A liquidação extrajudicial do Banco Master é a maior intervenção, em termos de volume, feita pelo Banco Central em uma instituição financeira. Dos seus R$ 86,4 bilhões em ativos, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) comunicou que um valor aproximado de R$ 41 bilhões são de depósitos e investimentos elegíveis ao pagamento da garantia.
Com bilhões de reais em CDBs distribuídos no varejo e no private, a queda do Master mobiliza o FGC em um dos maiores acionamentos dos últimos anos. De acordo com comunicado ao mercado do fundo, as instituições liquidadas pelo BC - Banco Master, Banco Master de Investimento, Banco Letsbank e Master Corretora de Câmbio - possuem uma base estimada de 1,6 milhão de credores.
O Will Bank, que também faz parte do grupo, está fora da intervenção do BC e seguem com a sua administração.
Como determina a regulação, o FGC vai ressarcir investidores até o limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição, para produtos cobertos como CDBs, RDBs, depósitos à vista e poupança.
Além disso, há um teto de R$ 1,6 milhão por período de quatro anos, no caso de quebra de mais de uma instituição no mesmo período.
Na manhã de terça-feira, 18 de novembro, o BC decretou a liquidação extrajudicial do Master. Na noite anterior, o fundador da instituição, Daniel Vorcaro, foi preso por 15 agentes da Polícia Federal no aeroporto de Guarulhos, onde embarcaria em seu jato Falcon 7X, em direção a Malta.
Com mais de 40 intervenções ou liquidações ao longo da sua história de 30 anos, o FGC nunca precisou lidar com um montante tão grande sob risco ao mesmo tempo.
No fechamento de setembro deste ano, o FGC tem patrimônio de R$ 160 bilhões, dos quais R$ 122 bilhões correspondem a recursos líquidos em caixa. E segundo a instituição, embora não exista um prazo legal para o início dos pagamentos, por conta das especificidades de cada liquidação, o prazo médio para o início dos pagamentos é de 30 dias.
Entre 2012 e 2016, um período em que o BC enfrentou fraudes, problemas de governança ou descasamentos graves de balanço em instituições pequenas e médias, o FGC teve de ir a campo.
Entre os casos mais marcantes estão o do Cruzeiro do Sul, liquidado em 2012, com mais de R$ 3,4 bilhões em exposições em CDBs ligadas a fundos, e que teve o primeiro pagamento do FGC liberado, aproximadamente, dois meses depois.
E o do banco BVA, com um rombo total de R$ 3 bilhões, também alvo de escândalos contábeis, que levou cerca de quatro meses entre a decretação de liquidação e o início dos pagamentos.
O NeoFeed conversou com assessorias de investimento para entender como os investidores estão lidando com o caso e preocupações sobre o pagamento dos títulos.
Como a liquidação já estava prevista desde a fracassada negociação como BRB, muitos clientes que estavam acima do limite coberto pelo FGC receberam a recomendação de venda dos papéis. E aqueles que estão dentro do limite garantido pelo fundo estão sendo informados sobre os trâmites para o recebimento do dinheiro.
“Muitos clientes mais novos estão preocupados porque nunca passaram por isso. Mas não há nenhum questionamento sobre a capacidade do FGC cumprir com a sua obrigação”, afirma Beto Saadia, economista-chefe da Nomos.
“O que pode acontecer é demorar. Mas o fundo hoje tem pagamento digital, está super ágil e os últimos pagamentos foram feitos em 30 dias”, complementa.
O caso, no entanto, acendeu um alerta para o sistema bancário de que há brechas para os aventureiros usarem o FGC para alavancarem o seu crescimento. Por esse motivo, houve uma pressão para mudanças nas regras de cobertura. As alterações passam a valer a partir de 1º de junho de 2026.
Aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 1º de agosto, as novas regras do FGC miram diretamente os bancos que exageram no uso de captações cobertas pela garantia.
A resolução dobra o multiplicador da contribuição adicional para 0,02% e reduz o gatilho que aciona essa cobrança: a razão entre o Valor de Referência – basicamente a exposição do FGC àquela instituição – e as captações passa de 75% para 60%.
Na prática, quanto mais um banco se financia com CDBs e outros instrumentos protegidos pelo fundo, mais caro fica manter esse modelo de funding. Com isso, rendimentos altos de títulos passam a custar caro para o banco emissor. Segundo analistas, com a regra, será difícil voltar a achar CDBs a 120% do CDI como antes.
O pacote ainda obriga as instituições que estourarem esse limite a alocar o excedente em títulos públicos federais, empurrando parte do risco de volta para ativos considerados seguros.
Segundo o Banco Central, a mudança é uma forma de reduzir incentivos à tomada de risco excessiva, preservar a saúde do sistema e fortalecer o próprio colchão do FGC.
Essa reserva estaria em torno de 0,35% das exposições garantidas, diante de metas e discussões que sugerem níveis próximos a 1%.
Sob os holofotes e após a onda de captações turbinadas com o caso Banco Master, o FGC vai precisar cuidar do seu colchão adicional em crises. Neste momento, nada indica uma incapacidade de pagamento - mas nada garante que um choque maior ou simultâneo não possa colocar o sistema em risco. Por isso, discussões estão na mesa para novas mudanças na regra de cobertura e de mais supervisão sobre o crescimento de instituições alavancadas.
"Faltou tanto o FGC quanto o BC darem um sinal amarelo para o que estava acontecendo. Não pode a tesouraria ser a principal atividade de um banco e uma única instituição tomar tantos créditos elegíveis do fundo. É o que se chama em economia de síndrome do sapo inchado.Por ir acontecendo aos poucos, ninguém nota, até dar problema. É preciso rever sistemas de supervisão", afirma o economista Roberto Luis Troster, Sócio da Troster & Associados, pós-graduado em banking pela Stonier School of Banking, e ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).
Procurado pelo NeoFeed, o FGC informou que não daria entrevista no momento.
*matéria atualizada às 16h08