Chico Bento, um dos maiores ícones dos quadrinhos brasileiros, finalmente deixa as páginas e ganha vida nas telas. A escolha para interpretá-lo foi, no mínimo, curiosa: entre 3.500 candidatos, o influenciador digital e youtuber Isaac Amendoim, de 10 anos, foi o escolhido para viver o caipira criado por Mauricio de Sousa. E a decisão não poderia ser mais acertada.

Isaac é carismático, tem uma relação genuína com a natureza e os animais que cria em sua casa em Cana Verde, Minas Gerais, como seus porquinhos Torresmo e Pururuca. A autenticidade que ele transmite faz dele a personificação perfeita do protagonista no live-action Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa, que estreou nos cinemas no dia 9 de janeiro.

Inspirado nas histórias de Mauricio de Sousa, o filme é o primeiro live-action centrado em Chico Bento. Na trama, Chico precisa salvar a preciosa goiabeira das ameaças do Dotô Agripino (Augusto Madeira) e de seu filho Genesinho (Enzo Henrique). Para isso, contará com a ajuda dos amigos da Vila Abobrinha: Zé Lelé (Pedro Dantas), Rosinha (Anna Julia Dias), Tábata (Lorena de Oliveira), Hiro (Davi Okabe) e Zé da Roça (Guilherme Tavares).

O processo de seleção do elenco teve momentos inusitados, como o teste de Pedro Dantas para o papel de Zé Lelé. Segundo Marina Sousa, filha de Mauricio e integrante da Mauricio de Sousa Produções (MSP), o momento foi revelador: “Olha, pai, você criou a personagem inspirado nesse menino aí”, brincou.

Fernando Frahia, diretor do filme, explica, em entrevista ao NeoFeed: “O fundamental era que o ator transmitisse a energia do personagem. Não queríamos ‘crianças perfeitas’ representando os personagens como nos quadrinhos. Buscávamos a essência das características nas crianças reais.”

A abordagem deu certo. O elenco, dirigido por Frahia, transporta o espectador para a Vila Abobrinha, recriando a sensação das histórias dos gibis de maneira autêntica. As filmagens, realizadas em Itatiba e Bragança Paulista, no interior de São Paulo, retratam fielmente a roça e a simplicidade que marcam as histórias de Chico Bento.

"Líamos os quadrinhos e procurávamos capturar uma essência verdadeira e honesta das histórias", afirma Frahia. "Quando o Mauricio de Sousa leu a primeira versão do roteiro, ele chorou. Isso foi muito importante para saber que estávamos no caminho certo."

Sintonia de ideias

A ideia de criar live-actions da Turma da Mônica surgiu de uma provocação do próprio Mauricio de Sousa. “Ele é muito bom nisso, em trazer provocações, ideias e sugestões que não são simples de realizar”, conta Marcos Saraiva, diretor-executivo da Mauricio de Sousa Produções e neto do quadrinista. “Transformar esse universo lúdico em algo real realmente não é uma tarefa fácil.”

Segundo o diretor, a maior dificuldade está em estabelecer uma conexão com personagens que não têm uma referência visual real. Todo o processo, desde o roteiro até o elenco e as locações, passa pela aprovação da Mauricio de Sousa Produções. “Nos live-action, atuamos com uma direção criativa”, explica Saraiva.

E o desejo de Mauricio de Sousa estava tão presente no ar que o diretor de cinema Daniel Rezende captou enquanto assistia com seu filho ao live-action de O Pequeno Nicolau, adaptação das clássicas histórias em quadrinhos de Jean-Jacques Sempé e René Goscinny. "Na hora pensei: ‘Como assim nunca foi feito um live-action da Turma da Mônica?’", conta.

Com a vontade de transformar o incômodo em realidade, Rezende foi atrás de uma oportunidade. Ao descobrir que a Biônica Filmes estava começando a trabalhar no longa Laços, ele não perdeu tempo. “Se eles ainda não tinham um diretor, agora tinham”, declarou, oferecendo-se imediatamente para colaborar no projeto.

