Só dá ela! De três meses para cá, Fernanda Torres parece onipresente. Desde o início de setembro, quando Ainda Estou Aqui ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival Internacional de Cinema de Veneza, a impressão é de que, para qualquer lugar que se olhe, lá está a atriz carioca de 59 anos.
Nos tapetes vermelhos, coletivas de imprensa e entrevistas, enquanto ela zanza de um lado a outro do planeta para divulgar o filme, seus vídeos e fotos (e memes) viralizam nas redes sociais mundo afora. Fernanda é o fenômeno do momento — ou o ícone brasileiro que se tornou global, como estampado em manchete da revista americana Vanity Fair, de 26 de novembro.
No longa de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, a atriz é Eunice, esposa do engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar em 1971 — vivido por Selton Mello. Depois da morte do marido, mãe de cinco filhos, Eunice se formou advogada e virou ativista pelos direitos dos desaparecidos políticos e suas famílias e da causa indígena.
Maior bilheteria brasileira do período pós-pandemia, desde 7 de novembro, o filme vem lotando as salas de cinema do país e, até agora, já arrecadou mais de R$ 49 milhões.
A comoção em torno da atriz ganharia novo impulso em 18 de novembro, quando uma foto dela foi publicada no perfil oficial no Instagram da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), responsável pelo Oscar. A reação foi imediata: o Brasil e o mundo parecem t-o-t-a-l-m-e-n-t-e "fernandatorresiados”.
Em menos de 24 horas, o post bateu a marca de 1 milhão de curtidas e 300 mil comentários, em uma das postagens mais celebradas da conta.
Agora, são quase 3 milhões de likes, 350 mil compartilhamentos e 821 mil anotações, números que ultrapassam, com folga, os alcançados por estrelas internacionais como Kate Winslet, Demi Moore e Jennifer Lopez.
“Os brasileiros são culturalmente digitais, extremamente ativos e engajados nas redes sociais”, observa João Finamor, professor de marketing digital da ESPM, em conversa com o NeoFeed.
Apelo emocional
O “advento Fernanda Torres”, diz ele, tem um fator emocional poderoso: a memória da perda do Oscar de melhor atriz de 1999, por Fernanda Montenegro — em Central do Brasil, também dirigido por Salle, ela é a amargurada Dora, professora aposentada que trabalha escrevendo cartas para pessoas analfabetas.
“Isso ativa o ‘lado justiceiro’ do brasileiro”, analisa Finamor
A frustração nacional de 25 anos atrás, inclusive, foi lembrada pelo jornal americano The New York Times, neste sábado, 14 de dezembro. Intitulada Sucesso de bilheteria no Brasil gera expectativas de Oscar – e de um acerto de contas, a reportagem diz:
"Há mais de duas décadas, Fernanda Montenegro, hoje com 95 anos, fez história ao se tornar a primeira atriz brasileira indicada ao Oscar. Ela perdeu para Gwyneth Paltrow, e o Brasil nunca superou o que muitos consideram uma injustiça".
E o texto prossegue: "Agora, Torres chama a atenção de Hollywood como uma potencial candidata à disputa da cobiçada estatueta dourada, graças a um papel que provocou uma febre cinematográfica — e um acerto de contas — no maior país da América Latina".
Fernanda já concorre como melhor atriz de drama ao Globo de Ouro, considerado um termômetro para as indicações e vencedores do Oscar. Se depender da torcida, a honraria novamente é nossa.
De 10 de dezembro até o momento, o post com o anúncio de que Fernanda está elegível ao prêmio, soma 113 mil curtidas, vezes, 34 mil compartilhamentos e 22 mil comentários.
"Vocês que não cometam o mesmo crime que cometeram em 199 para ver o que acontece!!!", escreve uma internauta. A lista oficial dos indicados será divulgada em 17 de janeiro.
Outro apelo de Ainda Estou Aqui inegavelmente importante é Fernanda Montenegro também estar em Ainda Estou Aqui, como Eunice na última fase de sua vida — mãe e filha, vivendo a mesma personagem.
Sem emitir uma única palavra, apenas com o olhar, ela transmite toda a força da ativista, agora presa ao Alzheimer. Eunice morreu em 13 de dezembro de 2018, aos 84 anos, depois de mais de uma década convivendo com a doença.
"A rainha dos memes"
Com todo o frisson em torno do filme e de sua protagonista, o alcance digital de Fernanda explodiu.
Um levantamento da Nexus — Pesquisa e Inteligência de Dados mostrou que, entre junho e novembro, a atriz ganhou 1,15 milhão de novos seguidores no Instagram, um aumento de 169% na plataforma.
O crescimento foi especialmente significativo em novembro, mês de estreia de Ainda Estou Aqui no Brasil. Nesse período, a atriz somou 939 mil novos seguidores, impulsionada pela publicação de sua foto no perfil oficial da Academia do Oscar. Até 11 de dezembro, seu número total de seguidores atingiu 1,9 milhão.
No TikTok, o impacto também foi notável. Criada em julho passado, a conta de Fernanda na rede de vídeos curtos soma 201,5 mil seguidores e 1,7 milhão de curtidas.
O impressionante engajamento digital de Fernanda, porém, vai além da expectativa de uma indicação ao Oscar. “Ela é a rainha dos memes”, define o professor Finamor.
“Fernanda já acumulou uma grande quantidade de conteúdos virais na internet: respostas marcantes em entrevistas, como as que deu ao Jô Soares, sua participação no programa de Serginho Groisman, e cortes de cenas engraçadas de personagens icônicas, como a Vani, de Os Normais, e a Fátima, de Tapas & Beijos”, explica o acadêmico.
A própria atriz reconhece: “Sou muito grata por ter sobrevivido em memes. Realmente, Tapas & Beijos e Os Normais são fábricas infinitas de memes. Às vezes, vejo uma cena que nem lembrava que tinha feito”, afirma em entrevista à revista Quem.
“O meme é uma nova forma de contar histórias”, explica Finamor. “Embora às vezes subestimado, ele é muito poderoso. Pois, é uma apropriação de comunidades. Ou seja, a história vem, uma bolha se apropria, traduz e transforma para a sua realidade. Isso o diferencia do conteúdo viral, que é replicado de forma idêntica.”
O meme perdura porque é constantemente transformado. Pode começar como um vídeo, se tornar uma imagem, depois um texto, e assim continua a circular por muito tempo, sempre renovado.
"Totalmente drogada"
Quantos memes de Fernanda, recentemente adaptados para refletir a expectativa pelo Oscar, você já não viu por aí?
Um dos mais propagados é aquele em que ela explica, em 2020, em Que história é essa, Porchat?, sua euforia, 16 anos antes, no programa Altas Horas. A atriz acabara de dar à luz e estava como, a própria definiu, “uma cachorra raivosa, uma total falta de paciência”.
No momento de entrar em cena, arrependida do mau humor, tentou compensar a irritação com os produtores demonstrando animação.
Alguns dias depois, sua assessora telefonou para contar a conversa que ouvira entre duas mulheres: “Você viu ontem? O programa do Serginho Groisman de aniversário? Você viu a Fernanda Torres? Totalmente drogada”.
Com o sucesso de Ainda Estou Aqui, a cena da atriz repetindo o “totalmente drogada” ganha fôlego novo — que, como seus outros memes, fomenta o burburinho em torno do filme — que impulsiona o "fenômeno Fernanda Torres" — que aquece ainda mais a campanha pelo primeiro Oscar brasileiro — em um efeito de loop infinito.