Quem nasceu para realeza jamais perde a majestade, ainda que o peso da coroa seja esse de se reinventar a cada oportunidade ou, às vezes, o de romper com tudo que era conhecido para se lançar em uma nova era. Foi assim, a partir de sua própria revolução francesa, que o empresário francês Bernard Arnault, de 70 anos, construiu e manteve de pé, de forma exemplar, o maior império de luxo do mundo – o grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH).
Com 75 marcas ativas em seis segmentos diferentes, o conglomerado começou quase sem querer, em 1987, e viu sua última joia ser adicionada ao portfólio em novembro deste ano. Foi o próprio Arnault, hoje com 70 anos, quem orquestrou a compra da joalheria americana Tiffany, em um acordo de US$ 16,2 bilhões, o mais caro da história do grupo.
A Tiffany era a joia que faltava para o legado do magnata francês, cuja fortuna estimada em US$ 105 bilhões deve ser positivamente impactada por essa transação, lhe dando de brinde o topo da lista das pessoas mais ricas do mundo. Atualmente o chairman do grupo LVMH ocupa a terceira posição, alguns bilhões atrás de Jeff Bezos, fundador da Amazon, e Bill Gates, criador da Microsoft.
Diferentemente de seus "concorrentes", porém, que sempre atuaram na área em que brilham, Arnault foi um "outsider". Parte de uma família inserida na construção civil, o francês buscou o diploma de engenharia para dar continuidade aos negócios começados por seus avós.
Aos 25 anos, depois de passar por algumas posições de gerência, recebeu o aval do pai para assumir de vez a empresa familiar. "Era um negócio pequeno, de apenas mil funcionários", relembra Arnault em entrevista ao canal de televisão CNBC.
Dez anos consecutivos no comércio lhe colocaram numa posição privilegiada, onde poderia observar novas oportunidades de atuação – e lucro. Foi assim, por exemplo, que soube, em 1984, do pedido de falência do grupo Boussac, que detinha um punhado de empresas, dentre elas a maison Christian Dior.
Nessa hora se lembrou da primeira vez que viajou a Nova York, em 1971, e teve uma conversa curiosa com um taxista local, que se declarava fã da cultura francesa. "Perguntei a ele se sabia quem era nosso presidente – na época era o (Georges) Pompidou, mas ele não tinha a resposta. Em contrapartida, disse brincando: 'mas eu sei quem é Christian Dior'", contou, em 2016, a alunos e convidados em um encontro na universidade de Oxford, na Inglaterra.
Essa onipresença e onipotência da marca Dior foi o que pesou em sua decisão. Aos 35 anos, Arnault pegou US$ 15 milhões emprestado da família e outros US$ 45 milhões com a empresa francesa de financiamento Lazard Frères. Foi assim que, em 1984, o empresário assumiu o controle da sua menina dos olhos, Dior, e das outras marcas que vinham com o grupo – a loja de departamento Le Bon Marché, a varejista Conforama e a Peaudouce, que fabricava fraldas.
Para virar o jogo, ele agiu com mãos de ferro: demitiu 9 mil funcionários e se desfez do que não fazia sentido. Mantendo apenas a maison que motivou toda a compra e a Le Bon Marché, Arnault vendeu todos os demais negócios da Boussac por US$ 500 milhões. Sua estratégia era simples – criar um grupo de marcas de luxo, e as duas empresas que preservou poderiam, de alguma maneira, se complementar.
"Na época me achavam louco, ninguém apostou que daria certo", afirmou o magnata, que precisou de apenas dois anos para dar seu xeque-mate. Em 1987, ele azeitou as relações entre Alain Chevalier, CEO da Moët Hennessy, e Henri Racamier, presidente da Louis Vuitton. Como resultado, as empresas se uniram para formar o grupo LVMH.
Como esse novo conglomerado detinha os direitos das fragrâncias Dior, Arnault sabiamente investiu, em 1988, US$ 1,5 bilhão para formar uma holding que viria a adquirir 24% das ações da LVMH. Na sequência, desembolsou outros US$ 600 milhões por mais 13,5% do grupo, se tornando o maior acionista do conglomerado.
Foi apenas no ano seguinte, em 1989, que ele investiu outros US$ 500 milhões para ter o controle total de 43,5% dos papéis da LVMH, com 35% de direito a votos. Isso lhe abriu o caminho para que, em janeiro do mesmo ano, fosse eleito, de forma unânime, presidente do conselho administrativo – posição que desempenha até hoje.
Sob sua liderança, o grupo LVMH experimentou, de forma geral um crescimento constante, passando de maneira "tranquila" até por pelas crises financeiras, como a de 2008. Hoje, a companhia está avaliada em US$ 222,4 bilhões.
