Brasília - Integrantes do Ministério de Minas e Energia passaram as últimas 48 horas analisando 598 emendas à MP 1.300/25, a medida provisória com as diretrizes de uma reforma do setor elétrico.

A partir de um trabalho de garimpagem, a cúpula do ministério começou a separar emendas que, na avaliação do governo, devem ser incorporadas ao texto, ampliando e melhorando a MP, que foi apresentada no Congresso em 22 de maio.

Entre as medidas a serem negociadas, segundo apurou o NeoFeed, estão a que cria a figura do armazenador de energia; a que estabelece limite para o custeio de subvenções econômicas por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); e a que permite o uso de recursos do Fundo Social e de participações especiais do petróleo para custear a tarifa social de energia.

O Ministério de Minas e Energia vai tentar manter o texto principal, incluindo aí uma proposta de consenso para ampliar a tarifa social. Empresas do setor e grandes consumidores de energia, porém, criticaram a política implementada para a indústria por considerar que o custo da energia deve aumentar em 20%, influenciando preços de produtos da cesta básica para o consumidor.

Entre as medidas centrais do texto, que o governo não pretende abrir mão, está a que estabelece limite para contratação de energia via autoprodução, alvo de críticas do setor de data centers. O ministério deixou de fora alguns itens, como o de geração distribuída (GD), para serem amarrados nos debates da MP no Congresso.

Em entrevista ao NeoFeed, Fernando Colli, secretário executivo-adjunto do Ministério de Minas e Energia, defendeu a medida provisória e disse que durante a tramitação da MP o governo vai abrir negociação.

Doutor em sistemas energéticos pela Unicamp e servidor concursado da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Colli detalha os aspectos mais importantes da MP a seguir:

Fernando Colli, secretário executivo-adjunto do Ministério de Minas e Energia
Fernando Colli, secretário executivo-adjunto do Ministério de Minas e Energia

Quais os pontos de avanço na MP do setor elétrico, para além do aumento de faixa da tarifa social, algo que parece de consenso entre empresas, governo e oposição?
O primeiro ponto é a abertura de mercado. Os consumidores de energia elétrica podem fazer a escolha do seu suprimento. Na telefonia, a gente escolhe a operadora. Na saúde, o plano. Nas finanças, qual banco operar. Mas para a energia elétrica, não tem escolha. É só a distribuidora que a gente está conectado para compra de energia com a demanda declarada pelo Estado. Então, a abertura do mercado de energia vai trazer a possibilidade para quem está na baixa tensão – a grande maioria dos consumidores, incluindo pequenos comércios, pequenas indústrias – poder escolher o suprimento de energia.

Como assim?
Essa competição vai trazer eficiência, um preço mais barato para a indústria que, no fim das contas, apresentará um preço mais barato de produtos, de serviços e da própria energia, porque o consumidor residencial também vai poder escolher seu suprimento. Isso sem nenhuma medida de política na base da canetada. Só com a abertura do mercado, deixando o mercado livre para agir de maneira proporcional à competição e ao benefício para a população.

Como isso vai funcionar?
Aqueles que consomem muito já podem livremente escolher seu fornecedor de energia elétrica. Uma grande indústria, um grande supermercado, um shopping center, um comércio que consome muita energia elétrica, já pode escolher isso há quase duas décadas. A lei que permitiu a abertura do mercado é de 1995, tem 30 anos. Quem não pode ainda são os pequenos.

Há cálculos de um aumento de 20% no custo de energia para a indústria, influenciando o preço de itens de cesta básica. Isso é fato?
No Brasil, em 2024, temos 450 mil consumidores industriais. Desses, arredondando aqui, 390 mil estão na baixa tensão e que hoje não podem escolher seu supridor de energia elétrica. Então, para esses 390 mil, a tendência é que a tarifa diminua. O que acontece com os grandes? Eles já puderam escolher no passado. Então, não têm esse benefício agora. No nosso ponto de vista, a gente está melhorando a condição da indústria, uma vez que estamos dando benefício para mais de 390 mil unidades consumidoras industriais para fazer aquilo que as grandes já fizeram.

