O clima de decepção do mercado financeiro com o pacote fiscal apresentado pelo governo no fim de novembro é totalmente justificável pela demora de cinco semanas em ser anunciado e pelo impacto insuficiente que vai causar nas contas do governo para salvar o arcabouço fiscal. A morosidade para aprovação no Congresso agrava ainda mais o problema.

“Faltou senso de urgência do governo em anunciar o pacote e, depois do anúncio, ele já veio desidratado”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, em entrevista ao NeoFeed.

Segundo ela, o governo levou muito tempo para anunciar as medidas e, ao fazê-lo, incluiu a proposta de isenção do imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil, tirando o impacto do anunciado corte de R$ 70 bilhões e “queimando” a pauta do aumento da isenção que todos conheciam - o que deveria ser discutida em outra ocasião.

Agora, o governo ainda corre contra o tempo para tentar aprovar as medidas num Congresso hostil, evidenciando uma falta de estratégia.

A economista afirmou que a reação do Banco Central de elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual na última reunião de 2024 foi correta ao sinalizar que vai agir duro para controlar a desancoragem da inflação.

Leia, a seguir, a análise de Srour dos principais efeitos causados pelo pacote do governo e a reação do mercado e do Banco Central:

Decepção do mercado
“Num cenário global de dólar forte, com a inflação no País subindo, desancorando as expectativas, e o câmbio se depreciando, o governo demorou muito para anunciar as medidas. Faltou senso de urgência, o mercado estava ansioso para entender qual seria a regra fiscal, e quando se faz conta na planilha para 2026, o limite do teto não é possível de ser cumprido, a despesa discricionária do governo teria de ir para zero. Talvez tenha faltado esse entendimento com o mercado do que precisa ser feito, mas o senso de urgência não foi atendido. As medidas anunciadas não vão gerar economia e podem obrigar o governo a gerar um pacote muito maior do que foi colocado na mesa.”

Pacote desidratado
“O erro estratégico de incluir a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil acabou tirando o impacto do que seria a economia prometida, de R$ 70 bilhões em dois anos. Mas, mesmo tirando a proposta de isenção de IR e criação de taxação dos super-ricos como compensação, o mercado achou as medidas insuficientes para salvar o arcabouço em 2025.

Esses R$ 70 bilhões anunciados não correspondem a corte de despesas; no máximo a 60% delas. No pente-fino, tem muita medida administrativa. Havia expectativa de mudanças do seguro-desemprego, na redução de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no abono salarial para quem ganha até dois mínimos. Nada disso foi atendido e a demora ainda prossegue para aprovar o pacote no Congresso.

A limitação do salário-mínimo ao teto de gastos foi na direção correta, mas tinha de ser num limite menor que 2,5%. A economia com a reforma da previdência dos militares foi baixa, apenas R$ 2 bilhões. No abono, a reformulação será feita de forma tão gradual que o impacto total se dará apenas em 2035, mas o que queremos é chegar vivos em 2026...”

 Reação do Copom
“A decisão do Banco Central de aumentar a taxa Selic em um ponto percentual e sinalizar que vai aumentar mais dois pontos percentuais nas duas próximas reuniões foi correta. O comunicado foi muito bom, ao afirmar que a situação ‘não é incerta, é adversa'. Os diretores do BC explicaram que a percepção do mercado sobre o pacote trouxe um cenário de inflação mais adverso pelo aumento do prêmio de risco. E não colocaram limite de alta de juros – vai depender do cenário. O fato é que o grau de paciência do mercado está diminuindo porque o cenário não evolui.

O leilão de dólares feito pelo BC não significa uma intervenção no câmbio. O leilão era esperado, de linha sazonal de final de ano. O anúncio do leilão junto com a decisão do Copom deveria trazer um ambiente menos volátil, o que não aconteceu.”

PIB elevado
“O Produto Interno Bruto (PIB) pode chegar a 3,5% este ano, mas o mercado espera para 2025 um índice próximo de 1,5% ou 1,8%. As condições financeiras mais apertadas, com as altas de juros, vão acabar batendo na economia. No primeiro semestre de 2025, teremos uma safra muito boa, que vai afetar o PIB do primeiro e segundo trimestre. A desaceleração, portanto, deverá ocorrer no segundo semestre. É evidente que a economia está crescendo muito acima do potencial.

Por que o mercado errou? As reformas estruturantes podem ter aumentado o PIB potencial ao longo do tempo, mas é difícil falar que o PIB potencial está crescendo muito quando vemos taxa de investimento baixa – teria de estar subindo, mas está em patamares baixíssimos, o mesmo de duas décadas atrás. O PIB alto atual é muito efeito do fiscal.”