Primeiro, a boa notícia. Ao longo do ano, as empresas cofundadas por mulheres levantaram US$ 38 bilhões junto aos capitalistas de risco, em 3.503 transações. O dinheiro reponde por 15,4% de todos os aportes de venture capital (VC), o maior desde 2017.
Agora, a má notícia. As startups criadas apenas por mulheres receberam US$ 4,3 bilhões dos capitalistas de risco, em 922 acordos – o equivalente a somente 2% do total de cheques, o menor desde 2016, informa a consultoria americana PitchBook, no estudo “All In: Female Founders in the US VC Ecosystem”.
Ao que tudo indica, porém, o futuro tende a ser mais igualitário. 2022 foi o ano da desaceleração global dos financiamentos de VC. O terceiro trimestre, segundo o Crunchbase, totalizou US$ 81 bilhões – 33% a menos do que o registrado nos três meses anteriores e um volume 53% menor em comparação a 2021. Frente à queda, muitos se perguntam: “Para onde vão os capitalistas de risco em 2023?”
Para vários analistas, eles vão mirar nos negócios liderados pelas mulheres. Dominado por homens brancos, aos poucos, o ecossistema de VC começa a perceber que deixá-las de fora das carteiras de investimentos não é uma boa ideia.
As empresas tocadas por mulheres tendem a ser mais resilientes e oferecer melhores retornos. E isso não é conversa de feminista, não. São dados colhidos por institutos de pesquisa e consultorias, ao redor do mundo.
Com o mesmo acesso à educação e mercado de trabalho que os homens, as mulheres poderiam injetar cerca de US$ 20 trilhões ao PIB global, até 2050, indica levantamento da Bloomberg Economics, divulgado em agosto do ano passado.
“Empoderar e capacitar as mulheres para participar plenamente na economia moderna acenderia a chama do crescimento global”, escrevem os economistas Adriana Dipita, Abhishek Gupta e Tom Orlik, no relatório “Quer adicionar US$ 20 trilhões ao PIB? Empodere as mulheres”. Para o trabalho, foram avaliados o ecossistema de inovação de 36 países desenvolvidos e emergentes.
Outra pesquisa, essa do Boston Consulting Group (BCG), mostra que as startups femininas produzem receitas anuais 12% maiores, com um terço a menos de capital, do que as empresas masculinas.
Para cada dólar investido, elas devolvem 78 centavos de dólar aos investidores. Eles, 31 centavos de dólar. A desigualdade, como se vê, não atrasa apenas as mulheres, mas a economia também. Mas, apesar das evidências científicas, elas continuam em desvantagem. Globalmente, apenas 2% dos aportes de VC são feitos em startups fundadas e lideradas por mulheres.
No Brasil, o cenário é ainda pior. As 4,7% empresas de inovação lançadas exclusivamente por mulheres receberam apenas 0,04% do total de investimentos de 2020. Os dados são da pesquisa “Female Founders Reports”, conduzido pela Distrito, em parceria com a Endeavor e a B2mamy.
Nos últimos anos, várias iniciativas de apoio ao empreendedorismo feminino visam a diminuir o abismo entre elas e eles. Empresas de investimentos, incubadoras e aceleradoras focam na alavancagem de startups capitaneadas por mulheres.
Em 2019, por exemplo, a Microsoft Participações lançou o WE Ventures, o primeiro fundo destinado a mulheres na área de tecnologia e inovação da América Latina.
Em parceria com o Sebrae Nacional e a M8 Partners e em associação com a Bertha Capital, o programa da Microsoft, até agosto passado, já havia captado R$ 60 milhões e beneficiado oito startups. Os aportes vão de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões, com a participação de grandes companhias como a Porto Seguro e a Suzano.
Uma das vozes mais ativas em defesa da inclusão das mulheres (e dos grupos minorizados) no portifólio de VC é o movimento americano Zebras Unite, criado por quatro empreendedoras da economia 4.0.
No manifesto “As zebras consertam o que os unicórnios quebram”, lançado em 2017, na plataforma Medium, elas clamam por negócios mais éticos, inclusivos e colaborativos – e menos agressivos.
Diferentemente dos unicórnios, seres míticos, representantes das companhias de alavancagem acelerada e valuation acima de US$ 1 bilhão, explicam, as zebras são reais, mutualistas e cooperativas. Hoje, o movimento está em sete países e conta uma comunidade online de cerca de 9 mil pessoas.
A queda dos investimentos de VC e do número de unicórnios em 2022 é apontado por muitos analistas como o ano do acerto de contas para a indústria de capital de risco. Outros o definem como o ano em que a festa acabou. Será 2023 o ano das zebras?