Diz-se que uma maçã não cai longe da árvore. Se levarmos em conta o tino comercial e a relação com o mundo das artes, Edo Costantini (1976), de fato, não nega as origens.
Filho do empresário e mecenas argentino Eduardo Costantini, criador do MALBA, o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires, que adquiriu a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral, Edo é pianista, compositor e produtor de cinema.
É um dos fundadores do serviço de streaming preferido de dez entre dez cinéfilos cult, o Mubi, avaliado em US$ 250 milhões em 2022, e do qual saiu em 2021 com "dez vez mais capital do que investiu", disse ele ao NeoFeed. Nos últimos anos, passou também a se dedicar ao empreendedorismo social.
Em São Paulo, o argentino revela mais uma de suas facetas, a de fotógrafo, com a exposição “Uma flor não é uma flor”, em cartaz até 25 de novembro na galeria Mario Cohen. Com 11 obras, a série inédita traz registros da natureza feitos em bosques nos arredores de Katonah-Bedford Hills, no estado de Nova York (EUA).
Mário Cohen ressalta que o fotógrafo poderia ter feito a mostra em Buenos Aires, onde teria “tapetes vermelhos estendidos”, e uma fila com inúmeros colecionadores conhecidos, mas escolheu o Brasil para fazer sua primeira individual na América do Sul porque “está tentando o caminho mais difícil.” As obras estão avaliadas entre R$ 20 mil e R$ 50 mil.
Edo Costantini nasceu em 1976, em Buenos Aires. Na adolescência já fazia registros, com câmeras emprestadas pela mãe, María Teresa Costantini, roteirista e diretora de cinema e teatro. Edo conta que a primeira vez em que se deparou “com uma luz muito distinta”, elemento fundamental de seu trabalho, foi em Península Valdés, na Argentina, “uma grande reserva natural, com baleias e pinguins que ficam a apenas um metro de você”, conta.
Edo estudou fotografia na Argentina, flertou com a lomografia – um movimento nostálgico de registro com câmeras analógicas –, fotografou manifestações populares em seu país. Entrou para o curso de cinema da FUC (Fundación Universidad del Cine), em Buenos Aires, mas continuou a fotografar sem, no entanto, sentir que o resultado “merecia ser exposto”.
Até que, quando se mudou para os EUA, em 2011, visitou Woodstock. Lá onde em 1969 aconteceu o mítico festival de rock há uma imensa área verde. “Eu me apaixonei pela floresta, pela vegetação desta região do estado de Nova York. Passei a ir todos os dias para os bosques, caminhar e fotografar, sozinho, num processo muito introspectivo para encontrar a mim mesmo”, conta.
“Este trabalho é o resultado de muitas horas em silêncio, ao longo de quase dez anos, retratando a natureza, numa conexão espiritual”, disse ao NeoFeed.
Edo conta ainda que é “bastante obsessivo” e que chega a voltar “dez vezes” a um mesmo lugar para fotografá-lo, até que a incidência da luz redunde em alguns dos efeitos desejados. Nas imagens agora expostas em São Paulo, ora flores e folhas se assemelham a chamas tremeluzentes, ora destacam-se, sublimemente, do pano de fundo escuro, algo misterioso, dos bosques.
Em sua fotografia, a luz alcança também uma espécie de efeito revelador ou realçante, seja dos tons de azul em um tronco de árvore que parece transpirar a chuva recém-caída, ou da miríade de tonalidades esverdeadas dos musgos que cobrem uma pedra. Também a luz determina se as imagens resultantes estão na fronteira do figurativo ou se as fotos se aproximam de uma quase abstração, no embaralhamento de cores e planos.
Claria Ríos, curadora da exposição, lembra que há um conceito religioso chamado anagogia, “um acesso a Deus por meio da luz”, algo que na Idade Média já surgia, na arte, com os vitrais das catedrais góticas. E afirma: “Se você prestar atenção, nas fotografias de Edo a luz entra de uma forma bem específica e percorre as formas de uma maneira muito suave e muito sutil”.
Clara também compara Edo a um flâneur. Mas, diferentemente do explorador urbano da metrópole moderna, no século 19, exaltado pelo poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), Edo é um flanador na natureza, com suas caminhadas um tanto aleatórias. Edo corrobora: “Quando vivia em cidades grandes, eu sempre me perdia, ia a livrarias procurando um livro, andava por duas ou três horas ouvindo música”.
“Ele é um completo romântico”, completa Clara. “Evitei a palavra para não levá-lo a esse lugar específico que ela representa, mas se trata mesmo disso”.
Edo Costantini foi diretor executivo do MALBA , entre 2001 e 2016, período em que também atuou como co-produtor de cinema em filmes como "Vidas de se cruzam" e "Lula, o filho do Brasil", ambos em 2008.
Em 2019, ele criou a Kolapse, uma plataforma global que reúne artistas, cineastas, músicos e ativistas, com o objetivo de promover, por meio de exposições, sessões presenciais ou streaming de conteúdo audiovisual, a conscientização e ensejo à ação em torno de questões climáticas e sociais. Entre eles estão ao menos três brasileiros: o artista plástico Ernesto Neto e o empresário, ambientalista e fotógrafo Oskar Metsavaht.
Edo e sua família – sua mulher, a artista Delfina Braun, e seus quatro filhos, Lucio (14), Theo (13), Otto (6) e Rio (7 meses) – mudaram-se para os EUA em 2011. Cinco anos depois foram para Katonah-Bedford Hills, onde Edo fez as fotos de sua exposição.
Em 2019 o Wall Street Journal classificou a região como “uma das mais abastadas comunidades” do país, destino e morada de bilionários, como o megainvestidor George Soros, e a nata de Hollywood, como a atriz Glenn Close.