Na manhã de 16 de fevereiro deste ano, uma live fechada reuniu mais de 100 participantes, entre franqueados e representantes da gestão da Ammo Varejo, companhia que concentra as lojas das marcas de cama, mesa e banho MMartan, Santista e Artex.

Controlada pela Coteminas, grupo do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, a rede dona de 250 lojas próprias e franquias convocou os parceiros para trazer atualizações sobre sua operação. E parte dos dados que preencheu as telas não foi nada animadora.

A companhia disse ter 155 mil peças importadas aguardando liberação e que outras 436 mil vão reforçar esse estoque até o fim de março. No total, até setembro, já são 2,25 milhões de peças contratadas – 1,3 milhão da Artex e 950 mil da MMartan -, sendo 93% delas até junho.

O que acendeu o sinal de alerta, porém, foi a informação dada na sequência. “Em função das vendas menores, que ocorrem em outubro, novembro e dezembro, nossa capacidade de pagamento para a liberação dos estoques está reduzida”, ressaltou a empresa, na apresentação.

“Estamos estudando junto com nossa trade (importadora) e com algumas instituições financeiras formas de financiar essa liberação dos estoques já aportados no Brasil e dos novos recebimentos”, acrescentou a companhia.

O NeoFeed conversou com franqueados presentes à reunião e apurou que, longe de um contexto restrito a desafios pontuais, relacionados ao fim de 2023, os problemas se acumulam há muito mais tempo. E que, agora, esse cobertor curto está levando a empresa a uma espécie de encruzilhada.

“As lojas estão desabastecidas há praticamente quatro anos”, diz um dos parceiros ouvidos pelo NeoFeed. “Tem mercadorias no porto, mas quem vai pagar? Se houver produto, vamos continuar. Se não tiver, não há como. Aliás, a pergunta é a seguinte: a Ammo Varejo vai continuar?”

Outro fator recente mostra que essa pergunta não é uma mera frase de efeito. Conforme revelou o NeoFeed com exclusividade, em reportagem publicada em 5 de fevereiro, Josué Gomes da Silva corre o risco de perder o controle da rede. O motivo? Uma emissão de debêntures conversíveis em ações feita em maio de 2022.

Encampada pela Farallon Capital, gestora especializada em reestruturação de dívidas, essa emissão envolveu uma captação de R$ 175 milhões, cuja garantia foi atrelada a 100% das ações da Ammo Varejo.

O problema é que a rede entrou em default, ao quebrar covenants estabelecidos no contrato – o que foi confirmado pela Ammo Varejo dois dias depois, em resposta a um questionamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sobre a matéria que havia sido veiculada pelo NeoFeed.

No comunicado, a empresa ressaltou que o “descumprimento de certas cláusulas contratuais nas referidas debêntures” haviam sido mencionadas no parecer dos auditores e nas notas explicativas dos balanços de 2022 e do primeiro trimestre de 2023.

Esses balanços foram os últimos publicados pela companhia, que também não trouxe mais informações a respeito dos desdobramentos do caso relacionado à Farallon Capital. Nos bastidores, o comentário é de que a empresa estaria buscando opções para quitar essas pendências.

Colapso pós-pandemia

As debêntures foram uma das alternativas da Ammo Varejo para seguir financiando sua operação após recuar, no fim de 2021, do seu plano de abertura de capital.

O desabastecimento já vinha afetando o negócio, porém, antes do IPO ser protocolado, em agosto do mesmo ano, quando a empresa ainda vinha surfando a onda do crescimento das vendas de produtos para casa, a reboque da Covid-19.

“O grande ponto de inflexão foi a pandemia. Até então, não tínhamos problema”, diz um dos parceiros. “Naquele período, todas as cadeias globais se desestruturaram. Mas, passada essa fase, houve uma sequência de fatores que acabou criando o caos, começando pelo colapso da Coteminas.”

Assim como muitas outras empresas, a Coteminas não ficou imune aos efeitos trazidos pela Covid-19. Mas, nesse caso específico, os efeitos daquele período parecem seguir impactando negativamente a empresa, que, antes mesmo da pandemia, já enfrentava dificuldades.

josue gomes da silva fiesp
Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp e da Coteminas, grupo que controla a Ammo Varejo

Os dados públicos mais recentes do grupo, relativos ao primeiro trimestre de 2023 e divulgados com um atraso de mais de sete meses, trazem um retrato parcial dessa situação. A Coteminas apurou um prejuízo de R$ 212,1 milhões, contra uma perda de R$ 64,8 milhões, um ano antes.

