Em 1961, John Francis Welch Júnior, um engenheiro químico júnior, à época com 26 anos de idade, empregado há pouco mais de um ano numa fábrica da General Electric (GE), baseada em Pittsfield, no estado americano de Massachusetts, resolveu pedir as contas.

Os motivos, alegava, iam da insatisfação com o salário de US$ 10.500 anuais ao desgosto com a excessiva burocracia existente, passando pelo sentimento de que era subvalorizado pela chefia. Por causa disso, inclusive, já havia até acertado um novo emprego numa outra companhia, a International Mineral & Chemicals, de Illinois.

Só aguardava a festa de despedida com companheiros de trabalho. Ao saber dessa decisão, Reuben Gutoff, seu superior imediato, não se conformou em perder o jovem, que considerava um talento promissor. Marcou um jantar com as respectivas mulheres e procurou demover Welch Jr., tentando convencê-lo a ficar, acenando com um futuro brilhante para ele.

Ao mesmo tempo, Gutoff jurou que impediria que ele ficasse preso nas teias da burocracia, prometendo ainda que criaria para ele um ambiente de pequena empresa, com recursos de uma grande organização.

Depois de quatro horas de conversa, o demissionário rendeu-se. Mas disse que não abriria mão do bota fora. “Eu ainda darei a festa, porque gosto de festas”, afirmou. “Além disso, acho que vou ganhar uns belos presentes.”

Muito anos depois, Gutoff, que continuaria chefiando Welch até o começo dos anos 1970, lembrava com satisfação do episódio. “Foi um dos melhores trabalhos de marketing da minha vida”, disse numa entrevista para o livro “Liderança: As regras do Jogo”, uma coletânea de perfis de alguns dos maiores executivos dos Estados Unidos, produzido pela revista BusinessWeek.

Ele tinha bons motivos para orgulhar-se do feito: seu ex-pupilo John Francis Welch Jr., já então conhecido simplesmente como Jack Welch, encabeçava a lista dos cases estudados, graças ao turnaround, que em pouco mais de uma década, no fim do século passado, transformara a GE na empresa mais valiosa do mundo.

Consagrado como o “CEO do Século” pela revista Fortune, Welch provavelmente conservará essa condição até muito tempo após sua morte, aos 84 anos de idade, nesta segunda feira, por insuficiência renal.

Afastado da GE, seu primeiro e único empregador, desde 2001, quando atingido pela idade limite de 65 anos teve de aposentar-se, quase 20 anos depois, ele ainda era uma referência obrigatória no mundo dos negócios.

Sob seu comando, a centenária GE, criada em 1892 por um grupo de investidores encabeçados por Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica, e pelo banqueiro John Pierpont Morgan, tornou-se sob a batuta de Welch uma das companhias mais admiradas do mundo dos negócios.

Welch assumiu o posto de CEO, que acumulou com o cargo de chairman, em 1981, aos 46 anos de idade. Tratava-se de uma posição dos sonhos para qualquer executivo do primeiro time.

Afinal, a GE daqueles anos era uma empresa lucrativa, com liderança em dezenas de setores (da fabricação de aparelhos domésticos, como torradeiras a geladeiras, locomotivas, equipamentos médicos, geradores de energia e, é claro, lâmpadas, entre muitos outros) e atuação em mais de uma centena de países.

“Nada é sagrado, a mudança é a regra, não é a exceção”, era o mantra de Welch

Inegavelmente, a GE era o tipo do time que estava ganhando, “imexível”, portanto. Não na visão de Welch, iconoclasta e um inconformado desde o começo da carreira, como se viu.

Na sua visão, a despeito da posição privilegiada no mercado, a GE era uma empresa pesada, pouco eficiente e acomodada, com um excesso de degraus entre as direções e a base, leniente em relação ao desempenho de seus funcionários e pouco rigorosa na avaliação do desempenho da infinidade de negócios em que estava envolvida.

Adepto do conceito da destruição criadora, popularizado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, segundo o qual novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios, Welch resolveu se antecipar e colocar na berlinda todo o portfólio da GE.

De acordo com sua visão, a GE só deveria manter as atividades em que fosse a número 1 ou, no mínimo, a número 2 nos mercados em que atuavam. Ponto 2: não bastava a liderança, era imprescindível para a sobrevivência uma rentabilidade superior a da concorrência.

No Brasil, um exemplo significativo dessa estratégia foi a venda de um de seus principais negócios no País, a divisão de aparelhos e ferramentas domésticas para a Black & Decker, no início dos anos 1990.

Resultado: nos primeiros quatro anos da aplicação dessa estratégia, nada menos de 117 unidades de negócios, avaliadas em US$ 21 bilhões, o equivalente a 20% dos ativos totais, foram passadas adiante ou simplesmente fechadas. “Nada é sagrado, a mudança é a regra, não é a exceção”, era o mantra de Welch.

Evidentemente, a força de trabalho foi atingida. Cerca de 100 mil funcionários foram demitidos, o que valeu ao CEO a alcunha de “Neutron Jack”. Que, por sinal, o incomodava. “Se esquecem de dizer que todos os demitidos receberam boas indenizações”, afirmou certa vez.

Ao mesmo tempo em que desinvestia, a GE entrava em novas áreas, com ênfase em produtos de maior valor agregado e serviços essenciais – foram cerca de 600 aquisições sob Welch.

