Se depender do interesse de seus investidores e a experiência de sua equipe, uma pequena startup da cidade americana de Medford, no Oregon, promete revolucionar a indústria de jogos para celular, avaliada em US$ 184,4 bilhões – e prevista para atingir US$ 775,7 bilhões, em 2032.

Fundada em 2020, pela cientista política Jess Murrey e pela cientista comportamental Alicia Clifton, a Wicked Saints ainda nem lançou oficialmente seu World Reborn e já vem atraindo financiamentos milionários, de grandes players do setor.

Primeiro videogame a combinar aventura e ativismo, o título está sendo testado por um pequeno grupo de jovens, no Canadá (a versão final deve ser apresentada nos Estados Unidos em apenas 18 meses). Mesmo assim, a gametech acaba de levantar US$ 3,6 milhões, em uma rodada coliderada pelo Oregon Venture Fund e pela Riot Games (criadora do League of Legends), da gigante chinesa Tencent. Com o dinheiro de agora, o total financiado sobe para quase US$ 5 milhões.

Além da proposta inédita do projeto, o time da Wicked Saints funciona também como um tremendo chamariz. Exceção feita às fundadoras, a maioria esteve envolvida no desenvolvimento de games históricos, como Angry Birds, Entergalactic, Love, Death & Robots, The Walking Dead e Spiderman Metaverse, entre outros.

A CTO da startup de Medford, por exemplo, é a engenheira de software Daphne Larose-Molapo. Eleita, em 2018, uma das “50 Top Women in Tech”, pela revista Forbes, como gerente de desenvolvimento da Niantic Labs, ela liderou, em 2016, a criação do jogo-sensação Pokémon Go.

O World Reborn se passa em um mundo distópico, pós apocalíptico. Baseado na tecnologia de realidade aumentada e criado para a geração Z, o jogo pretende desenvolver as habilidades pessoais de seus usuários e utilizar o conhecimento adquirido no metaverso da gametech para criar um impacto tangível no mundo real, explica Jess, em comunicado. Os desafios vão de conflitos humanitários a problemas ambientais, abordando questões relacionadas à diversidade e inclusão.

“A visão de Wicked Saints para World Reborn não é apenas uma nova maneira de jogar, é uma nova maneira de aprender e crescer”, diz Jake Perlman-Garr, chefe de desenvolvimento corporativo da Riot Games. “Mais do que apenas um jogo é um movimento para capacitar os usuários a fazer a diferença no mundo.”

Parcerias corporativas

A gametech de Jess e Alicia propõe ainda um modelo de negócios pouco usual na indústria de videogames. Em vez de recorrer aos anúncios tradicionais, elas pretendem monetizar a empresa por meio de parcerias corporativas. A ideia é fazer algo semelhante à colaboração entre a Niantic e a Starbucks.

Jess Murrey World Reborn
Jess Murrey, CEO da gametech World Reborn

Sete anos atrás, no auge da febre do Pókemon Go, a desenvolvedora do game e a rede de cafeteria se juntaram e transformaram as lojas da franquia em PokéStops - aqueles pontos no mundo real, nos quais os jogadores (ou “treinadores”, como eram chamados entre os fãs da brincadeira) podiam coletar itens e recompensas virtuais.

As inovações da Wicked Saints, entretanto, vão além da promessa de pioneirismo do World Reborn. Os US$ 3,6 milhões arrecadados recentemente colocam a CEO Jess naquele grupo raríssimo de mulheres negras, líderes de empresas de tecnologia, que levantaram mais de US$ 1 milhão em financiamentos. Na indústria global de games, então... Apenas 2% de sua liderança é negra, ainda que os usuários negros sejam a maioria.

O abismo se repete no gênero. Os “donos” do game são majoritariamente homens brancos, mas as mulheres compõem, pelo menos, 50% da massa de jogadores. Dos jogos para celular, elas são as grandes fãs, diz a CEO da Wicked Saints, em vídeo para o projeto “Bulit by Girls”, organizado pela plataforma Yahoo Finance.

Nos quadros da startup, as mulheres somam 75%; os negros, 50%; e as pessoas LGBTQIA+, 75%. A diversidade acaba, naturalmente, migrando para o universo do World Reborn, o que serve de grande atrativo para a genZ –menos da metade dos nascidos entre 1995 e 2010 se identifica como heterossexual, indicam pesquisas internacionais.

"Adoro que o personagem principal padrão não seja branco e que eu possa escolher um interesse amoroso não binário. Esta é a primeira vez que isso acontece”, atesta @Ravencloud, de 17 anos, uma das “cobaias” da Wicked Saints, no chat da comunidade do jogo, na internet. “Embora possa não parecer grande coisa, para mim, é um grande avanço.”

World Reborn game
Personagens pouco usuais atraem a geração Z para o World Reborn

Jess e Alicia, atual COO, se conheceram quando trabalhavam na ONG Search for Common Ground, indicada ao Nobel da Paz, de 2018. A cientista política sempre se dedicou às causas humanitárias. Do Quirguizistão à Nigéria, de Myanmar ao Burundi; viajou o mundo formando futuros ativistas.

Depois de uma década, de lá para cá, porém, Jess sentiu necessidade de ampliar o alcance de seu trabalho. E não haveria melhor maneira de chegar à geração Z do que falando sua língua, encampando suas preocupações e desejos. E, assim, nasceu a Wicked Saints Studios.