Entre janeiro e março do ano passado, a receita líquida recuou 55,1%, em base anual, para R$ 171,3 milhões. A companhia fechou o período com uma posição de dívida líquida ajustada de R$ 672,5 milhões, ante R$ 590 milhões no fim de 2022.

Outros números do balanço reforçam esse cenário. A Coteminas informou que, entre julho e outubro de 2023, como parte de um plano de reestruturação, demitiu 1.742 funcionários, ou 34% dos seus quadros, nas unidades de Montes Claros, Blumenau e João Pessoa.

No balanço, o grupo divulgou ainda que havia concluído, em julho de 2023, um empréstimo com a Shein no valor de US$ 20 milhões, dentro da parceria firmada três meses antes, na qual a Coteminas se comprometeu a ajudar a plataforma chinesa nos esforços para nacionalizar boa parte da sua produção.

O fato é que, na Ammo Varejo, os impactos das dificuldades na operação fabril do grupo se refletiram, inicialmente, no abastecimento da Artex, dado que as fábricas da Coteminas eram responsáveis por suprir boa parte desse portfólio.

“A Ammo se viu na situação de ter que bater na porta de antigos concorrentes da Coteminas, que, por sua vez, não tinham o menor interesse em estender a mão nesse momento”, afirma outra fonte.

Marca premium da Ammo Varejo e com uma equação inversa a da Artex – boa parte de seus fornecedores era global, a MMartan foi um pouco mais preservada no início. Mas, aos poucos, também entrou numa espiral de falta de produtos, ante a dificuldade da rede em recompor sua cadeia.

“Eles fizeram um esforço grande e, no fim de 2023, a mensagem era: reconstruímos as cadeias e atravessamos a tempestade”, diz o parceiro. Ele ressalta, no entanto, que os problemas do abastecimento de mercadorias não foram sanados.

E prossegue: “Não houve tempo, pois a própria Ammo começou a ter problemas de caixa, com a queda nas vendas, gerada pela falta de produtos, e não havia dinheiro para pagar os fornecedores”, observa. “E muitas franquias fecharam as portas. Quem não estava capitalizado para aguentar o tranco, está morrendo.”

Esse é o caso de um dos parceiros que, hoje, mantém apenas uma das seis lojas que mantinha da rede. Ele cita uma queda de até 60% no faturamento das unidades, a partir da falta recorrente dos produtos de maior saída, e estima um prejuízo, até aqui, de R$ 3 milhões com essa situação.

“Eu tive uma fuga progressiva da clientela, pelo fato de não ter os principais produtos na loja”, observa. Com a queda no faturamento, ele diz ter entrado em um círculo vicioso de inadimplência com toda a sorte de fornecedores, bancos e com os shoppings que abrigavam suas unidades.

“Eu não diria que houve má fé por parte da empresa, mas sim uma falha da gestão em ocultar as informações, especialmente em relação à previsibilidade de fornecimento”, afirma. “Se eu soubesse o que estava acontecendo em 2022, teria fechado as portas antes e meu passivo seria menor.”

Alternativas?

Em relação às perspectivas da Ammo Varejo voltar aos trilhos, os parceiros ressaltam que a empresa informou que está buscando alternativas, sem entrar em detalhes. As opções na mesa trazem, porém, nesse momento, mais dúvidas do que certezas para as fontes consultadas pelo NeoFeed.

Na percepção deles, a busca de financiamento no mercado tem pouca chance de ser bem-sucedida, dada a situação da Coteminas e o contexto ainda pouco favorável do próprio varejo. Assim como a entrada de um novo sócio ou a venda da operação. Sobrariam outras duas opções.

“Ou o Josué ou a Farallon colocam dinheiro na operação”, afirma um desses franqueados. “Mas o que parece, a princípio, é que, ali, é uma coisa de quem pisca primeiro. Ninguém vai se mexer.”

Procurada, a Ammo Varejo informou por meio de sua assessoria de imprensa que as 155 mil peças já foram liberadas e começarão a abastecer as lojas da rede a partir de amanhã, dia 27 de fevereiro. E que as demais mercadorias serão liberadas gradativamente.

“Toda operação está sendo normalizada, após uma reestruturação que a empresa fez em toda a sua rede de fornecimento. A Ammo Varejo foi muito bem durante a pandemia, em 2020 e 2021. Em 2022, surgiram problemas com a cadeia produtiva, que agora foram sanados”, escreveu a empresa, em nota.

A rede acrescentou que as debêntures com a Farallon Capital tiveram suas garantias restabelecidas em “negociação fechada logo após o Carnaval”.

Procurada e indagada sobre se havia fechado um acordo com a Ammo Varejo, a Farallon Capital, por sua vez, disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o tema.