Era a virada de 2019 para 2020. Na época, após estudar sobre a produção de alimentos em ambientes controlados, Diego Gomes começou a testar o conceito, a partir de um contêiner, em uma parceria com a Embrapa. A tese foi validada e rendeu como fruto a 100% Livre, startup de fazendas urbanas.
A empresa entrou em operação no início de 2021 e, em fevereiro de 2022, recebeu sua primeira injeção de capital externo, com um aporte de 10 milhões da BMPI Venture, braço de venture capital da BMPI Infra.
Prestes a completar um ano desse cheque, a 100% Livre prepara o terreno para um ciclo agressivo de crescimento. A nova safra inclui a expansão nas áreas de produção, distribuição e de portfólio. E passa pelas negociações, já em andamento, para uma nova captação.
“Colocamos nosso modelo em pé e ampliamos nossas parcerias com o varejo. Agora, é hora de ocupar o Brasil”, diz Gomes, ao NeoFeed. “O plano é captar R$ 45 milhões para aplicarmos em mais nove fazendas, até 2024.”
Hoje, a 100% Livre já tem uma primeira fazenda vertical em operação no bairro paulistano do Ipiranga, cuja receita ajudará a financiar parte da expansão projetada. Com 200 metros quadrados e 10 metros de pé direito, a unidade produz metade de sua capacidade mensal de 70 mil embalagens.
A cesta da startup tem diferentes tipos de alface (crespa, lisa, romana, mimosa, roxa e americana), escarola e temperos como salsinha, hortelã, sálvia, tomilho e manjericão. Em breve, esse leque terá outros itens já desenvolvidos e testados: morangos, tomates, cerejas, blueberry e mini-pimentão.
A 100% Live não partirá do zero dessa nova etapa de crescimento. Localizada em uma área de 1,5 mil metros quadrados e com um pé direito de 18 metros, uma segunda instalação, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, está sendo estruturada e já abriga o laboratório da startup.
Além dessa unidade, o investimento passará por fazendas no Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Recife e Fortaleza. Concluído esse plano, no fim de 2024, a capacidade produtiva chegará a 1,3 milhão de embalagens por mês.
Ao frisar que, como o agronegócio brasileiro, a 100% Livre “precisa trabalhar com grandes números”, Gomes lança mão de alguns indicadores da sua fazenda no Ipiranga para realçar as diferenças entre o modelo da startup e na comparação com os produtores convencionais.
A começar pelo fato de que os produtos não têm agrotóxicos e requerem 60% menos de fertilizantes. Em outro dado, diz ele, para produzir uma cabeça de alface, os produtores tradicionais usam 40 litros de água, contra 1,1 litro da companhia.
A partir de recursos como diferentes tipos de iluminação, os ciclos de produção da startup são de 30 dias, contra uma média de 60 dias no modelo padrão. E, segundo Gomes, para chegar ao volume produzido nessa primeira fazenda, seria preciso uma área de 15 mil metros quadrados no campo.
Ele ressalta ainda que as fazendas urbanas estão mais próximas do varejo e de boa parte dos consumidores. O que permite, inclusive, cortar intermediários na cadeia e, de quebra, trazer benefícios em outra frente.
“Para trazer um caminhão de alface do cinturão verde, no interior de São Paulo, ao Ceagesp, você emite, em média, mais de 130 kg de CO²”, ilustra. “Nós estamos a 10 quilômetros do Ceagesp e emitimos 10 kg de CO² nesse transporte.”
Atualmente, no varejo, além do Ceagesp, os produtos da 100% Livre estão presentes em mais de 130 lojas em São Paulo, de redes como Carrefour, Mambo, Hirota, Natural da Terra e, mais recentemente, O Dia.
A novata também começou a expandir sua distribuição para redes de hotéis, via revendedores do Ceagesp, e de restaurantes. Nessa última frente, também em São Paulo, a empresa já fornece para clientes como a Bráz Pizzaria e Nino Cucina & Vino.
A companhia investe ainda no formato de clube de assinatura, com entregas diretas aos consumidores. Os planos são semanais e, com diferentes opções de produtos e volume, variam de R$ 29 a R$ 80.
Mais recentemente, o negócio ganhou uma nova linha de receita, a partir da instalação de um laboratório em Osasco, que entrou em operação com o desenvolvimento e o cultivo de variedades de lúpulo para a Ambev. E já existem outros projetos no radar para movimentar essa estrutura.
“Temos quatro negociações encaminhadas em áreas como fármacos, de extratos vegetais e de cosméticos”, conta Gomes. “Essa parte de pesquisa tem um potencial relevante dentro da receita futura da operação.”
Campo fértil
Com a perspectiva de fechar a nova captação em cerca de dois meses, a 100% Livre mantém negociações com fundos brasileiros e veículos estrangeiros que operam no País. E ressalta que, nessas conversas, ainda não tem sentido um reflexo do momento de maior restrição nos cheques.
“Nós vimos, de fato, valuations um pouco ‘malucos’ de tecnologia”, afirma. “Mas como estamos no agronegócio, nunca vivemos essa questão de alguém investir uma fortuna em um power point. Estamos num mercado real, de primeira necessidade, já produzimos e nosso modelo é mais tangível.”
Em linha com essa visão, as fazendas urbanas têm se mostrado um campo fértil para aportes. No Brasil, um dos nomes ao lado da 100% Livre é a Pink Farms que, em novembro de 2022, captou R$ 15 milhões em uma rodada com a participação de fundos da SLC Ventures, braço de investimentos da SLC Agrícola.
Há muito mais exemplos, porém, fora do País. É o caso da alemã Infarm, unicórnio que já levantou US$ 604,5 milhões. Nos Estados Unidos, uma expoente é a AeroFarms, que esteve em vias de abrir capital, por meio da fusão com uma special purpose acquisition company (SPAC).
Ainda em solo americano, também se destacam a Plenty, que já atraiu US$ 941 milhões de investidores como Softbank e Walmart. E a Bowery, que tem nomes como Temasek, General Catalyst e o piloto Lewis Hamilton em seu captable, com um total de US$ 646 milhões em aportes.