Por décadas, os títulos do Tesouro americano foram considerados o refúgio mais seguro do sistema financeiro global. Era o chamado "safe haven" para onde o dinheiro corria em tempos de incerteza. Hoje, essa percepção está mudando um bocado.

A partir do início da guerra tarifária dos Estados Unidos contra o mundo em abril, os treasuries subiram mais de um ponto percentual e passaram a pagar taxas muito atrativas. Para muitos brasileiros, está sendo vendida a ideia de que esta é uma oportunidade de garantir retornos altos em dólar sem risco. Mas o mercado financeiro mundial tem uma visão diferente: vê uma precificação necessária para os novos riscos em jogo.

Para André Moura, sócio da Nau Capital, um escritório de investimentos com cerca de R$ 6 bilhões sob custódia, é preciso entender que o ativo que já foi considerado o mais seguro do mundo está passando por uma reavaliação do mercado.

"A renda fixa não tem nada de fixa, muito menos se há o componente de resgate antes do vencimento e a volatilidade cambial. Com a inflação alta nos EUA, a dívida pública americana crescente e a desvalorização do dólar frente a outras moedas, o mercado está apenas precificando o risco crescente dos títulos americanos", afirma Moura.

Atualmente, os treasuries oferecem taxas atrativas em comparação aos anos anteriores, quando a taxa básica de juros americana estava próxima de zero. Os títulos de 1 e 5 anos estão com taxas de cerca de 3,6% ao ano, enquanto os de 10 anos estão em 4,0%; de 20 anos, em 4,6% ao ano; e de 30 anos, em 4,64%.

Esses números resultam de uma massiva venda dos papéis no mercado internacional diante dos novos riscos. Mas o que parece um bom rendimento em dólar pode não ser tão atraente quanto aparenta.

A conta que não fecha

Descontada a inflação, o cenário muda completamente. As projeções de mercado esperam inflação anual de 2,9% para 2025, um patamar que pode perdurar por mais tempo - as consequências da guerra tarifária ainda são desconhecidas.

Assim, os títulos mais curtos não teriam nem mesmo um ponto percentual de rendimento real. Isso tornaria mais atraente apostar nos títulos de longo prazo, mas aí surge outro problema: o investidor fica sujeito à marcação a mercado caso precise dos recursos antes do vencimento.

Diferentemente do Brasil, o mercado americano não tem títulos pós-fixados, apenas pré-fixados. E as incertezas sobre o futuro têm adicionado volatilidade a esse mercado. Não à toa, após a elevação das taxas, os investidores venderam os títulos americanos e suas curvas de juros futuros dispararam.

A Nau Capital fez uma simulação de um investidor que comprou US$ 100 mil em títulos de 10 anos com rendimento de 5% ao ano. Nos primeiros três anos, com taxa estável, ele acumulou US$ 115 mil (retorno de 15%). Porém, no quarto ano, a taxa de juros sobe para 8%.

"Para quem acha que essa taxa é absolutamente fora da realidade, foi a taxa americana nos anos 1990. No início dos anos 80, Paul Volcker, então presidente do Fed, elevou a taxa para 20% ao ano", diz Moura.

Nesse cenário, haveria uma marcação a mercado e desvalorização de aproximadamente 20%, com resgate de apenas US$ 92 mil.

O dólar não é mais o mesmo

Além da volatilidade dos títulos, há o risco cambial. Em 2024, o euro já se valorizou 14% frente ao dólar, a libra esterlina 8%, e o real 15% – o que traria grandes prejuízos na conversão.

Para Moura, é consenso no mercado que há muito espaço para o dólar se desvalorizar frente a outras moedas. O fluxo de compra de dólar tem caído, e os bancos centrais ao redor do globo vêm realocando parte dessas reservas para outras moedas e ativos como o ouro.

Outros fatores pressionam o dólar: a taxa básica de juros americana tende a cair para 3% ao ano em 2026, e há o risco da crescente dívida americana, que hoje já representa 120% do PIB. Segundo economistas, a partir de 150% mesmo um país como os EUA teria problemas para financiar sua dívida.

"O dólar não deixará de ser a moeda dominante globalmente, mas certamente deve perder boa parte da valorização dos últimos anos. É importante diversificar, e entre as moedas mais desvalorizadas temos o iene, a coroa norueguesa, o dólar australiano e mesmo o real", diz o sócio da Nau.

No novo mundo das incertezas, em que a hegemonia americana está sendo posta à prova e sua reação gera consequências globais, a única certeza é que haverá volatilidade nos mercados.

Como disse o economista Harry Markowitz (1927-2023), prêmio Nobel em 1990: o único "free lunch" é a diversificação. E talvez seja hora de repensar onde procurar o verdadeiro "safe haven".