Fazer imersões em um gênero musical, da ópera ao heavy metal, sempre foi um dos hobbies de Luiz Verzegnassi. O hábito se manteve quando ele foi nomeado vice-presidente de serviços de cirurgia da GE Healthcare e viveu por dois anos nos Estados Unidos. No período, a lembrança do Brasil fez com que o executivo mergulhasse nas vozes e violas do sertanejo raiz.

Cinco anos depois de retornar ao País, essa mescla de culturas segue viva para Verzegnassi. Mas em um outro tom. Afinado com um movimento mundial da GE Healthcare, o sotaque brasileiro começa a ser ouvido em uma área estratégica da divisão de saúde da gigante americana General Electric: o desenvolvimento de ferramentas digitais.

“Antes, éramos mais usuários que desenvolvedores. Nós localizávamos o que era criado lá fora”, diz Verzegnassi, agora presidente e CEO da GE Healthcare na América Latina. “Hoje, posso afirmar que somos um celeiro de muitas ideias que se tornam globais.”

Por trás desse trabalho está uma equipe de 50 profissionais que fazem parte da tropa de elite global de inovação da GE Healthcare. Eles fazem parte da plataforma Edison, que inclui times voltados ao desenvolvimento de aplicativos e dispositivos guiados por frentes como análises de dados e inteligência artificial.

“Hoje, posso afirmar que somos um celeiro de muitas ideias que se tornam globais,”, diz Verzegnassi

Esse núcleo de cientistas e PhDs do Brasil já está gerando resultados concretos. Entre eles, três patentes nacionais. Uma delas já ganhou escala comercial. Trata-se de um software embarcado nos equipamentos de ressonância magnética usados para capturar imagens do cérebro, batizado de AIRx. A ferramenta traz mais precisão e reduz a duração dos exames de 30 para dez minutos.

O sistema corrige os pequenos movimentos do paciente que, no método tradicional, distorcem e por vezes invalidam os resultados. Com o uso de inteligência artificial, a aplicação identifica automaticamente estruturas no cérebro. Esse processo era feito manualmente por um técnico.

A partir desses avanços, o software foi incorporado ao portfólio global da empresa. “Nós não tínhamos histórias como essa para contar”, diz Verzegnassi. “O que antes era um sonho, hoje está se tornando realidade.”

E não são apenas os produtos da safra local que estão ultrapassando fronteiras. Recentemente, cerca de 40 profissionais do Brasil e da América Latina foram expatriados para outras operações, em mercados como Estados Unidos, França e Reino Unido.

Verzegnassi desenha agora os próximos passos dessa estratégia. Com o uso de uma plataforma aberta, o plano é impulsionar as parcerias com universidades, clientes e, em especial, startups. Nessa última vertente, a empresa não descarta incubar empresas novatas.

Pela nuvem

A plataforma global Edison usa as informações que trafegam pelos equipamentos da companhia instalados em hospitais, laboratórios e clínicas de todo o mundo para aprimorar exames, diagnósticos e tratamentos. No Brasil, por exemplo, a empresa tem uma base instalada de 90 mil máquinas.

Destinado a equipamentos de raio-X, um software global ilustra essa abordagem. O algoritmo compara a imagem capturada com uma vasta base de dados de exames realizados. E consegue detectar eventuais problemas imediatamente, agilizando o diagnóstico.

Um exemplo brasileiro foi desenvolvido para o Hospital de Amor, antigo Hospital do Câncer de Barretos. Com o uso de um software que gera 14 parâmetros de checagem de imagem e roda em computação em nuvem, a necessidade de repetir as mamografias caiu de 60% para 5% dos exames.

Essas e outras iniciativas integram o foco da empresa no conceito de medicina de precisão. E na oferta de ferramentas para aumentar a produtividade e reduzir a ineficiência e os custos em toda a cadeia de saúde.

A formação dos times da Edison no Brasil e no mundo é apenas um braço dessa estratégia. No entorno do negócio principal da companhia, os equipamentos, outras células foram e estão sendo criadas.

Com mais de 350 profissionais em todo o mundo, o time de consultoria é um desses casos. Nessa área, o foco são os projetos para tornar todos os processos dentro de um hospital, por exemplo, mais eficientes. As iniciativas podem compreender desde estruturas já em funcionamento quanto aquelas ainda em fase de construção.

A plataforma global Edison usa as informações que trafegam pelos equipamentos da companhia para aprimorar exames, diagnósticos e tratamentos

Para isso, essa equipe conta com um software que replica, virtualmente, a operação em questão, o que permite simular, identificar ou antecipar erros, e sugerir novos processos e fluxos.

No Brasil, o primeiro projeto implantado envolveu o centro cirúrgico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Disposta a impulsionar essa frente, a GE Healthcare fechou o contrato com uma cláusula de risco: só receberia pelo serviço com a comprovação do sucesso da iniciativa.

A resposta veio com uma série de números. Houve um salto de 9% no volume de pacientes operados. As cirurgias particulares, que vinham em queda, cresceram mais de 4%. Já os procedimentos cancelados com um dia de antecedência caíram 20%. Os orçamentos enviados em 24 horas avançaram 7%, o que permitiu uma alta de 13% nas cirurgias robóticas.

Outra aplicação reforça as ofertas dessa divisão. Ela permite criar um centro de comando que centraliza todas as operações de um hospital, dos agendamentos e farmácia à hotelaria e centros cirúrgicos. E com recursos de machine learning consegue antecipar, por exemplo, quando a operação terá problemas com a falta de leitos.

Reestruturação

Boa parte desses novos movimentos começou a ganhar corpo há pouco mais de um ano, quando a GE iniciou uma profunda reestruturação em seus negócios.

A decisão foi tomada em meio a um período extremamente crítico para o grupo, marcado por sucessivos resultados deficitários em algumas de suas divisões, entre outros fatores.

Com duração prevista de três anos, o plano para a virada desenhado na época incluiu pontos como desinvestimentos e a saída do grupo de alguns segmentos.

Na GE Healthcare, responsável por pouco mais de 16% do faturamento de US$ 121 bilhões da GE em 2018, uma das medidas foi a venda da divisão de BioPharma para a Danaher Corporation, por US$ 21,4 bilhões.

Na época, o grupo também anunciou o plano de separar a GE Healthcare em uma operação independente. De lá para cá, no entanto, não houve nenhum passo nesse sentido. E não há, de fato, uma definição se a estratégia será realmente concretizada.

À parte dessa questão, Verzegnassi prefere enxergar os reflexos positivos da reestruturação. “Todos os problemas e mudanças que aconteceram foram necessários”, afirma. “Eles mostraram que precisamos sempre nos reinventar.”

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