PARIS — Só um hotel no mundo virou verbete nos dicionários de língua inglesa: o Ritz de Paris, sinônimo de luxo; de algo extraordinário. A gíria “to put on the Ritz” significa se vestir de maneira chique ou extravagante, geralmente para impressionar os outros. Nenhum outro hotel também inspirou tantas histórias ou foi citado em tantas obras literárias, filmes e músicas.

Até hoje, 126 anos depois da inauguração da propriedade, o nome Ritz se mantém como símbolo da sofisticação parisiense. Por isso, o leilão de objetos do hotel, a ser realizado na capital francesa, entre os dias 25 e 27 de setembro, tem tudo para ser evento dos mais disputados.

“O nome Ritz é tão forte que suscita muito interesse e atrai clientes do mundo todo”, diz Thomas Loiseau, responsável pelo leilão, em entrevista ao NeoFeed. “Assim que saíram notícias sobre a venda, antes que as informações estivessem disponíveis na internet, já começamos a receber ligações para o envio do catálogo.”

Batizada Os universos do Ritz Paris, a coleção traz 1,5 mil lotes, entre conjuntos de porcelana, cristais e pratarias, lustres, cadeiras e sofá, entre outros. Nas estimativas do organizadores da casa parisiense Artcurial, o leilão deve atingir, nas estimativas mais conservadoras, Є 340 mil. Mas não será surpresa se alcançar valor mais alto.

A venda de agora é a terceira já realizada pelo hotel. Na anterior, em 2020, o montante levantado foi cinco vezes maior do que o previsto. E a primeira, realizada dois anos antes, entrou para a história como o leilão de peças de hotel mais bem sucedido da história: Є 7,3 milhões, superando em sete vezes os cálculos inicias.

Quando a venda de 2018 aconteceu, o hotel reabrira em 2016, depois de quatro anos de obras de modernização. Com a reforma, o número de quartos foi reduzido de 159 para 142, para garantir a qualidade dos serviços e criar novas dependências.

“O Ritz se reinventa o tempo todo. O objetivo do leilão é dar continuidade às peças para que elas não desapareçam. É uma responsabilidade preservar sua história”, diz Arnaud Leblin, diretor de patrimônio do Ritz, ao NeoFeed. De novo, a venda acontece para reestruturação de alguns espaços da propriedade.

Um dos locais em constante renovação é o bar Hemingway, em homenagem ao escritor americano Ernest Hemingway. Hóspede frequente, ele retratou o hotel parisiense em algumas de suas obras, como os magistrais Paris é uma festa e O sol também se levanta. Foi lá que o coquetel Bloody Mary foi inventado, na década de 1920.

É um bar sem música e sem espelhos, com um clima intimista. O foco é nos detalhes da decoração e no serviço, diz Leblin. Nos lotes à venda no final deste mês, há várias peças do Hemingway. Entre poltronas e taças de champanhe em cristal com o monograma do hotel gravado, entre outros objetos, está um sofá capitonê, cuja venda deve sair entre Є 1,5 mil e Є 2 mil.

De bronze banhando em prata, os "vide-poches" são ornamentados com cisnes esculpidos. Valor estimado: de Є 400 a Є 600. (Foto: Artcurial)

O sofá capitonê ficava no lendário bar Hemingway. Valor estimado: de Є 1,5 mil e Є 2 mil (Foto: Artcurial)

Criado em 2016, a louça "Imperial" é inspirada nas cortinas da suíte mais requintada do hotel. Valor estimado: de Є 300 a Є 500 (Foto: Artcurial)

As flores do serviço de chá "Camaïeu", criado em 1956, são uma homenagem de Charles Ritz, filho do fundador do hotel, para sua mãe Marie-Louise. Valor estimado: de Є 150 a Є 200 (Foto: Artcurial)

A coleção "Os universos do Ritz Paris" traz ainda copos e taças, em cristal, do bar Hemingway, onde, nos anos 1920, foi criado o drinque Blood Mary. Valor estimado: de Є 300 a Є 500 (Foto: Artcurial)

Do início do século 20, o par de bandejas banhadas a prata, com o brasão do hotel, segue o mesmo modelo encomendado por César Ritz para a inauguração da propriedade, em 1898. Valor estimado: de Є 400 a Є 600 (Foto: Artcurial)

Na coleção Os universos do Ritz Paris, algumas peças contam a história do hotel. Loiseau destaca bandejas banhadas a prata, do início do século 20, com o brasão do Ritz, do mesmo modelo encomendado por César Ritz, fundador do hotel, para a inauguração da propriedade, em 1898.