São dessa época o investimento em atividades como a fabricação de motores para aviões a jato, imagens hospitalares, processamento de cartões de crédito, televisão (com a compra da NBC, o principal canal aberto dos Estados Unidos) e serviços financeiros, com a GE Capital, que logo se tornou um dos carros-chefes da companhia.

Com o novo figurino, a GE se transformou numa máquina de fazer dinheiro e criar valor. Em 1981, quando Welch assumiu o comando, o valor de mercado da companhia era de US$ 13 bilhões. Ao deixá-la, em 2001, crescera para US$ 410 bilhões, ou seja, era 31 vezes maior.

Mais: durante a gestão de Welch, o retorno para os acionistas da GE cresceu 5.000%, o equivalente a 21% ao ano, contra 1.400% (14% anuais) obtidos pelas 500 empresas do índice Standard & Poors. Esse desempenho, naturalmente, ancorou-se no aumento das receitas, que passaram de US$ 27 bilhões para US$ 131 bilhões, no mesmo período.

Evidentemente, para chegar a esse desempenho, não bastavam as aquisições e o desenvolvimento de novos negócios. Para Welch, o principal pilar dessa estratégia estava na capacidade de gestão do seu pessoal.

“Meu trabalho não é conhecer cada negócio, saber como se produz um motor de jato ou qual é o programa mais adequado para a NBC nas noites de quinta feira”, afirmou certa vez. “É escolher os líderes que vão tocar os negócios.” Ele costumava comparar a GE a uma mercearia. “O que é importante na mercearia é também importante em motores e sistemas médicos”, dizia. “Se o produto está amanhecido, se as ofertas não são as adequadas, é a mesma coisa.”

Cerca de 100 mil funcionários foram demitidos, o que valeu ao CEO a alcunha de “Neutron Jack”

Ao mesmo tempo em que procurava atrair e manter os melhores talentos do mercado, Welch era implacável na fixação de metas arrojadas e na cobrança de resultados. Ele instituiu o que chamava de curva ABC de valor dos funcionários. A eram os de melhor desempenho, B os essenciais para o negócio, em cuja formação valia a pena investir e, finalmente, C os de desempenho insatisfatório, que deveriam ser demitidos sumariamente.

Reconhecida como uma das razões do sucesso da trajetória executiva de Welch, essa abordagem na área de recursos humanos não escapou de questionamentos. Para alguns especialistas, ela acentua uma ênfase nos resultados de curto prazo, em detrimento da estratégia voltada pelo longo prazo.

Foi apontada, inclusive, como causa principal do escândalo da Kidder Peabody, uma empresa financeira da GE, que em agosto 1994 teve seus principais executivos envolvidos na falsificação de resultados, como modo de atingir as metas acordadas com a direção da empresa e facilitar o recebimento de bônus.

Obcecado com a qualidade de sua equipe, Welch atacou em duas frentes. Uma delas foi a ênfase no aprimoramento dos empregados, com o fortalecimento dos cursos do Centro de Treinamento da GE, em Croton-on-Hudson, nos subúrbios de Nova Iorque, dos quais ele próprio costumava participar.

A outra foi a instituição do “workout”, que consistia em reuniões periódicas dos funcionários com suas chefias, para a livre discussão de assuntos da empresa. Como o “workout” vira a hierarquia de cabeça para baixo, era um sinal claro de que Welch queria transformar a GE em todos os níveis. Os gerentes que não se enquadravam eram demitidos.

Nascido em Salem, Massachusetts, em 1935, filho de um maquinista de trem, de origem irlandesa, Welch, que acumulou uma fortuna avaliada em algo em de US$ 750 milhões, não se acomodou depois de deixar a GE.

Casado pela terceira vez, com a jornalista Suzy Wetlaufer, ex-editora da Harvard Business Review, montou uma bem- sucedida consultoria empresarial e dedicou-se a  palestras ao redor do mundo.

Também escreveu livros, entre elas uma autobiografia, intitulada Jack: Straight From Tee Gut (Jack Definitivo, em português) e montou um curso de MBA, em parceria com a mulher, com quem assinava uma coluna na BusinessWeek.

Nos últimos anos, no entanto, ele não escondia seu desgosto com os rumos tomados pela GE. Principalmente a partir da crise de 2008, na qual sua “galinha dos ovos de ouro”, a GE Capital, foi seriamente afetada.

O que mais atormentava Welch era o fato ter sido ele próprio o responsável pela escolha de seu sucessor, o executivo Jeff Immelt

Com isso, a companhia entrou em parafuso e situação complicada por conta de aquisições malsucedidas, fatores que fizeram o valor de mercado despencar para os atuais US$ 157 bilhões, menos da metade do que o deixado por Welch.

E o que mais atormentava o executivo era o fato ter sido ele próprio o responsável pela escolha de seu sucessor, o executivo Jeff Immelt. Welch manifestou seu arrependimento ao fazer uma avaliação de sua passagem pela empresa. “Estou desapontado, esperava muito mais”, disse, ao dar uma nota A para sua atuação na operação à frente da GE e uma nota F na escolha do sucessor.

Sua morte deu lugar a manifestações de pesar entre empresários e executivos dos quatro cantos do mundo. À frente deles, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Rápido no gatilho, tão logo circulou a notícia, Trump sapecou no Twitter: “Não existiu líder corporativo como “nêutron Jack”, disse. “Ele nunca será esquecido.”

Clayton Netz foi diretor de redação da revista Exame e redator-chefe da Istoé DINHEIRO. É também um dos mais experientes jornalistas brasileiros de negócios

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