Corria o ano de 2003 quando Renato Feder, então com 23 anos, aceitou o convite de Alexandre Ostrowiecki, para dividir um desafio: salvar a empresa da família do amigo de infância, uma companhia de cartuchos para impressoras praticamente condenada a desaparecer.
Na dobradinha, ficou acertado que os dois tocariam o negócio com papéis bem definidos. Mais reservado, Ostrowiecki cuidaria de toda os aspectos operacionais. Enquanto Feder, além de cuidar das finanças e da estratégia comercial, ficaria com a responsabilidade de ser a referência da empresa da porta para fora, estabelecendo conexões com parceiros no varejo e no mercado em geral.
O modelo se mostrou acertado. Sob o comando da dupla, a Multilaser conseguiu ir muito além dos cartuchos de impressão. E hoje, com um portfólio de mais de 3 mil produtos, é uma empresa de faturamento superior a R$ 2 bilhões.
Desde 2018, Feder está afastado do dia a dia da companhia, quando passou a se dedicar a área de educação. Essa trajetória pode inspirar sua atuação frente do Ministério da Educação.
O empresário, que é o atual secretário da Educação do Paraná, é o nome mais cotado para assumir a pasta, uma das mais problemáticas do atual governo.
Se, em 2003, Feder assumiu uma pequena empresa de cartuchos prestes a ser engolida pelas gigantes do setor, agora ele tem o desafio, se confirmado, de colocar em ordem um ministério que, desde o início da gestão Bolsonaro, carece de planejamento.
Ele já era cotado para o posto quando Carlos Alberto Decotelli assumiu o cargo, em 25 de junho. A passagem relâmpago do ex-ministro teve fim quando ele pediu demissão cinco dias depois, sob acusações de inflar e maquiar seu próprio currículo acadêmico.
Em pouco mais de 18 meses, Feder será o quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro. Primeiro nome a ocupar a cadeira nessa gestão, Ricardo Veléz Rodriguez também teve vida curta no cargo. Em abril de 2019, ele foi substituído por Abraham Weintraub.
Se Weintraub foi, de longe, quem teve mais tempo na área, sua gestão, em contrapartida, foi considerada desastrosa por especialistas. Em mais de um ano, ele se preocupou muito mais em colecionar polêmicas e atender aos anseios da ala ideológica do governo nas redes sociais do que desenvolver, de fato, algum projeto para o setor.
Feder é visto como um nome mais ponderado, capaz de acalmar os ânimos e restabelecer o diálogo perdido com todos os elos da Educação
Nesse contexto, Feder é visto como um nome mais ponderado, capaz de acalmar os ânimos e restabelecer o diálogo perdido com todos os elos da Educação. Inclusive, com o Congresso, um passo que é fundamental para evoluir em questões essenciais para o setor, como a aprovação do novo texto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Além dessa capacidade de criar essas conexões necessárias, Feder tem outras outras credenciais. Formado em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), já lecionou matemática, durante dez anos, e foi diretor de escola, por outros dez anos.
Em 2018, o empresário decidiu se dedicar integralmente à Educação. Ele se licenciou do cargo de coCEO na Multilaser e foi, naquele ano, assessor voluntário da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Já em 2019, ele assumiu a Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
(Atualização: no domingo, 5 de julho, Feder, em nota por seu Twitter, informou que havia recebido o convite para assumir o Ministério da Educação do presidente Jair Bolsonaro, mas que não aceitou o cargo, preferindo ficar à frente da Secretaria de Educação do Paraná)
Trajetória
A faceta mais conhecida de Feder, no entanto, é mesmo a de empresário. E essa trajetória, restrita a Multilaser, foi escrita a partir de uma tragédia. Fundador da então pequena empresa, Israel Ostrowiecki, desapareceu em maio de 2003, quando praticava mergulho na Costa Rica.
Além da perda, Alexandre, seu filho, tinha pela frente o dilema de encontrar uma saída para o negócio herdado do pai. Para superar esse desafio, propôs sociedade a Feder, seu amigo de infância. Os dois haviam estudado juntos desde a primeira série do ensino fundamental até o último ano de administração da FGV.
Feder, que na época trabalhava na companhia de informação de crédito Serasa, não tinha recursos para aceitar o convite. O acordo foi selado, no entanto, com um aperto de mão, a partir de uma proposta de Ostrowiecki: o novo sócio não desembolsaria nenhum centavo por sua fatia e eles só voltariam a falar sobre essa questão um ano depois.
