Lucy nasceu em 2011, em uma fazenda na Califórnia. Da raça black angus, sempre foi uma vaca premium. E, como tal, serviu a vida toda como “fábrica” de óvulos de primeira linha. Seus gametas foram despachados para todos os cantos do planeta, com destino a criadores interessados em melhorar a qualidade de seus rebanhos.
Um punhado de células de Lucy, porém, fugiu ao padrão. O material foi enviado para a cidade de Rehovot, em Israel. Lá, os cientistas da startup de agricultura celular Aleph Farms "cultivaram" os óvulos da black angus e deles "colheram" bifes.
Morta em 2022, de causas naturais, agora, Lucy entra para a história do futuro da alimentação como a "mãe" da primeira carne bovina do mundo criada em laboratório a ser liberada para consumo.
O aval vem do Ministério da Saúde de Israel, depois de um ano e meio de consultas. Até então, apenas dois países haviam aprovado o comércio de carne cultivada: Singapura, em 2020, e Estados Unidos, em 2023.
Em ambos, o O.K. das autoridades sanitárias foi para carne de frango; de vaca, só a da Lucy.
O primeiro corte a ser lançado pela foodtech de Rehovot, sob a marca de Alpeh Cuts, é um “petit steak”. Por enquanto, a novidade estará disponível apenas em alguns restaurantes selecionados de Israel.
“Atualmente, operamos uma unidade de produção piloto e produzimos lá quantidades limitadas de Aleph Cuts; cerca de 10 toneladas por ano”, diz Yoav Reisler, porta-voz da empresa, em entrevista ao NeoFeed. “A instalação tem basicamente três propósitos: aprovações regulatórias, lançamentos e expansão.”
Fundada em 2017, pelo engenheiro e CEO Didier Toubia, pela PhD em genética e CTO Neta Lavon e pela bióloga molecular Shulamit Levenberg, a Aleph Farms já levantou até agora quase US$ 120 milhões, informa a plataforma Crunchbase.
Entre os 20 financiadores, estão o ator Leonardo DiCaprio e a americana Alumni Ventures.
Como conta Reisler, neste momento, o foco principal da Aleph Farms é chegar à Ásia, via Singapura, e ao Oriente Médio, via Israel. “Submetemos nosso produto à aprovação também na Suíça, Reino Unido e Estados Unidos”, completa o executivo.
A estratégia de longo prazo da empresa inclui ainda a colaboração com empresas tradicionais do setor. “Essas parcerias envolvem coinvestimento em instalações de produção e posicionamento no mercado, por meio de contratos de compra e distribuição”, diz o executivo. Entre as companhias, está a brasileira BRF.
As carnes de laboratório surgem como uma alternativa à escassez de terras agrícolas e à crescente demanda global por proteína de origem animal. Avaliado em US$ 200 milhões, o mercado global de carne cresceu 16,1% apenas em 2023. Até 2034, deve bater US$ 1,1 bilhão, lê-se em relatório da Markets and Markets.
A tecnologia para o cultivo de carne começou a ser desenvolvida em 2010. Um processo tão complexo quanto fascinante. Voltemos a Lucy e ao "petit steak". Os cientistas deixaram seus óvulos fertilizados proliferar por um curto período. As "novas" células são então encaminhadas para biorreatores gigantescos.
Lá, elas são “alimentadas” com água, oxigênio e nutrientes, entre outros compostos. Em ambiente controlado, se multiplicam em ritmo acelerado. Crescem, se subdividem, se avolumam...
“No organismo da vaca, uma rede de proteínas e outras moléculas envolveria, apoiaria e daria estrutura a essas células!”, lê-se em relatório da startup. “Na Aleph Farms, modelamos esse processo com uma matriz de proteína vegetal feita de soja e trigo, o que permite que as células formem a forma e a textura de um Aleph Cuts.”
Cerca de um mês depois, os bifes já podem ser “colhidos”. A equipe de P&D da startup investiga agora a produção de carne de outras raças como belgian blue, wagyu e holstein.
Mas, por enquanto, Lucy continua a ser fonte principal dos melhores cortes da Aleph Farms. Mesmo depois de morta.