No mundo das adaptações, muitos álbuns já renderam filmes, principalmente quando o universo musical envolve bandas inglesas. Como “Pink Floyd - The Wall” (1982), de Alan Parker, e “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” (1978), em que Michael Schultz se inspirou no disco dos Beatles, frequentemente apontado como citado um dos melhores de todos os tempos.
No Brasil, a transposição da música para o audiovisual é menos comum, o que faz “Amar É Para os Fortes” chamar a atenção. O sétimo álbum solo do rapper Marcelo D2, lançado em 2018, com foco na violência policial, ganha agora uma versão homônima para série de TV, com estreia no dia 17 de novembro, no catálogo da Amazon Prime Video.
“Esse álbum nasceu de uma necessidade de falar sobre violência policial, à qual somos expostos no Rio de Janeiro, em um momento em que eu estava cansado da música”, disse Marcelo D2, de 56 anos, ao NeoFeed, no Rio de Janeiro. “Naquela época, eu pensava em fazer outras coisas. Tive até uma ideia de ir para Califórnia e abrir uma floricultura”, contou ele.
O plano caiu por terra após uma tragédia, envolvendo a morte de uma amiga do rapper. Uma das homenagens durante o velório da vítima foi a leitura de um texto do ator João Velho, que continha a frase “Amar É Para os Fortes”. “Na mesma hora, toda a obra me veio à cabeça, como um álbum visual”, disse D2, referindo ao projeto, que já nasceu multimídia.
Com o conceito de associar música e imagem (indo além da proposta de um clipe corresponder à faixa de um álbum), o rapper fez não apenas um disco calcado na guerra entre a polícia e as comunidades mais carentes, tema marcante em sua carreira musical. Mas também um média-metragem, que ele roteirizou e dirigiu.
Nos dois casos, a introdução era a mesma, levando o público à realidade carioca que envolve amor, famílias e esperança, mas também violência, medo e drogas. E o personagem principal (com falas no filme e no disco) era Sinistro, vivido no média-metragem pelo filho de D2, Stephan Peixoto. Trata-se de um rapaz nascido no ambiente violento da favela, que tenta mudar o destino previsível recorrendo à arte.
Sinistro também está de volta em mais esse desdobramento de “O Amor É Para os Fortes”, na série de TV da Prime Video, inicialmente com oito capítulos. “A ideia de expandir a trama para um novo formato nasceu de uma conversa com o meu amigo Johnny Araújo”, afirmou D2, referindo-se ao diretor que assina vários clipes de músicas do rapper.
“Depois que Johnny viu o média-metragem e gostou da linguagem, ele sugeriu a série, uma ideia que me agradou por seguir com o meu propósito”, disse D2, projetado nos anos 90, como vocalista da banda Planet Hemp. “Em tudo o que faço, só consigo trabalhar assim”, completou o rapper, conhecido pelo forte posicionamento político em sua música.
“O grande desafio da série foi não tomar partido, saindo do lugar comum do duelo entre bandido e mocinho, do tal ‘Favela movie’”, diz D2, que responde como o criador e o showrunner da série.
Daí veio a ideia de humanizar mais a história, contando-a do ponto de vista de duas mães, em posições opostas. Rita (Tatiana Tiburcio) luta por justiça para o filho mais novo, de 11 anos, vítima da violência policial, contando com a ajuda do filho mais velho, o artista plástico Sinistro (Breno Ferreira).
Já Edna (Mariana Nunes) tenta proteger o filho Digão (Maicon Rodrigues), o policial responsável pela morte do garoto.
E ambas as famílias são negras, o que abre espaço para a discussão do racismo sistêmico no Brasil. “Escolhemos o policial negro justamente para termos um olhar diferente nessa guerra, na qual ninguém ganha. A polícia do Rio é a que mais mata, mas também a que mais morre”, disse o rapper, que fez a première da série na 25ª edição do Festival do Rio.
E como fica a carreira de D2, após a experiência como showrunner de uma série? “Desde o álbum ‘Amar É Para os Fortes’, não existe mais a possibilidade de eu sair do audiovisual”, comentou, lembrando que seu discos posteriores também foram lançados simultaneamente com filmes. Foram eles: “Assim Tocam os Meus Tambores” (2020) e “Iboru” (2023).
“Já o trabalho como showrunner foi muito cansativo. E por ser tão coletivo, também foi um aprendizado para mim, principalmente na hora de dividir opiniões”, contou o rapper, que não está acostumado a ouvir “não”.
“Na música, por ser um artista com uma carreira consolidada, não ouço ninguém dizer ‘não pode ser assim, vai ser assado’”, contou, rindo.