O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tomou posse nesta segunda-feira, 20 de janeiro, em cerimônia no Capitólio, sede do Congresso americano, em meio à expectativa de grandes mudanças em várias áreas da administração federal, com impacto previsto na economia e na geopolítica globais.
O tom de ameaça em seu discurso de posse refletiu a expectativa criada nos últimos dias em torno da agenda econômica prometida pelo presidente americano, baseada em três eixos: protecionismo, política anti-imigratória e desregulamentação.
Trump confirmou algumas das medidas de impacto já no discurso de posse – como endurecer a política de imigração, retomar à força o controle do Canal do Panamá e reverter vários programas de transição energética instituídos pelo antecessor, o democrata Joe Biden.
Embora não tenha citado no discurso, existe ainda uma expectativa quanto ao aumento de tarifas de importação, de 60% às importações chinesas e de 10% às dos demais países (a taxa média de tarifas de importação dos EUA hoje é de 11,3%).
Apesar do tom alarmista, Trump também prometeu prosperidade em seu discurso. “Uma nova era de ouro da América está começando”, afirmou Trump. “Minha eleição recente é um mandato para reverter completa e totalmente uma traição horrível e devolver às pessoas sua fé, sua riqueza, sua democracia e, de fato, sua liberdade”, prosseguiu. “A partir deste momento, o declínio da América acabou.”
Trump discursou anunciando medidas – e reforçando ameaças –, compiladas em cerca de uma centena de ordens executivas que pretende baixar nos primeiros dias de governo.
A lista é extensa. De cara, Trump anunciou que assinaria ordens declarando uma emergência nacional na fronteira sul dos EUA, permitindo o envio de tropas. “Não tenho responsabilidade maior do que defender nosso país de ameaças e invasões, e é exatamente isso que farei", disse Trump, referindo-se à primeira medida referente às mudanças na política de imigração.
Entre os 10 decretos executivos relacionados à imigração que assinaria logo após tomar posse, um deles acaba com o reconhecimento automático da cidadania por direito de nascença.
Em outra promessa feita no discurso, Trump adiantou que assinaria uma ordem executiva de emergência energética nacional, visando ao debloqueio de poderes para acelerar a autorização para oleodutos. Prometeu ainda revogar os benefícios para veículos elétricos aprovados pelo governo de seu antecessor
"A crise inflacionária foi causada por gastos excessivos em massa e pelo aumento dos preços da energia. E é por isso que hoje também declararei uma emergência energética nacional. Vamos perfurar e perfurar", prometeu.
Trump ainda anunciou duas medidas, uma polêmica e outra de pouca valia: disse que vai encerrar os programas governamentais que promovem diversidade, equidade e inclusão e prometeu a renomear o Golfo do México como “Golfo da América”.
Desafio
Apesar de reclamar em seu discurso de posse do “quadro sombrio” do país que estava herdando do antecessor, declarando que os pilares da sociedade estavam “quebrados”, Trump assume com o desafio de entregar ao seu sucessor um país ainda mais rico do que recebeu.
A tarefa não é fácil como aparenta. A economia dos EUA cresceu mais sob os quatro anos de Biden (aumento acumulado de 11,8% do PIB) do que no primeiro mandato de Trump (7,6% do PIB) – diferença que pode ser atribuída, entre outros fatores, à chegada da pandemia do coronavírus, em 2020, último ano de seu primeiro mandato.
Após o período de inflação e juros elevados sob Biden, o índice de desemprego atingiu baixa recorde de 3,7%, o mercado de ações experimentou altas históricas e os EUA se distanciaram de outros países ricos nos últimos anos. O mercado de ações e títulos dos EUA, por exemplo, vale US$ 79 trilhões, oito vezes mais que o segundo colocado, o Japão.
Em 2024, o PIB dos EUA chegou perto de US$ 30 trilhões, quase o dobro do tamanho da economia da zona do euro. Para se ter uma ideia da pujança da economia americana, o aumento do PIB do país em 2024, de US$ 1,4 trilhão, foi 50% maior que o crescimento do PIB da China.
Em relatório a clientes na semana passada, instituições sólidas, como o Goldman Sachs e o J.P. Morgan, asseguraram que o domínio econômico e do mercado de ações dos EUA continuará em 2025, descartando que eventuais medidas protecionistas de Trump impactem esse avanço.
Economistas e agentes do mercado, embora admitam otimismo quanto à nova gestão, mantêm cautela quanto ao comportamento errático de Trump.
“Esperamos muito mais volatilidade no nível do índice de ações, impulsionada mais pela política vinda de Washington”, disse ao The Wall Street Journal Kevin Gordon, estrategista sênior de investimentos da corretora Charles Schwab. “Isso claramente será o diferencial para 2025 do que foi em 2024.”
A iminente crise geopolítica que deve emergir com a promessa de Trump de retomar o Canal do Panamá é um exemplo do impacto que pode causar na economia global.
Em seu discurso de posse, Trump alegou que a presença de empresas chinesas na região desvirtuou o objetivo do Canal do Panamá – construído pelos EUA em 1914 e cujo controle foi devolvido ao governo do Panamá em 1999.
“Nós não demos para a China, nós demos para o Panamá e estamos pegando de volta”, disse Trump, sem se alongar sobre o impacto na economia global de uma retomada à força do canal, que movimenta cerca de 3% do comércio marítimo internacional a cada ano.
Há também temores de que a expulsão de “milhões e milhões” de imigrantes ilegais, confirmada durante fala na posse, aliada ao aumento de tarifas de importação, possa alimentar a inflação e reduzir o PIB nos EUA.
Estudo do Instituto Pierce do ano passado indica que só a deportação de 1,3 milhão de imigrantes pode levar a um aumento da inflação de mais de 1% e também a uma queda do PIB dos EUA de 1,8% em três anos.
“A ameaça de inflação mais alta vive tão grande em nossa cabeça que é fácil chegar a um ponto em que imaginamos 2022 acontecendo de novo”, disse Callie Cox, estrategista-chefe de mercado da Ritholtz Wealth Management. “Essa ferida da inflação ainda está fresca.”
No plano interno, surgiram sinais potencialmente preocupantes de que o mercado de ações estaria atingindo um limite de crescimento - o S&P 500 vendo sendo negociado a 22 vezes seus lucros esperados para os próximos 12 meses, acima de sua média de 18,5 vezes nos últimos dez anos.
As ações das gigantes de tecnologia caíram nas últimas semanas, enfraquecendo um pilar do rali dos últimos dois anos. Juntas, as chamadas Sete Magníficas do setor — Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla — perderam cerca de US$ 620 bilhões em valor de mercado no mês passado.
A corrente otimista com a volta de Trump à Casa Branca, porém, aposta num boom de investimentos com a prometida redução de impostos para empresas (que pode ser renovado em 2026, a um custo de US$ 5 trilhões em renúncia fiscal) e de desregulamentação da economia, que fortaleceria os negócios.
Trump há muito tempo apresenta o aumento de tarifas juntamente com a desregulamentação como medidas para resolver problemas econômicos, argumentando que elas podem ajudar a reconstruir a manufatura doméstica e aumentar a renda dos trabalhadores americanos ao tornar os produtos estrangeiros mais caros.
O impacto na economia americana, porém, pode depender de como as medidas vão interferir no comércio global. Além disso, Trump – com seu temperamento errático – ameaça escalar a guerra comercial com a China e até com os vizinhos, México e Canadá, para obter vantagens. Tudo isso torna o cenário mais incerto do que o pintado por Trump em sua posse.