"No Brasil, temos 450 mil consumidores industriais. Desses, arredondando aqui, 390 mil estão na baixa tensão e que hoje não podem escolher seu supridor de energia elétrica"

Mas os grandes consumidores então terão aumento na conta?
Até 2016, teve um encargo setorial chamado CDR (Conta de Desenvolvimento Energético). Esse encargo é de R$ 40 bilhões por ano. Ele serve para pagar diversas coisas, como a tarifa da população de baixa renda, a tarifa para universalizar o serviço de energia elétrica. Até 2016, todos pagavam na proporção do seu consumo de energia. Então, quem consumia muito pagava na proporção do seu consumo. Em 2016 foi publicada uma lei, a de nº 13.306, que dizia o seguinte: "Olha, a proporção do consumo até 2030 vai ser da seguinte maneira: os consumidores da alta tensão vão pagar 1/3 dos encargos dos que pagam a baixa tensão. E os consumidores da média tensão vão pagar 2/3 do que paga aquele de baixa tensão. E até 2030, eu vou ter uma transição”. Eu estou aqui em 2025, no meio dessa transição.

Como vai ficar agora?
O que afeta a indústria é que nós estamos mudando essa regra, estamos fazendo assim: “Olha, não faz muito sentido dividir o encargo por classe de tensão”. Vamos pegar um supermercado grande, um atacadista, por exemplo. Ele está possivelmente na média tensão. Agora vamos pegar um mercadinho do lado da minha casa: está na baixa tensão. Faz sentido o mercado que está na média tensão vender mais barato seus produtos porque ele tem escala maior do que o mercadinho que está lá no fundo da minha casa. Só que não faz sentido ele pagar menos encargo do que o mercadinho da vizinhança porque ele está na média tensão. Então, esse é o nosso ponto de vista, um erro de distribuição do encargo, que até 2016 estava no caminho correto. E essa transição aqui está sendo distribuída de uma maneira errônea.

E vai ter uma transição, certo?
Não pode fazer isso da noite para o dia. Então, fizemos uma transição maior ainda do que essa. Vamos terminar isso em 2038. vamos manter as regras atuais até 2029. E, depois, até 2038, teremos uma regra de transição, para que a gente chegue a uma regra que a gente já tinha em 2016, sem surpresas.

Especialistas advertem que o texto da MP, se aprovado como está, pode afetar a política nacional de data centers. Isso porque os projetos de data centers que estão entrando no país querem usar modelos de contratação de energia via autoprodução por equiparação, para evitar pagar pelos encargos do setor elétrico.
A autoprodução existe no País há 30 anos, ela foi feita da seguinte maneira: uma grande indústria precisava de energia. Então, ela mesmo construía seu suprimento de energia. Como ela produzia sua própria energia, ela não pagava os encargos do setor. Com o tempo, foram feitos novos negócios que fugiram ao modelo de autoprodução, que era o seguinte: um produtor independente de energia ia para o consumidor que não produz energia e falava assim: "Olha, consumidor, eu construí a usina, só se você comprar umas ações superpreferenciais minhas, você fica com parte da minha usina e aí você é um autoprodutor e você deixa de pagar uma parcela de encargos".

A interpretação foi equivocada?
Fizeram uma interpretação da lei que fugiu do conceito natural de autoprodutor em que um gerador puro e simples, nato, construía sua usina e ia buscar consumidores para virar “autoprodutores” entre aspas. E aí esse conceito, principalmente nos três, quatro últimos anos, se multiplicou de maneira muito vigorosa.

O que o governo está fazendo agora com a medida provisória?
A gente está retomando o conceito de autoprodução. No caso dos data center, se ele quiser ser um autoprodutor, ele vai poder, porque ele consome mais do que esses 30 MW. Então, se ele quiser, por exemplo, construir sua própria solução de suprimento, ele poderá ser um autoprodutor, porque ele está no conceito original e de autoprodução. Ele não é um consumidor pequenininho que se consorcia com um gerador para virar um autoprodutor.

