Brasília - Uma crise financeira bilionária e sem solução à vista contamina a entrega de energia no Amazonas. Documentos obtidos pelo NeoFeed mostram que a Amazonas Energia, distribuidora responsável por levar eletricidade aos 62 municípios do Estado, está mergulhada em um cenário de insolvência, enquanto entra em confronto direto com a Eletronorte, empresa do Grupo Eletrobras.

O acirramento dos ânimos entre as empresas foi escancarado no início deste mês pela Eletronorte, em meio a tentativas para tentar receber aquilo que a Amazonas Energia lhe deve. Em carta encaminhada à diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no dia 1 de março, a Eletronorte cobra um repasse direto para a sua conta de R$ 95,474 milhões que a distribuidora está prestes a receber.

Ao detalhar o tamanho do rombo financeiro, a empresa do Grupo Eletrobras afirma que, atualmente, a Amazonas Energia acumula uma dívida de R$ 3,6 bilhões com a Eletronorte. Junto à holding Eletrobras, há ainda outros R$ 5,6 bilhões em aberto, valores que constam como provisões no balanço financeiro da companhia. Ao todo, portanto, trata-se de um rombo atual de aproximadamente R$ 10 bilhões, isso sem contar os demais credores da empresa.

O que revoltou a Eletronorte neste momento, porém, é que a Amazonas Energia suspendeu os pagamentos mensais de sua dívida junto à companhia e, paralelamente, teve sinal verde do governo para receber um crédito extra de R$ 95,474 milhões de um fundo setorial incluído na conta de luz da população, a chamada CCC (Conta de Consumo de Combustíveis).

O repasse seria um ressarcimento de custos com “geração emergencial” de energia durante o semestre de 2019. Ocorre que, segundo a Eletronorte, foi ela que, na prática, arcou com aquelas despesas, devido à situação de penúria financeira que a distribuidora já atravessava. Portanto, alega a Eletronorte, é ela que deve receber o pagamento.

Para ampliar o desgaste, a distribuidora tem mantido os pagamentos de sua dívida às empresas do Grupo Eletrobras, exceto com a Eletronorte. “Chama atenção não apenas a magnitude da dívida em si – mais de R$ 10 bilhões somente junto ao Grupo Eletrobras –, mas a postura da AmE (Amazonas Energia) na gestão da crise da concessão, notadamente ao singularizar a Eletronorte em seus inadimplementos”, afirmou a companhia. “A situação chegou a tal ponto que nem mesmo os encargos de transmissão vêm sendo pagos pela AmE à Eletronorte.”

A rigor, a distribuidora sequer poderia receber recursos dos fundos setoriais de energia, por causa de seu endividamento. Uma decisão judicial liminar conseguida pela empresa, no entanto, prorrogou a validade de seu “certificado de adimplemento” com a Aneel, autorizando os pagamentos.

A movimentação da Eletronorte para ficar com os R$ 95 milhões tirou a chefia da Amazonas Distribuidora do sério. Em uma carta à agência reguladora, o diretor-presidente da empresa, Márcio Zimmermann, que foi ministro de Minas e Energia no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, disse que a Eletronorte “interfere no processo desta distribuidora, contribuindo muito mais para causar atrasos do que solução efetiva”.

“É notório que a distribuidora enfrenta dificuldades financeiras extremas que precisam urgentemente ser equacionadas”, afirmou Zimmermann, garantindo que a companhia “busca manter uma relação positiva e construtiva”. O executivo não explica, porém, por que deixou de pagar as dívidas que tem com a Eletronorte, quando se trata de empresas do Grupo Eletrobras.

A Amazonas Energia, distribuidora que é controlada pela Companhia Oliveira Energia, foi questionada para que se manifestasse sobre cada uma das informações contidas nesta reportagem. A Oliveira Energia também foi acionada. Por meio de nota, a Oliveira Energia limitou-se a declarar “a Amazonas Energia já se manifestou ao Ministério de Minas e Energia e aguarda resposta”.

