A baiana Elis Santana, de 30 anos, executiva do Mining Hub, maior comunidade de inovação aberta do mundo focada apenas na cadeia da mineração, comemora uma conquista recente. Com uma solução muito simples, ela resolveu um problema importante. E não tem nada a ver com minerais, logística, automação ou inteligência artificial.

Coordenadora de inovação do hub, ela foi incumbida de organizar um dos painéis da Exposibram, um dos eventos mais importantes do segmento na América Latina. No total, 22 pessoas deveriam participar. Quando recebeu a primeira lista de inscritos, Elis não ficou surpresa: eram todos homens.

"É claro que havia mulheres capazes de estar ali, mas quem fez a inscrição simplesmente não pensou na questão e colocou o nome da chefia", diz ela, em conversa com o NeoFeed.

Além de organizar, ela deveria mediar o painel. Diante da lista, não se resignou. Comunicou seu chefe que gostaria de tentar mudar o cenário e foi imediatamente apoiada.

Assim, entrou em contato com os associados do hub e pediu que enviassem uma nova lista, levando em consideração o gênero das pessoas indicadas. "A resposta foi ótima e conseguimos fazer um painel equilibrado, com 11 mulheres e 11 homens”, diz Elis.

Encerrada em 12 de setembro, a Exposibram foi palco de outro marco. Ali foi oficializada a criação do Pretas na Mina, um movimento de mulheres negras, cujo objetivo é combater o racismo e o machismo na indústria minerária.

"Em nosso ambiente, o racismo estrutural ainda é velado. Precisamos aumentar a representatividade de pessoas negras em todas as áreas e funções", afirma Elis, também integrante do grupo.

Trata-se de uma mudança radical de postura — de Elis, de sua liderança e dos associados do Mining Hub, que não apresentaram resistência às ideias da executiva. O prenúncio de uma transformação ainda maior.

Lá se vão mais de 100 anos desde que as feministas começaram a reivindicar igualdade de condições — direitos, salário, oportunidades — entre homens e mulheres no ambiente de trabalho. Essa luta, aliás, ganhou força justamente com a participação de operárias da Revolução Industrial, entre 1760 e 1850. Ainda hoje, no entanto, a participação feminina é pouco expressiva.

O mais recente levantamento do Women in Mining Brasil é revelador do abismo: apenas 21% do total de trabalhadores são mulheres. Entre os cargos mais altos, o número é ainda menor. Elas são apenas 13% nos times executivos.

E assim o movimento avança

Diante de tal realidade, boa parte das companhias mineradoras e outras empresas do setor resolveram se organizar para criar programas e metas de diversidade. E, assim, nasceu, em 2019, o Women in Mining Brasil.

Levando em conta os avanços alcançados até agora, o futuro soa  mais equânime. Do último levantamento, por exemplo, participaram 33 empresas — mais do que o dobro de 2021, quando apenas 16 companhias se dispuseram a contribuir para o levantamento. Entre as atuais, quase a totalidade (97%) já tem algum tipo de programa de diversidade, equidade e inclusão (DEI).

"Quem não quer viver em um mundo onde todos são ouvidos e respeitados?", diz Maria Quental, vice-presidente de pessoas da Vale (Foto: Divulgação/Vale)

Como coordenadora de inovação do Mining Hub, aos poucos, Elis Santana ajuda a aumentar a participação das mulheres (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos 47 anos, a engenheira química Ana Cristina Calil Ramos passou a maior parte da carreira como engenheira de dutos: (Foto: Arquivo Pessoal)

Andreia Andrade, de 47 anos, trabalha há 18 na Vale. Como gestora de território de relacionamento com a comunidade, foi a primeira mulher a assumir a chefia da operação em Açailândia, no Maranhão: "Me sentia solitária" (Foto: Divulgação/Vale)

Signatária dos Princípios de Empoderamento da Mulher, da ONU Mulheres desde 2013, a Vale tem criado programas para promover a equidade de gênero em todas as suas áreas.

“Diversidade é um tema que deve ser discutido por toda a sociedade", diz Maria Quental, vice-presidente de pessoas da Vale. "Quem não quer viver em um mundo onde todos são ouvidos e respeitados?"

Em 2019, a mineradora estabeleceu a meta de dobrar a representatividade feminina até 2025, elevando o índice de 13% para 26%. Hoje elas já são 25% no quadro geral de funcionários e o mesmo número em posições de liderança.

"Não quero brigar com mulher"

Entre elas está Andreia Andrade, de 47 anos, 18 deles trabalhando na Vale. No começo da carreira, a proporcionalidade de homens e mulheres não era algo que fazia parte do seu dia a dia. O assunto não estava em pauta e, por isso, as dificuldades não ficavam tão explícitas, lembra ela.

A diferença começou a chamar sua atenção, porém, há oito anos, quando assumiu seu primeiro cargo de liderança como gestora de território de relacionamento com a comunidade, cargo que exerce até hoje. Entre seus pares, ela era a única mulher. "Fui a primeira mulher a assumir a chefia da operação em Açailândia, no Maranhão”, conta. “Me sentia solitária."

Atualmente, o cenário é outro. Andreia convive com mulheres em várias funções e a presença dela não é mais exceção na região. O desafio está ainda da porta para fora. Entre suas funções está o diálogo com a comunidade onde a mineradora atua. Isso envolve negociações delicadas sobre o território, como uso de recursos e regras de circulação, entre outras.

"Uma vez, um líder comunitário estava se negando a conversar comigo. Perguntei qual era o motivo e ele disse: 'Não quero brigar com mulher'", recorda Andreia, rindo do imbróglio.

Mais respeito, banheiros e tecnologia

Hoje Ana Cristina Calil Ramos, de 47 anos, é executiva da Ausenco, prestadora de serviços para diversos segmentos da indústria. Ela se formou em engenharia química, mas, ainda como trainee, entrou para a mineração. Passou a maior parte da carreira como engenheira de duto.

Na prática, seu papel era coordenar equipes que trabalham em uma estrutura de 400 quilômetros de extensão, responsável pelo transporte de minério entre Mariana, em Minas Gerais, e Guarapari, no Espírito Santo.

Embora fosse uma atividade exaustiva e bruta, nunca foi um impedimento ou um incômodo para ela. "Eu gostava muito. Mesmo grávida, eu ia para o campo, acompanhava a limpeza do duto, me enfiava no meio do mato", diz Ana Cristina.

O desafio era se manter firme para impor respeito entre os colegas e os funcionários: "Eu não podia dar muita abertura, ficava sempre em alerta". Com o tempo, o número de mulheres no ambiente foi aumentando e, com isso, melhorias vieram.

Em 2014, Ana Cristina lembra de começar a ver mulheres operando os gigantescos caminhões fora de estrada. Com elas, vieram os banheiros femininos e uma mudança de postura dos homens, que deixaram não só de se espantar com a presença delas, como a respeitá-las de fato.

A maquinista

A chegada feminina aos campos de operação se deve muito aos avanços das tecnologias minerárias. A automatização das máquinas, por exemplo, dispensa hoje a necessidade de uso de (tanta) força física. "Para mim, é mais um trabalho intelectual do que qualquer outra coisa", afirma Gabrielle Castro, de 22 anos.

Ela é maquinista da primeira locomotiva 100% elétrica da Vale, usada no transporte de minérios em São Luís, no Maranhão. "Os homens estão acostumados a usar a força para operar as máquinas e, agora, com mais mulheres trabalhando ao lado deles, a gente vai mostrando que nem sempre a força se faz necessária”, diz. “Há outras formas de trabalhar que também funcionam bem.”