A partir dali, a relação entre os amigos se mostrou afinada também no plano dos negócios. Da operação restrita aos cartuchos de impressão, a Multilaser evoluiu, gradativamente, para um portfólio extenso, de mais de 3,5 mil produtos, dividido em 11 marcas e sempre com um apelo tecnológico.
Hoje, a empresa vende praticamente de tudo. De celulares, notebooks e patinetes a brinquedos, aspiradores, balanças digitais e panelas elétricas. Além desse pacote amplo, que é renovado constantemente, o segredo da Multilaser passa por outras duas frentes desenhadas e executadas por Feder e Ostrowiecki.
A companhia investe em ofertas mais acessíveis, direcionadas, especialmente, às classes C e D. Para fechar essa equação, a empresa mescla a fabricação própria de produtos com itens importados da China, a partir de uma longa relação construída com os fornecedores locais.
Enquanto Ostrowiecki desbravou o país asiático, Feder superou outra fronteira: a resistência dos varejistas, especialmente os de grande porte, a uma marca nacional e, ainda por cima, totalmente desconhecida, em um segmento no qual as multinacionais impõem o seu domínio nas prateleiras.
Os números provam que eles foram bem-sucedidos. Além de faturar mais de R$ 2 bilhões, a Multilaser está presente em mais de 50 mil pontos de venda no País, além de ter uma loja própria, em São Paulo.
Além de faturar mais de R$ 2 bilhões, a Multilaser está presente em mais de 50 mil pontos de venda no País, além de ter uma loja própria, em São Paulo
Nesse caminho, os projetos da dupla também extrapolaram os limites da Multilaser. Dois deles, em especial, se relacionam com o novo ambiente no qual Feder irá transitar caso seja confirmado como novo ministro da Educação.
Em 2012, eles lançaram o portal Ranking dos Políticos, iniciativa que acompanha a vida dos parlamentares em Brasília, a partir de dados públicos e do cruzamento de informações como a votação em projetos relevantes, assiduidade no Congresso e uso da verba de gabinete.
Já em 2016, a dupla lançou a startup de educação Aluno 10, com um aporte de R$ 3 milhões. A proposta era oferecer aos estudantes plataformas de aprendizado personalizado e aulas particulares por preços acessíveis, disponíveis também no modelo de assinatura.
A empresa chegou a ter cinco unidades em São Paulo e tinha um plano de expansão desenhado no modelo de franquias. O negócio, no entanto, não decolou e a startup fechou suas portas pouco tempo depois.
No setor público
Longe da iniciativa privada há dois anos, um dos traços que marcam a gestão de Feder como secretário de educação no Paraná é a aposta em tecnologia. Essa característica foi ressaltada com a Covid-19.
Um dos projetos criados no período foi o Aula Paraná, sistema de ensino a distância que inclui recursos como um aplicativo com pacotes gratuitos de conexão 3G e 4G, aulas virtuais via Google Classroom e transmissão das aulas em canais de televisão aberta e no YouTube.
Segundo dados da Secretaria, o sistema já é usado por mais de 1 milhão de alunos da rede pública estadual e o projeto atingiu a marca de 2 mil aulas gravadas, além de 23 milhões de visualizações em seu canal no YouTube.
Alguns pontos defendidos por Feder na área de educação nos últimos anos prometem alimentar, no entanto, mais discussões e polêmicas caso ele assuma a pasta.
Os principais alvos de desconfiança de parte do setor estão publicados no livro “Carregando o Elefante – Como transformar o Brasil no país mais rico do mundo”, lançado por ele em 2007, em parceria com Ostrowiecki.
No livro, entre outras questões, a dupla defende o fim do Ministério da Educação e a privatização de todas as escolas e universidades públicas, além do financiamento público à educação por meio de vouchers, um modelo que é alvo de muitas críticas de especialistas.
“Além do valor recebido do Estado, cada escola deveria ter autonomia para determinar o preço que quer cobrar adicionalmente à verba do governo”, afirmam Feder e Ostrowiecki, em um dos trechos do livro. “Ou seja, se determinada escola possui mais candidatos do que vagas, ela pode cobrar um valor adicional para que se estude nela. Usando-se esse valor adicional como regulador, a demanda pela escola em questão será ajustada para a oferta disponível.”
Em diversas manifestações desde a publicação do livro, em especial, desde que assumiu a Secretaria de Educação do Paraná, Feder já afirmou, no entanto, que não defende mais o modelo proposto no livro.
Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.