A Eletrobras, que também representa a Eletronorte, não se manifestou sobre o assunto.

Caducidade

O drama da distribuidora amazonense não se limita a indefinições sobre seu futuro financeiro. O problema é como resolver a situação atual, porque a equação simplesmente não fecha.

Dados contábeis reunidos pela Aneel apontam que, no período de 12 meses encerrado em setembro de 2023, a geração de caixa da Amazonas Energia ficou negativa em R$ 223 milhões, ou seja, gerou prejuízo. “A empresa não gera receitas suficientes para cobrir suas despesas operacionais, independentemente da dívida existente”, concluiu um documento da agência, em janeiro deste ano.

“Se a concessionária não possui contabilmente geração de caixa suficiente para honrar os compromissos da dívida e o investimento na reposição da base de ativos, há risco de inadimplência no pagamento da dívida e dos encargos setoriais, bem como de redução de investimentos necessários à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica”, afirmou a agência.

Diante de uma crise sem solução, a diretoria da Aneel enviou, em novembro do ano passado, uma recomendação ao Ministério de Minas e Energia, para que declarasse a caducidade da concessão.

A recomendação para dar fim ao contrato ocorreu após uma tentativa frustrada da Amazonas Energia de transferir seu controle societário para a empresa Green Energy Soluções em Energia. A agência reguladora recusou o pedido depois de avaliar as tratativas.

“Não restou comprovada a capacidade econômico-financeira do pretenso controlador para assumir o controle acionário da concessão de distribuição, de modo a propiciar a reversão da situação de insustentabilidade”, afirmou a Aneel.

A decisão final sobre o tema cabe ao governo federal, que ainda busca a melhor saída para o caso. O Ministério de Minas e Energia foi questionado sobre o assunto, mas não respondeu ao pedido de esclarecimento até a publicação desta reportagem.

Origem da dívida

Os problemas financeiros da distribuidora de energia não são recentes. Em 2017, o governo federal decidiu vender, para a iniciativa privada, seis distribuidoras que eram controladas pela então estatal Eletrobras, as quais enfrentavam sérios problemas de gestão e endividamento. Foram, então, repassadas para as mãos de empresas as operações das distribuidoras Amazonas, Boa Vista (Roraima), Ceal (Alagoas), Cepisa (Piauí), Ceron (Rondônia) e Eletroacre (Acre).

Paralelamente, foram definidas as parcelas das dívidas de cada uma delas e que, naquele momento, seriam assumidas pela Eletrobras, como forma de viabilizar os leilões. No caso da Amazonas Energia, o rombo totalizava R$ 8,91 bilhões, à época. Ainda assim, a oferta atraiu interessados. Em abril de 2019, a Oliveira Energia, que tem sua origem naquele Estado, assumiu as operações nos estados do Amazonas e Roraima.

Nos meses seguintes, porém, relatórios técnicos passaram a mostrar que a companhia não conseguia dar um fim à confusão financeira, que só se agravava.

Embora toda situação já fosse conhecida em detalhes antes do leilão, a empresa chegou a acionar a agência reguladora, dizendo que tinha sido “surpreendida” com um suposto “erro” nos cálculos total de sua dívida, o que elevaria sua conta em até R$ 5 bilhões. O argumento não se sustentou.

“Os instrumentos regulamentares e normativos do processo licitatório da concessionária apresentavam informações da situação econômico-financeira da empresa”, declarou a Aneel. “Não há que se alegar que a dívida da empresa teria sido ‘recém-descoberta’.”

Em meio ao rombo bilionário, a Amazonas Energia segue prestando serviço aos seus 998 mil clientes no Estado, consumidores que vivem numa área de 1,559 milhão de km², território maior que a França, Espanha e Suécia juntas. Hoje, o futuro da prestação de serviço é uma incógnita.