MARRAKECH — Poucos cineastas criaram um universo tão próprio a ponto de virarem adjetivo, como Woody Allen, com “allenesque”; Stanley Kubrick, com “kubrickesque”, e Tim Burton, com “burtonesque”. É ainda mais raro um diretor inspirar, há mais de uma década, uma exposição itinerante dedicada exclusivamente ao seu imaginário cinematográfico, como The World of Tim Burton, recém-inaugurada em Londres.

“O melhor jeito de conseguir se conectar com o outro é expressar algo significativo e verdadeiro para você”, disse Tim Burton, de 66 anos, ao explicar como chegou à assinatura tão única nas telas, durante evento, realizado na 21ª edição do Festival Internacional de Cinema de Marrakech, do qual o NeoFeed participou

Ao longo de uma carreira de mais de quatro décadas, seu nome virou sinônimo de filmes ambientados em mundos predominantemente bizarros, onde imperam os elementos surreais, o visual gótico, o humor negro e os personagens malditos.

“Nunca fiz nada pensando em obter sucesso, de olho no gênero mais popular, por exemplo”, contou Burton, durante sua masterclass, no festival marroquino, que se encerra neste sábado, 7 de dezembro. “A partir do momento em que decidimos buscar o êxito, saímos de nós e nada mais funciona. É por isso que sempre fui eu mesmo.”

O evento em Marrakech foi o último compromisso profissional do cineasta em 2024, ano em que o seu Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice arrecadou mais de US$ 451 milhões nas bilheterias, ao redor do globo. Ao resgatar o universo fantasmagórico de Beetlejuice (interpretado por Michael Keaton), do filme de 1988, a continuação está atualmente na lista dos dez títulos mais vistos do ano do Box Office Mojo.

E 2024 ainda marcou a inauguração da última etapa da exposição The World of Tim Burton, montada em 14 cidades, de 11 países, desde 2014. Entre outros pontos, a mostra passou por Torino, Praga, Brühl, Tóquio, Osaka, Hong Kong, Seul, Cidade do México e São Paulo, em 2016, quando ocupou o MIS, Museu da Imagem e do Som.

“Dá sempre uma sensação estranha expor parte da sua vida e da sua arte para todo mundo ver”, afirmou Burton, que emprestou itens do seu arquivo pessoal ao Design Museum de Londres.

A mostra, visitada pelo NeoFeed, segue até 21 de abril de 2025, com mais de 600 peças, além da recriação do estúdio onde Burton trabalha, com desenhos de criaturas por todos os lados, para dar uma ideia do seu processo criativo.

A exposição reúne esboços, desenhos, pinturas, esculturas, fotografias, cadernos de anotações e storyboards. Há ainda muitos adereços, peças de cenários e figurinos de personagens de seus filmes.

Os mais importantes estão representados, como Batman (1989), Edward Mãos de Tesoura (1990), Ed Wood (1994), A Noiva Cadáver (2005), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), Alice no País das Maravilhas (2010), Frankenweenie (2012), O Lar das Crianças Peculiares (2016) e Dumbo (2019), além do trabalho mais recente.

O último filme de Burton, "Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice" arrecadou mais de US$ 451 milhões (Foto: themoviedb.org)

Edward Mãos de Tesoura é o alter ego do cineasta americano (Foto: 20th Century Studios)

“Para mim, os monstros sempre foram os personagens mais sensíveis e profundos das histórias", diz o cineasta (Foto: ©Tim Burton)

A exposição no Design Museum reúne esboços, desenhos, pinturas, esculturas, fotografias, cadernos de anotações e storyboards (Foto: Rob Harris for the Design Museum)

Muitos desenhos vêm da infância solitária de Burton, em Burbank, na Califórnia, onde ele passava seus dias “imaginando e desenhando histórias bizarras”.

“Como eu não lia muitos livros infantis quando era pequeno, cresci vendo filmes de monstros. Eles eram os meus contos de fadas, e, mais tarde, se tornaram as minhas inspirações”, recordou o cineasta, que também foi encorajado por uma professora de artes a soltar a sua imaginação.

Já nos seus primeiros trabalhos escolares, Burton demonstrava o gosto pelo grotesco, pelo surreal, pelo gótico e pelo humor ácido. “Sempre me senti o esquisito da família”, brincou Burton, admitindo que o protagonista de Edward Mãos de Tesoura é o seu alter ego.

Trata-se de um dos seus personagens mais emblemáticos, reconhecido só pela sua silhueta: com seus cabelos desgrenhados, roupa justa e dedos feitos com lâminas longas e afiadas.

“Era assim que eu me sentia na adolescência, como se eu fizesse parte de um conto de fadas sombrio, por não conseguir me comunicar com as pessoas. Mas tudo era muito emocional e real para mim”, contou o diretor.

Um dos destaques da exposição é o figurino de couro assinado por Colleen Atwood e usado por Johnny Depp no filme.

Há também vários esboços de Edward, alguns feitos até em guardanapos, já que é um hábito do diretor sempre rabiscar algo, nas mesas de bares e restaurantes.

Na coleção de guardanapos expostos em quadros, o que mais salta aos olhos são as criaturas monstruosas, algumas nunca vistas nos filmes de Burton.

“Para mim, os monstros sempre foram os personagens mais sensíveis e profundos das histórias, por geralmente trazerem algo trágico no passado. E é por isso que são os mais incompreendidos e perseguidos”, disse Burton. “As pessoas sempre querem destruir o que não entendem.”