Muito se tem falado sobre uma revisão do capitalismo. O ano que passou, 2019, foi marcado por inúmeros movimentos que fortaleceram o papel do ESG ou ASG (Ambiental, Social e Governança), como falamos no Brasil, como elemento fundamental dos negócios.

E o recém-concluído encontro de Davos, na Suíça, reforçou o chamado, conclamando as empresas a adotarem práticas mais justas socialmente e adequadas à preservação e, mesmo, reconstrução do meio ambiente.

A tradicional visão, de Milton Friedman, de que o único dever da companhia, e por conseguinte de seus gestores, é gerar o maior valor a seus acionistas não parece ajustada à realidade atual.

O capitalismo ético, ou com valores, ou consciente, entre as várias terminologias possíveis, é a manifestação evidente da necessidade de um olhar mais amplo deste modelo econômico, contemplando todos os stakeholders.

A discussão é bem-vinda e, felizmente, alguns pontos já geram consenso. Por exemplo, de que o modelo atual, tal como está, construiu sociedades divididas e um alto nível de desigualdade, além de ter prejudicado o meio ambiente.

Por outro lado, também parece haver uma concordância de que o capitalismo ainda é o sistema econômico capaz de trazer prosperidade em massa e resolver problemas em escala. Portanto, não se trata se substituir o capitalismo, mas de revê-lo, ajustá-lo, adequá-lo às novas demandas sociais.

Mas seria possível de fato um capitalismo mais ético? Há fundamentos razoáveis a justificar algo além da ganância e que, portanto, busque verdadeiramente o comprometimento com o propósito?

Entre as várias obras que abordam este tema, o Futuro do Capitalismo, de Paul Collier, traz uma luz importante sobre pontos que estão obscuros nesta discussão. O autor argumenta que um capitalismo mais ético estará, necessariamente, baseado na junção de 3 elementos: senso de pertencimento, obrigações recíprocas e propósito.

Nosso sistema atual é, basicamente, fundamentado em direitos. E a luta constante para garanti-los. A cada direito, entretanto, se contrapõe uma obrigação e é a partir das obrigações recíprocas que se gera a base para a prosperidade. Mas obrigações recíprocas em relação a quem?

A narrativa do pertencimento torna-se essencial, porque traz emoções relevantes atreladas, como o reconhecimento e o apreço. Pode soar curioso falar em emoções quando se está a tratar de sistemas econômicos, mas o próprio Adam Smith, conhecido pela defesa do homem econômico motivado pelo egoísmo como centro da prosperidade, traz a figura do indivíduo com base na moral. Aqui, a prosperidade vem da construção de obrigações recíprocas, da distinção entre o que queremos fazer e o que sentimos que devemos fazer.

A narrativa do pertencimento torna-se essencial, porque traz emoções relevantes atreladas, como o reconhecimento e o apreço

As obrigações recíprocas dependem, entretanto, da confiança. E esta confiança nasce a partir da percepção e compreensão de que estamos dentro de um mesmo grupo. Pertencemos a uma mesma unidade. Pertencemos.

Paul Collier avalia, então, o porquê das fissuras sociais em diferentes contextos a partir da quebra deste senso de pertencimento. Narra, em detalhes, o que ocorre entre metrópoles dinâmicas versus o interior, países ricos versus países em desenvolvimento, os mais instruídos versus os menos instruídos. A polarização recente, em diferentes perspectivas, salta aos olhos ao redor do mundo, e o fenômeno, infelizmente, não é diferente no Brasil.

A divergência de pontos de vista é saudável e bem-vinda para a discussão de qualquer tema, mas o propósito final tem que estar alinhado. A sociedade, como tal, precisa reencontrar seu senso de pertencimento.

Em nosso caso específico, precisamos voltar a compartilhar a narrativa de nação e priorizar o propósito de transformação positiva do País. Quando se diz que o problema de um é o problema de todos, em verdade é necessário, definitivamente, absorver a responsabilidade embutida nas obrigações recíprocas, que nos colocam no dever de resolver problemas que, direta ou indiretamente, afetam a todos nós, gerando os desafios atuais.

Neste sentido, usando o livro de Paul Collier tropicalizado à nossa realidade, é chegado o tempo de dar este twist positivo sobre o que é o capitalismo, ajustando a partir disto Estado e Empresa - Collier também fala em família - e criando prosperidade.

*Luciana Antonini Ribeiro (luciana@ebcapital.com.br) é sócia-fundadora da EB Capital