A desvalorização de cerca de 25% do bitcoin nos últimos dois meses acendeu um sinal de alerta entre os mais otimistas com a trajetória da criptomoeda. É o caso da Strategy, a empresa americana que ganhou os holofotes ao converter todo o seu caixa em bitcoin e contrair dívidas para ampliar sua exposição ao ativo.
Desde setembro, o bitcoin caiu cerca de US$ 30 mil, sendo negociado nos níveis de abril. Com o bitcoin em queda, a Strategy reduziu drasticamente seu guidance para 2025, abandonando as projeções divulgadas no fim de outubro.
Pelas novas projeções, a companhia espera terminar o ano com um lucro líquido entre US$ 5,5 bilhões e US$ 6,3 bilhões, cerca de US$ 18 bilhões abaixo da estimativa anterior.
A Strategy também reduziu a projeção de lucro operacional, que antes era de US$ 34 bilhões, para um intervalo entre US$ 7 bilhões e US$ 9,5 bilhões, enquanto o lucro por ação estimado caiu de US$ 80 para uma faixa entre US$ 17 e US$ 19.
Além da desvalorização do bitcoin ter forçado a revisão do guidance - a variação do ativo é registrada como perda ou ganho contábil -, a companhia também decidiu se proteger montando uma reserva em dólares de US$ 1,44 bilhão.
O dinheiro foi levantado por meio de vendas de ações, estratégia recorrentemente usada pela Strategy para comprar mais bitcoin. Desta vez, no entanto, a companhia afirmou que manterá esse dinheiro em caixa, com o intuito de honrar o pagamento de dividendos de suas ações preferenciais e os juros de sua dívida.
Os esforços para aumentar sua reserva em dólares, segundo a companhia, deverão continuar até atingir uma cobertura de 24 meses ou mais de pagamentos de dividendos. A Strategy afirma que as reservas atuais são suficientes para honrar 21 meses da dívida.
A Strategy opera por meio da emissão de diferentes classes de ações preferenciais, que, na prática, funcionam como instrumentos de dívida: pagam dividendos mensais a taxas previamente estabelecidas, têm prioridade sobre os acionistas comuns e são usadas para financiar a expansão das reservas de bitcoin.
Sua dívida total é de US$ 16 bilhões, considerando os débitos conversíveis e as ações preferenciais da empresa. O montante representa menor do que as reservas de bitcoin que detém, estimadas em US$ 55,84 milhões.
Esses papéis, embora classificados como equity, carregam características típicas de títulos de crédito — como remuneração fixa e compromisso permanente de pagamento —, o que explica a necessidade de garantir uma reserva em dólares capaz de sustentar esses desembolsos mesmo em períodos de forte volatilidade do mercado.
“Estabelecer uma reserva em dólares para complementar nossa reserva em bitcoin marca o próximo passo da nossa evolução, e acreditamos que isso nos deixará em uma posição melhor para enfrentar a volatilidade de curto prazo do mercado enquanto concretizamos nossa visão de ser o principal emissor global de crédito digital”, afirmou em nota Michael Saylor, fundador e CEO da Strategy.
Menos de um mês antes do anúncio da nova reserva em dólares, a empresa já havia recorrido ao mercado para fortalecer sua estrutura de capital. Em 7 de novembro, a Strategy precificou uma oferta de 7,75 milhões de ações da série STRE, seus papéis preferenciais com rendimento anual pré-estabelecido de 10%, levantando cerca de US$ 702 milhões.
As vendas desses papéis ajudaram a financiar a compra, após a data da operação, de mais 8.795 bitcoins, elevando o montante total da Strategy para 650 mil unidades. Nessas aquisições recentes, a companhia desembolsou US$ 897 milhões — cerca de US$ 140 milhões a mais do que teria gasto caso comprasse os mesmos bitcoins pelo preço atual do ativo, negociado nesta segunda-feira, 1º, próximo de US$ 87 mil.
As ações da Strategy caíram 3,25% após o anúncio, acompanhando, em parte, a queda do bitcoin ao longo do dia. Na bolsa americana, seus papéis vêm passando por uma forte desvalorização nos últimos meses, acumulando perdas de 57% desde junho, enquanto o bitcoin recuou 20% no mesmo período.
Em relatório recente no qual atribuiu nota B- ao crédito da companhia, a S&P alertou que o modelo de negócios da Strategy cria “descompasso estrutural entre ativos e passivos”.
“Há o risco de que a dívida conversível vença justamente em um momento de forte estresse no preço do bitcoin, levando à liquidação dos bitcoins da companhia a valores deprimidos ou a uma reestruturação da dívida conversível ou das ações preferenciais — algo que consideraríamos equivalente a um default.”