O governo Lula comprou a ideia de um plano de gratuidade universal no transporte urbano de ônibus e trens, no que pode ser mais uma bandeira eleitoral, após a aprovação da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Três ministérios aceleram a análise sobre oportunidades e riscos do projeto, que chega a R$ 90 bilhões por ano: Fazenda, Cidades e Desenvolvimento.
Entre uma bandeira de campanha do próximo ano e mais uma bomba fiscal nas contas públicas, os governistas buscam alternativas para tirar o plano do papel de maneira urgente a ponto de se discutir a implantação da política pública por medida provisória.
O NeoFeed obteve detalhes do projeto a partir de entrevistas com consultores legislativos, empresários do setor e com o próprio autor da ideia, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), responsável por convencer Lula a bancar a ideia, defendida por petistas.
Tatto é ex-secretário municipal de Transportes de São Paulo na gestão do então prefeito Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda. Durante uma viagem com o presidente entre Sorocaba (SP) e Brasília, em agosto, o deputado conseguiu fazer com que Lula pedisse à equipe econômica um trabalho sobre a viabilidade da proposta.
Não é tão simples dar transporte e ônibus de graça. Primeiro pelo próprio custo. Depois pela amarração jurídica do texto. A partir da Constituição, a responsabilidade pelo transporte público é de estados e municípios. A mudança legislativa para entrada do governo federal no tema teria de ser feita por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), com trâmite mais lento.
Ao NeoFeed, entretanto, Tatto disse acreditar que é possível a edição de medida provisória, uma ação infraconstitucional, de aplicação imediata, e que poderia ser amarrada a partir de um projeto de lei, com aprovação mais simples no Congresso Nacional.
Tatto será o relator da comissão especial que vai tratar do tema paralelamente na Câmara. O deputado defende que a adoção da gratuidade nos transportes seja comparável ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, que, no início, seja feita por adesão dos municípios, que se habilitariam a adotar a tarifa zero com o governo federal.
O primeiro obstáculo é a falta de exemplos no Brasil de como uma tarifa zero poderia funcionar. Apenas 154 cidades adotam a gratuidade parcial ou universal nos transportes, mas apenas 12 delas com mais de 100 mil habitantes.
Dos 135 municípios com gratuidade todos os dias, mais de 60% têm menos de 50 mil habitantes. Experiências nas capitais, como São Paulo e Brasília, são pontuais e só ocorrem até aqui aos fins de semana, o que não serve como exemplo.
“A proposta reconhece a importância do transporte público coletivo como serviço público essencial, o direito de ir e vir. Então, o mérito é muito grande”, diz Marcos Bicalho, diretor de Gestão da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbanos (NTU).
Bicalho alerta, porém, sobre a necessidade de segurança jurídica da proposta. “Temos aí milhares de contratos de concessão em andamento assinados com prefeituras, com os estados. É preciso que isso seja levado em conta, por exemplo.”
A própria adoção do modelo de tarifa zero por MP é uma preocupação. “As experiências mostram que sistemas únicos têm que estar na Constituição Federal, caso contrário acabam não tendo força. Veja o caso da PEC de Segurança Pública, que está na Comissão de Constituição e Justiça para avaliar a própria constitucionalidade da matéria.”
A NTU calcula que os gastos para a tarifa zero cheguem a R$ 75 bilhões para os ônibus e outros R$ 15 bilhões para trens, mas que não daria para implementar um modal sem a adoção do outro. “E aí se abre a discussão sobre as fontes de recursos para que o governo consiga manter o equilíbrio e as empresas possam receber o dinheiro dos contratos.”
A principal medida que está na mesa de Haddad para avaliar a tarifa zero é destinar parte da arrecadação da Cide-Combustíveis para contribuir com o transporte gratuito. Tatto por sua vez acredita na possibilidade de outras medidas, como um fundo para depósitos dos vales-transportes atuais pagos por empregadores.
O deputado também acredita no financiamento por fundos ambientais internacionais. “As soluções serão apresentadas, a tarifa zero é uma política necessária, implementada em outros países. É preciso entender que o usuário hoje paga duas vezes, com a passagem diária e com os impostos”, afirma Tatto.
Tatto defende também um cálculo sobre incentivos e renúncias fiscais para setores empresariais para destinar os recursos para o plano da tarifa zero e repasses de tarifas de empresas de estacionamento e pedágios. O deputado, porém, diz que o custo inicial da proposta não deve ser de R$ 90 bilhões.
“Não deve começar com esse valor, afinal não estamos ainda falando em todo o país, teremos inicialmente o processo de adesão, mas claro que cidades que não aderirem no início acabariam aderindo pela própria força e viabilidade da ação”, afirma Tatto.
A questão que fica é se a tarifa zero significa a melhora do serviço de transportes, em parte das cidades precário. É uma pergunta ainda sem resposta.