Além das empresas famosas que lhe dão o nome e da Dior, o grupo LVMH controla ainda a prestigiada marca de champagne Dom Pérignon, a label fashion Fendi, a joalheria Bvlgari, a toda-poderosa dos cosméticos Sephora, o jornal Le Parisien, a marca de relógios Tag Heuer, e outras tantas no setor de moda, bebidas, acessórios, cosméticos, joias, varejo e turismo. Arnault também é um dos maiores acionistas do Carrefour e da rede de hotéis Belmond, dona do Copacabana Palace.
Esse império gerou, em 2018, US$ 52 bilhões em receita, operando com uma margem de lucro de 21,4%. Números obtidos a partir de uma rede de varejo com 4.590 lojas espalhadas pelo mundo e 156 mil funcionários diretos.
Luxo do avesso
Considerado um verdadeiro guru do luxo mundial, Arnault é avesso ao termo. "Essa palavra está associada a algo supérfluo e inútil, e nenhuma dessas características é boa. Acho que uma melhor definição seria uma combinação de criatividade com qualidade – que é o que fazemos", conta.
Talvez por isso o magnata também desdenhe do formato tradicional do marketing moderno. De acordo com o empresário, os departamentos de marketing das empresas do grupo são estruturados para entender as preferências do consumidor e, a partir dessa inteligência, criar produtos que agradem aos clientes.
"A gente vai na contramão: criamos os produtos primeiro e depois os clientes nos seguem", afirma. Arnault acredita que o trabalho do marketing é tão simplesmente inspirar desejo – como pensar em um ambiente propício e desenhar comerciais de televisão e propagandas que promovam e instiguem esse lifestyle.
O sucesso dessa estratégia foi tão estrondoso que até Steve Jobs (1955-2011) se voltou ao francês antes de enveredar pelo caminho do varejo. "Contrariando todas as expectativas, Jobs queria abrir uma loja para vender seus produtos. Na época, aparelhos eletrônicos eram comercializados apenas em redes de varejo, nunca uma loja própria", conta.
Toda a atmosfera sofisticada das Apple Stores tem, portanto, um toque de Arnault – ainda que indiretamente. A proximidade entre as primeiras lojas da Apple e lojas Louis Vuitton tampouco é coincidência. Jobs traçou uma estratégia pioneira, e replicando a sabedoria desse mercado dominado pela LVMH, soube construir o desejo ao redor de seus produtos.
Seria, então, um iPhone considerado um artigo de luxo? "Uma vez perguntei para Jobs se ele achava que seus celulares seriam ainda bem sucedidos dentro de 20 anos. Ele disse que não conseguira prever, porque o segmento de tecnologia é muito volátil", e completou, "a diferença é essa: eu sei que uma garrafa de Dom Pérignon vai continuar valorizada em 20 anos. O luxo se equilibra sutilmente nesse paradoxo que é ser moderno e atemporal ao mesmo tempo".
A grande família
Casado e com cinco filhos, Arnault tem todos os seus rebentos atuando ativamente nas marcas do grupo e no grupo em si – e não vê problema ou vergonha disso.
Segundo o magnata, a vantagem de ter uma empresa estruturada nos moldes familiar é o pensamento a longo prazo e a forma mais "íntima" de contratação de novos funcionários, que são tratados como membros do clã, recebendo toda proteção, benefícios e cobranças aplicado aos demais.
Ainda sobre a prole, Arnault garante que, quando chegar a hora de passar o bastão, a escolha vai ser feita por mérito e competência, e não por sobrenome. "Mas eu devo continuar por aqui por mais um tempo", revela, afastando boatos sobre sua aposentadoria.
Incansável, o septuagenário recebeu a Ordem das Artes e das Letras, uma condecoração concedida pelo Ministério da Cultura da França que visa recompensar aqueles que se distinguem pela criação no domínio artístico ou literário ou pela contribuição ao desenvolvimento das artes e das letras na França e no mundo.
Seu filho Antoine Arnault, CEO da Berluti e chairman da Loro Piana, revela que, diferentemente do que possa parecer, o maior talento do pai não é a administração impecável, mas a capacidade de conversar com as mentes mais criativas de uma geração. Isso explica, por exemplo, o fato de o grupo LVMH conseguir se reinventar e adaptar o luxo a um consumidor que, hoje, vive online e se conecta com outros valores, sem esquecer dos clientes "tradicionais".
Competitivo elevado à última potência, Arnault só conhece vitórias em sua carreira, enxergando a derrota como uma escala, nunca destino final. A única, exceção, talvez, seja nas quadras de tênis – seu esporte de coração.
Presenteado pela família com um jogo surpresa contra o suíço Rogerer Ferder, 20 vezes campeão do Grand Slam, Arnault se vangloriava da disputa equilibrada em que parecia até que poderia ganhar. Mas o tenista profissional, a certa altura, pediu licença para atuar como faria em uma competição oficial. Dali em diante, Arnault perdeu de lavada – com um pequeno detalhe revelado pela editora da Vogue americana, Anna Wintour, ao programa da CNBC: "ele faz questão de contar para todo mundo que conseguiu fazer um ponto".
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