Mas a questão é que esse empresário que está montando um data center vai ter um custo maior no momento em que o governo está estimulando a construção de data centers.
Ele vai continuar sendo um autoprodutor, desde que ele construa sua solução.

Sim, mas aí ele vai ter que construir, gerando gastos para o investimento inicial.
A outra solução que ele tem é comprar no mercado, ele vai poder escolher. Tem um prazo para que ele busque a autoprodução, uma transição. Mas ele tem que estar adiantado, pois tem um prazo de 60 dias para o anúncio e 24 meses para entrar em operação.

Os senhores já se dedicaram às quase 600 emendas apresentadas na tramitação da MP do setor elétrico?
Vamos analisar todas e avaliar aquelas que a gente entende que de fato se incorporar à MP, que vai ter ganho. E nossa expectativa é que a gente leve esse debate assim que o relator for escolhido para cuidar da matéria. Tem emendas boas que talvez sejam incorporadas à MP.

"Vamos analisar todas (as emendas) e avaliar aquelas que a gente entende que de fato se incorporar à MP, que vai ter ganho"

Mas têm emendas que desvirtuam a MP?
A gente também vai fazer nossos próprios cálculos, levar junto ao relator e demonstrar. “Se essa emenda passar, em vez da gente ter um benefício com nossa medida provisória, pode ser que a gente tenha um malefício.” Então, a gente pretende calcular todas. E levar esses cálculos ao relator.

A MP não trata de um dos problemas que vêm causando prejuízos a geradores de energia eólica e solar – o curtailment, os cortes de geração renovável pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para não sobrecarregar o sistema. O objetivo é deixar esse tema para ser negociado na tramitação da MP?
Nós fizemos um grupo de trabalho no Ministério de Minas e Energia para cuidar disso. Então, por isso que não está na medida provisória. Estamos estudando. Aqui temos várias frentes. A primeira é como tratar isso do ponto de vista de operação, ou seja, se tenho demanda, mas o problema é escoamento, consigo uma forma de operar o sistema para que essa energia seja enquadrada. O segundo, esgotadas as opções de operação, pretendo expandir na infraestrutura de linha de transmissão para que não tenha esse problema no futuro. Mas de qualquer forma tem emendas que tratam desses cortes. Então, é possível dizer que esse tema estará na tramitação.

Se a MP não for aprovada, a nova tarifa social continua vigente?
Não, volta a tarifa social antiga. Não tem jeito.

Diante do crescimento desenfreado da geração distribuída, por que o governo não aproveitou a MP para tentar equilibrar a situação?
Tivemos várias emendas sobre geração distribuída e a gente pretende debater isso com o relator também. Mas a opção foi a gente deixar esse espaço para o Legislativo trabalhar. Foi uma opção.

Como a MP 1300 afeta o mercado regulado e consequentemente o negócio das distribuidoras?
Na nossa visão em nada, as distribuidoras têm uma remuneração garantida e regulada pela Aneel e assim continua sendo. A função da distribuidora é distribuir energia dentro dos parâmetros regulatórios de qualidade da agência reguladora. Assim continua sendo. Então, a medida provisória não muda nada nisso.

Como fica a questão do fim do “desconto no fio” para quem compra de energia renovável?
Hoje, quem compra de energia renovável, o empreendedor de energia renovável, o eólico e o solar, tem um benefício de 50% de desconto na geração para acessar o sistema, que a gente chama de transmissão e distribuição, para onde ele vai colocar energia. E quem compra dele, o consumidor, também tem 50% de desconto para acessar esses sistemas. Esse desconto do consumidor é responsável por R$ 10 bilhões da conta da CDE. A gente está dizendo o seguinte: "Olha, consumidor, nós vamos respeitar todos os contratos que eu tenho com esse gerador. Mas, acabado, você não terá mais esse 50% de desconto”.

Qual é o benefício?
Essa medida é vigorosa no sentido de reduzir o encargo setorial. Porque ao final de todos os contratos, ela vai é tirar 25% do encargo setorial da CDE. A gente está respeitando os contratos, com a segurança jurídica e a segurança regulatória, mas a gente entende que hoje esse desconto não é mais necessário ao consumidor e está dando um encargo muito alto.