Há também os chamados vide-poches (espécie de pratinho para colocar as miudezas tiradas dos bolsos), em bronze banhados a prata, ornamentados com cisnes esculpidos. Valor estimado: de Є 400 a Є 600.

Entre os pontos fortes da venda, estão ainda conjuntos de louça em porcelana de Limoges criados pela grife francesa Haviland. O modelo Imperial, lançado na reabertura do hotel, em 2016, se inspira nos tons de sua suíte mais sofisticada.

Já os serviços Camaïeu, nas versões verde e púrpura, começaram a ser utilizados em 1956, ano de abertura do restaurante L’Espadon, agraciado atualmente com uma estrela Michelin.

Os desenhos de flores das peças são uma homenagem de Charles Ritz, filho do criador do hotel, à sua mãe, Marie-Louise, presidente do hotel de 1913 a 1953, algo totalmente atípico para a época — sobretudo na França, que só reconheceu o direito feminino ao voto em 1948.

Uma mulher à frente do hotel — e de seu tempo

Ao longo de suas quatro décadas à frente do hotel, Marie-Louise incentivou as mulheres a frequentarem sozinhas o Ritz, já que elas só costumavam sair acompanhadas pelos maridos, em uma época em que elas costumavam sair acompanhadas pelos maridos, conta Leblin. Ela criou, por exemplo, uma galeria de lojas de luxo que existe até hoje no hotel.

Quando foi inaugurado, em 1898, o Ritz de Paris mudou os paradigmas da hotelaria de altíssimo padrão: foi o primeiro a ter eletricidade, telefone e banheiro privativo em todos os quartos. “Procuramos um equilíbrio entre a tradição e a modernidade”, afirma o diretor de patrimônio. Dessa forma, o sutil estilo Luís XV da decoração convive com inovações tecnológicas contemporâneas.

Sua localização, na praça Vendôme, endereço das mais importantes joalherias do mundo, também é excepcional. Curiosamente, para garantir uma uniformidade arquitetônica, primeiro foram construídas apenas as fachadas dos prédios da praça, por volta de 1660. Levou praticamente um século para finalizar a parte interna de todos os imóveis. César Ritz adquiriu duas daquelas propriedades para criar ali o Ritz.

"Nem temos recepção"

Nascido em Niederwald, na Suíça, César Ritz começou a vida como garçom antes de se tornar diretor de alguns dos hotéis mais prestigiosos de Paris. Ao fundar o Ritz, ficou conhecido como o “rei dos hoteleiros e o hoteleiro dos reis”.

Da nobreza e também dos políticos, chefes de Estado, intelectuais, artistas e celebridades, é incontável o número de figuras históricas que já passaram pelo Ritz: Winston Churchill, John e Jackie Kennedy, Charles Chaplin, Audrey Hepburn (que, aliás, atuou em três filmes realizados no hotel), Coco Chanel (que morou ali), Santos Dumont, Madonna... Maria Callas, quando exercitava a voz, levava os funcionários às janelas para ouvi-la cantar.

Apesar de ser um ícone da hotelaria global e símbolo de exclusividade, o Ritz optou por não obter a distinção “hotel palácio”, título restrito aos melhores hotéis de Paris, regulamentado pelo Ministério do Turismo francês, em 2010.

Embora cumpra os requisitos exigidos para a classificação, o Ritz prefere ser visto como “uma casa de família”, explica diz Leblin. “Nem temos recepção.”

Os recursos obtidos com o leilão dos dias 25 a 27 serão investidos no hotel. Uma parte deles destina-se à criação de um museu na propriedade, com as peças mais emblemáticas de sua coleção e alguns documentos históricos, como cartas de hóspedes famosos. Como “quem é rei nunca perde a majestade”, o acervo do Ritz só tende a crescer.