SAN SEBASTIÁN (Espanha) - Gia Coppola, neta de Francis Ford Coppola, está por trás da reinvenção de Pamela Anderson. Foi a cineasta de 38 anos quem deu à atriz, ainda presa à imagem da salva-vidas que corria de maiô vermelho em câmera lenta pelas praias californianas, uma chance de ser respeitada na profissão.
Graças ao convite da diretora, a estrela de “Baywatch - S.O.S Malibu”, série da década de 1990, conseguiu finalmente mostrar que tem talento, sem precisar necessariamente se apoiar na beleza e na nudez. Na pele de uma dançarina decadente de Las Vegas, em “The Last Showgirl”, Anderson ganha indicações e prêmios pela sinceridade emocional que empresta à personagem, inconformada com o fim de sua carreira nos palcos.
E a chance de Anderson ser indicada a um Oscar aumentou esta semana, o que promete dar também prestígio a Coppola, se a atriz for mesmo lembrada pela Academia de Hollywood no anúncio de todos os concorrentes no dia 19. “The Last Showgirl” é o terceiro longa-metragem dirigido por Coppola, que até então tinha gritado “ação!” em set de filmes de pouca expressão na indústria, mesmo no setor independente, como “Palo Alto” (2013) e “Mainstream” (2020).
Embora tenha perdido o Globo de Ouro de atriz dramática para Fernanda Torres, por “Ainda Estou Aqui”, Anderson foi indicada na última quinta-feira ao SAG Awards. Este prêmio é concedido anualmente pelo Sindicado dos Atores de Hollywood, que acabou ignorando a brasileira. Até porque a votação do SAG já tinha sido encerrada quando Torres surpreendeu a todos com a sua conquista, no último domingo, no Globo de Ouro, que é entregue por jornalistas estrangeiros especializados em cinema e TV.
Como o SAG costuma ser uma prévia do Oscar, em sua categoria, por representar, assim como o prêmio da Academia, os profissionais da indústria, Anderson deu um passo a mais rumo à sua indicação. No geral, os prêmios entregues pelas entidades de classe são os que mais influenciam as indicações ao Oscar.
“É muito gratificante ver Pamela dar a volta por cima, depois de tudo o que ela passou na vida. É quase uma revanche divina”, disse Gia Coppola, sobre a expectativa de uma indicação de sua atriz ao Oscar.
A cineasta conversou com o NeoFeed durante a 72ª edição do Festival Internacional de San Sebastián, o SSIFF, onde “The Last Showgirl” levou o Prêmio Especial do Júri, concedido ao elenco do filme, encabeçado por Anderson.
“Nenhuma outra atriz poderia interpretar o papel. Vi paralelos entre a vida de Pamela e da personagem e também senti que ela tinha fome de um papel mais robusto”, contou Coppola, que a escalou após vê-la em um documentário. Em “Pamela Anderson - Uma História de Amor” (2023), disponível na Netflix, a atriz recapitulou toda a sua vida, sem esconder os momentos mais difíceis. Um deles foi o escândalo de 1996, com o vazamento de sex tape que ela tinha feito com o então marido, o roqueiro Tommy Lee, no ano anterior.
A vulnerabilidade que a atriz mostrou no documentário e a frustração por nunca ter sido levada a sério acabaram garantindo a Anderson o papel de Shelly, em “The Last Showgirl”, ainda sem data de lançamento definida no Brasil. Na faixa dos 50 anos, a protagonista perde o rumo ao descobrir que o show que a emprega há três décadas, ao qual ela dedicou toda a sua vida, será encerrado em hotel-cassino de Las Vegas.
Fim do Jubilee
A trama é baseada no espetáculo “Jubilee”, que o hotel Bally’s cancelou em 2016, após 35 anos em cartaz. “Sempre quis fazer um filme em Las Vegas. Quando a minha prima Kate me contou que tinha conhecido as garotas do Jubilee, na época em que o show estava acabando, eu logo me interessei. A showgirl era um símbolo de Vegas e hoje ela não tem mais lugar na cidade”, contou a diretora.
Quem escreveu o roteiro foi Kate Gersten, casada com o primo de Coppola, Matthew Shire, filho de Talia Shire. “The Last Showgirl” é quase um trabalho em família, já que a diretora se cercou de outros parentes no set de filmagem. Os outros dois filhos de Talia Shire também integram a equipe, com Robert Schwartzman respondendo pela produção e o ator Jason Schwartzman fazendo um papel pequeno.
Para construir uma carreira com brilho próprio no cinema, Coppola não acredita que precisaria evitar a associação com os familiares. Pelo contrário. “Esse filme foi realizado em um círculo familiar e íntimo. Uma das minhas tias (Jennifer Furches) ainda foi supervisora de roteiro, a minha mãe (Jacqui de la Fontaine) fez os figurinos e meus amigos foram os chefes de departamento. Isso me deu a autonomia que eu precisava para fazer o filme que queria”, disse Coppola.
Filha de Gian-Carlo Coppola, irmão de Roman e Sofia, a cineasta não conheceu o pai, morto em acidente de barco, em 1986, sete meses antes de seu nascimento. Como cresceu muito próxima da tia, passando boa parte da infância vendo-a rodar seus filmes, como “As Virgens Suicidas’’ (1999), daí nasceu a sua paixão pelo cinema. Seu primeiro empregou foi como assistente de figurino da tia justamente, em “Um Lugar Qualquer”, rodado em 2010.
O sobrenome sempre pesou, mas Coppola preferiu não deixar que a tradição familiar a congelasse, preferindo acreditar que todo artista enfrenta crises. “Desempenhar uma função criativa traz sempre muita insegurança. Por precisar se expressar, você tem que continuar e desligar a voz negativa na sua cabeça. Sou grata pela família que tenho, podendo pedir conselhos a profissionais maravilhosos. Com eles, descubro melhor qual é a minha visão.”
Ela lembra que, embora tenha herdado as conexões da família na indústria, foi obrigada, muitas vezes, a aceitar o “não” – sobretudo nos últimos tempos, com os filmes enfrentando muitas dificuldades de financiamento em Hollywood, com o avanço do streaming.
“Por ser difícil construir um caminho nessa indústria, houve projetos que não corresponderam ao meu amor por eles. Mas sempre interpretei rejeição como proteção, para não me tornar uma pessoa amarga e aceitar o caminho pelo qual a vida queria me levar”, diz Coppola, com um sorriso.