Na economia 4.0, a vida é algorítmica. Praticamente tudo o que fazemos, produzimos e consumimos gera uma quantidade quase imensurável de dados. Desde 2010, o volume de informações em circulação no espaço digital aumentou 60 vezes. Saltou de 2 para 120 zetabytes. Em 2025, o tráfego global deve chegar a 180 zetabytes anuais. O que isso significa? Multiplique esses números por um sextilhão (1 seguido por 21 “zeros”) e você terá ideia (ou não) do que está se falando.
Esses dados são guardados nos cerca de 8 mil data centers espalhados pelo planeta (2,7 mil deles, apenas nos Estados Unidos). Frente à emergência climática, porém, esses depósitos digitais, do modo como operam hoje, se tornaram insustentáveis. Consomem 1,3% da demanda global de energia e respondem por 0,3% das emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, há a questão de espaço. A capacidade instalada para armazenamento de dados aumenta, mas o ritmo de produção das informações é muito maior. Atualmente, é possível guardar apenas 20% delas. Em 2040, será menos de 1%.
A busca por alternativas mais sustentáveis e eficazes vem mobilizando grandes companhias, startups e centros de pesquisas. Uma frente promissora de estudos busca inspiração no mais perfeito sistema de armazenamento de muita informação, em pouco espaço, já criado pela natureza – as moléculas de DNA.
Em laboratório, o método já se provou viável. Em cinco gramas de DNA sintético é possível estocar 1 milhão de terabytes (TB) de dados, diz o engenheiro elétrico Bruno Marinaro Verona, do laboratório de micromanufatura do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo, em conversa com o NeoFeed.
A título de comparação, o complexo de data centers da Meta, na cidade de Prineville, no Oregon, precisa de aproximadamente 464,5 mil metros quadrados de espaço para guardar o mesmo que um quatrilhão de informações. Sabe o que isso representa? Pouco mais de dois estádios do Maracanã.
Recentemente, o IPT se alinhou à DNA Storage Alliance. Fundado em outubro de 2020 pela Microsoft, Illumina, Twist Bioscience e Western Digital, o consórcio global visa impulsionar a tecnologia. Atualmente, a aliança conta com outros cerca de 40 participantes. Entre eles, gigantes como IBM, Lenovo, Dell Technologies e Seagate.
Estão todos de olho em um mercado previsto para fechar 2023 em US$ 222 bilhões, nos cálculos da consultoria Statista.
Batizado Prometheus e lançado em 2021, o projeto brasileiro é fruto de uma parceria entre o instituto paulista e a Lenovo. “Em dois anos, nós conseguimos depositar sete patentes”, comemora Verona.
O armazenamento em DNA sintético se inicia com um processo chamado “bits to base”. Primeiro se converte o sistema binário 0 e 1 da linguagem da computação nas quatro bases nitrogenadas que compõem a dupla hélice do código genético -adenina (A), tinina (T), citosina (C) e guanina (G). No momento da leitura das informações, basta fazer o caminho inverso: “base to bits”. Estocados em microchips, que cabem na palma da mão, os dados são armazenados em meio líquido e podem ser acessados via internet ou localmente.
A tecnologia já se mostrou viável em laboratório, mas há ainda alguns desafios a vencer até que a inovação esteja pronta para o mercado. “Um deles é a velocidade de leitura e escrita dos dados”, exemplifica o pesquisador. Um megabyte (MB) em DNA consome um dia inteiro de trabalho, enquanto um HD magnético convencional escreve dezenas de MB em poucos segundos, completa.
Até 2030, segundo Verona, os primeiros modelos do dispositivo devem entrar em uso. Na fase inicial, a tecnologia será utilizada para o chamado “cold storage”; aquela espécie de arquivo morto, para onde vão as informações que precisam ser arquivadas, mas que não são acessadas rotineiramente.
Além de sua alta capacidade de armazenamento e sua sustentabilidade, o depósito de dados em DNA sintético jamais cairá em obsolescência, como já aconteceu com o disquete e o CD. ‘É um tipo de mídia no qual teremos sempre interesse”, define Verona. “Enquanto o ser humano existir, nós continuaremos a manipular moléculas de DNA.” Depósito das informações genéticas de todos os seres vivo, não à toa, são conhecidas como as “moléculas da vida”.