A despeito de segmentos como supermercados e farmácias, considerados serviços essenciais, boa parte do varejo, e em especial, as pequenas e médias empresas, tem sofrido com a Covid-19. Com a extensão e as incertezas da pandemia, o cenário, no entanto, começa a trazer sérios impactos também para grandes nomes do setor.
Nesta sexta-feira, a Restoque, varejista de moda dona de marcas como Le Lis Blanc, Dudalina e John John, protocolou um plano de recuperação extrajudicial na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. O acordo ainda está sujeito a homologação e será objeto de ratificação em Assembleia Geral de Acionistas, a ser convocada.
“O acordo abrange exclusivamente os credores financeiros da companhia (instituições financeiras e debenturistas), não envolvendo seus fornecedores, colaboradores ou quaisquer outros parceiros comerciais”, afirmou o grupo em fato relevante, que ressalta o “notório impacto” do coronavírus.
Segundo a empresa, o plano envolve o reperfilamento de uma dívida total de R$ 1,5 bilhão, por meio da emissão de debêntures. A Restoque terá carência de 12 meses, a partir da homologação, para iniciar o pagamento de juros. Já o pagamento das parcelas do valor principal é proposto começará em junho de 2023. A iniciativa contempla ainda um aumento de capital de R$ 150 milhões, até o fim de 2021.
Em dezembro passado, os acionistas da companhia já haviam realizado um aumento de capital no valor de R$ 258,8 milhões. Apesar do fôlego inicial com a medida, com a chegada da Covid-19 e a adoção das quarentenas pelo País, a empresa viu seu faturamento ser reduzido em mais de 95%.
Com o anúncio desta sexta-feira, as ações do grupo registravam queda de mais de 13% no fim da manhã. E estavam sendo negociados com queda de 10,2% por volta das 15h. A empresa está avaliada em R$ 523 milhões.
Modelo em xeque
Com essa queda intensa, é fato que a pandemia causou estragos e colocou a Restoque em uma situação financeira crítica. Mas a tese proposta desde que o grupo começou a ser estruturado e a evolução desse modelo, na prática, também ajudam a explicar o momento difícil da companhia.
Fundada em 1982, a Restoque foi incrementando seu portfólio com marcas de moda premium nos anos seguintes. Em 1988, a companhia lançou a Le Lis Blanc. A partir de 2008, com a abertura de capital, a empresa mostrou seu apetite por consolidação. Os movimentos incluíram passos como a Bo.Bô, em 2009, a John John, em 2012; e a Dudalina e a Rosa Chá, em 2014.
Com o anúncio, as ações da empresa recuaram mais de 13% na manhã desta sexta-feira
Para Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese, a Restoque, assim como a InBrands, dona de marcas como Ellus e Richards, foi uma tentativa de consolidar o mercado de moda premium no Brasil que não funcionou. Ao menos, não até o momento. E muito por conta de nuances desse segmento.
“A tese de reunir marcas, compartilhar estrutura, com capital, gestão profissional e extrair sinergias é verdade até certo ponto”, diz Serrentino. “Mas em um nicho que tem um peso artesanal, de volumes menores, você não consegue ganhos de eficiência naquilo que é, de fato, fundamental no negócio.”
Ele cita ainda alguns fatores que agravaram a concretização desse modelo, como a crise econômica, a partir de 2015 e os conflitos entre a visão de investidor, de acionistas como as gestoras Advent e Warburg Pincus, e a dos fundadores das marcas adquiridas pelo grupo.
Atualmente, Marcelo Faria de Lima, com 26,1%, e Marcio da Rocha Camargo, com 18,2%, são os maiores acionistas do grupo. Warburg Pincus e Advent têm, respectivamente, 16,2% e 15,8% na operação.
“Além disso, marcas como Le Lis Blanc e Dudalina esticaram demais a corda, com uma expansão muito agressiva”, observa. “O mercado brasileiro premium é pequeno e não tem essa capacidade de absorção. Com a crise, em 2015, vieram os ajustes.”
Hoje, a Restoque tem uma rede de 255 lojas próprias, 31 outlets e 5 mil lojas multimarcas, com presença em 1,3 mil cidades. Em 2019, o grupo deu início a uma estratégia com o objetivo de readequar frentes como o alinhamento de produtos e coleções, e os conflitos de canais.
Em 2019, a Restoque reportou uma queda de 23,3% na receita líquida, para R$ 954 milhões, e um prejuízo de R$ 192,9 milhões
Com o movimento, a empresa reportou uma queda de 23,3% na receita líquida em 2019, para R$ 954 milhões. E um prejuízo de R$ 192,9 milhões, contra um lucro líquido de R$ 103,4 milhões, um ano antes. Apesar disso, o grupo destacou números contabilizados no quarto trimestre como um bom indicativo para 2020. Entre eles, um crescimento de 177% no faturamento do canal online.
A Covid-19 colocou, no entanto, qualquer evolução dessa recuperação em xeque. Ou, no mínimo, em modo de espera. Desde março, a Restoque tomou medidas como o congelamento dos investimentos e a redução dos salários da área administrativa e da diretoria, entre 25% e 40%.
“A empresa estava dando sinais positivos, mas a categoria de moda é uma das mais sacrificadas com a pandemia”, diz Serrentino. “Esse plano de recuperação vai dar fôlego para navegar nesse período, mas o desafio é a retomada do consumo no pós-crise, que não será imediata.”
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