidor muito mais os novos produtos de renda fixa do que o velho CDI.

Uma nova paleta de riscos surgirá – para todos os gostos e apetites, com taxas de administração muito mais justas e alinhadas com o investidor, e tomará o lugar dos “fundos de agência” (que em sua maioria já apresentam retornos negativos hoje!).

Serão novos fundos de renda fixa com menor ou maior volatilidade. Serão fundos multimercados operando em diversas frentes. Serão ETFs e mais fundos de ações. Serão produtos que testarão o apetite de risco e diversificação de R$ 3 trilhões de rentistas famintos e saudosos do polpudo CDI.

Com respeito à renda variável, se faz uma confusão enorme ao associar um investimento de longo prazo a uma taxa de juros de curto prazo. Em primeiro lugar, o investimento em bolsa deve ser reservado para aquela parcela dos recursos da qual o investidor não espera precisar por pelo menos 5 anos.

Mais importante que isso é entender que o valor de uma empresa representa a soma dos fluxos de caixa esperados para ela, descontados a uma taxa conhecida como Ke (cost of equity).

Como os fluxos se distribuem ao longo do tempo e em grande parte das empresas estão majoritariamente na perpetuidade, o uso de uma taxa de curto prazo na composição do Ke pode levar a erros significativos e superestimar o valor das empresas.

Com respeito à renda variável, se faz uma confusão enorme ao associar um investimento de longo prazo a uma taxa de juros de curto prazo

A taxa de juros nominal de um país, não sujeito a repressão financeira, deve ser igual à expectativa de crescimento do PIB nominal.

Ou seja, se o PIB pela ótica da renda é composto de salários (renda do trabalho), juros (renda do capital), aluguéis (renda das instalações físicas), lucro (renda sobre o processo de produção), essa identidade macroeconômica nos ajuda a entender que a taxa crescimento nominal para cada um dos componentes deveria ser igual, assumindo que não haja uma concentração de renda em nenhum desses fatores.

Estamos falando simplesmente de uma questão de consistência. Cada investidor tem a prerrogativa de usar a taxa de desconto ou custo de oportunidade que achar mais apropriada.

Mas, caso queira usar 2,25% de Selic como componente da sua taxa de desconto, deve usar os mesmos 2,25% como crescimento do PIB nominal, tanto nos anos projetados de fluxo de caixa, quanto na perpetuidade. Se assim o fizer, podemos afirmar com elevado grau de certeza que o investidor irá se decepcionar com os resultados projetados para as respectivas empresas.

A redução da taxa de juros para 2,25%, ainda que temporariamente e pelos motivos errados (baixíssimo crescimento) deve levar a um amadurecimento tanto do debate como da compreensão do verdadeiro risco e retorno de diferentes instrumentos de investimento.

E ressaltamos a importância do papel do Planejador Financeiro para guiar os investidores nesses mares nunca antes navegados. CDI descanse em paz, vida longa à renda fixa.

Rogê Rosolini é profissional com mais de 25 de experiência, foi diretor dos bancos Barclays e Bank Of America Merrill Lynch e é sócio da gestora independente Journey Capital.

Roberto A. Attuch Jr tem mais de 25 anos de experiência no mercado de renda variável na America Latina, foi diretor do Credit Suisse e do Barclays e fundou a OMNINVEST.

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