Rezende recorda o nervosismo ao conhecer Mauricio de Sousa: “Ele me perguntou como seria o filme. Só consegui responder que seria incrível, ainda sem muita ideia de como faria isso naquele momento”, confessa.

Com o tempo, as ideias do diretor se alinharam ao que a Mauricio de Sousa Produções idealizava. Rezende esteve à frente dos longas Turma da Mônica: Laços e Turma da Mônica: Lições, além das séries Turma da Mônica – A Série e Turma da Mônica: Origens.

Ao começar a adaptação cinematográfica de Chico Bento, Daniel Rezende logo percebeu que não poderia enfrentar sozinho o desafio de dar vida ao personagem. “Senti que não tinha o humor, a esperteza e o olhar certo para o personagem”, admite o diretor. Reconhecendo suas limitações, Rezende convidou Fernando Frahia, diretor de Bem-vinda, Violeta (2022) e La Vingança (2016), para colaborar no projeto.

“Ele me pareceu a escolha certa, embora não tenha acreditado muito em mim quando disse que ele seria o melhor diretor para esse filme”, lembra Rezende. Para ele, Frahia “tem um humor muito inteligente e, ao mesmo tempo, um olhar sensível. O Chico Bento dele ficou muito mais esperto, irônico, ingênuo e engraçado do que eu jamais poderia sonhar.” E o que Frahia sonhou para o personagem foi exatamente o que os fãs de Chico Bento esperavam.

Mais quadrinhos nas telonas

Chico Bento é o terceiro longa-metragem live-action produzido pela Biônica Filmes em parceria com a Mauricio de Sousa Produções (MSP). O primeiro, Turma da Mônica: Laços (2019), foi um sucesso de bilheteria no Brasil, com mais de 2 milhões de espectadores, enquanto o segundo, Turma da Mônica: Lições (2021), lançado em meio à pandemia, atraiu 820 mil pessoas aos cinemas. Além dos filmes, a parceria entre a produtora e a MSP resultou em três séries: Turma da Mônica A Série (2021) e Turma da Mônica Origens (2024), ambas no Globoplay, e Franjinha e Milena em Busca da Ciência (2024), no MAX.

Inspirado nos quadrinhos da Turma da Mônica Jovem, ainda em 2024 foi lançado Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo, produzido em colaboração com a Bronze Filmes. O filme trouxe uma proposta diferente das produções anteriores, mas enfrentou críticas, ficando aquém das expectativas quando comparado aos sucessos anteriores da franquia.

Segundo Marcos Saraiva, diretor-executivo da MSP, “muitas pessoas interpretaram Turma da Mônica Jovem como uma continuação do universo tradicional, o que não era o caso. Acredito que houve uma falta de contextualização mais cuidadosa desse universo.”

Entre altos e baixos, entretanto, Saraiva afirma que “o audiovisual já é um dos departamentos mais rentáveis da Mauricio de Sousa Produções”, representando cerca de 20% do faturamento da empresa. Desde 2018, foram investidos R$ 63 milhões no núcleo audiovisual, que movimentou R$ 200 milhões no setor nos últimos seis anos. Em termos de bilheteria, Laços arrecadou R$ 30 milhões, enquanto Lições, impactado pela pandemia, gerou R$ 13,5 milhões; e Reflexos do Medo, R$ 1,48 milhão na estreia.

Para 2025, os planos incluem, além do filme de Chico Bento, novas animações da Turma da Mônica e da Turma da Mônica Jovem, e uma cinebiografia de Mauricio de Sousa, que completa 90 anos em outubro. A empresa também planeja adaptações animadas de Turma do Penadinho e Horácio. Esta última terá direção de Carlos Saldanha, conhecido pelo sucesso de Rio, o que demonstra uma ambição crescente de conquistar audiências além do Brasil.

“Nosso objetivo é lançar de três a quatro projetos por ano, e estamos conseguindo cumprir isso. Desde 2018, lançamos 26 produtos”, contabiliza Saraiva. E do baú das personagens de Mauricio de Sousa não faltam histórias para ir para as telonas.